quarta-feira, 16 de março de 2011

Um bom texto de sociologia do trabalho

O Jacob Carlos Lima, atualmente lecionando na UFSCAR, trabalhou para as bandas de cá, mais precisamente na UFPB. É um dos mais importantes pesquisadores da área de sociologia do trabalho no Brasil atualmente. Ler os seus textos, pode acreditar!, é sempre aprender um pouco mais. No texto abaixo, você encontra uma interessante mobilização da obra magistral de Luc Boltansky e Eve Chiapello ("O novo espírito do capitalismo")para analisar as mutações do trabalho na atualidade. Confira!

Participação, empreendedorismo e autogestão: uma nova cultura do trabalho?
Jacob Carlos Lima
Departamento de Sociologia. Universidade Federal de São Carlos



No contexto das transformações produtivas das últimas décadas, os conceitos de participacionismo, empreendedorismo e associativismo passaram a ser discutidos dentro da perspectiva das mudanças nas formas de gerenciamento da força de trabalho e das relações de assalariamento, da precarização das relações de trabalho, do crescimento da informalidade e de alternativas ao desemprego. Embora representando propostas e situações distintas, complementam-se, e, às vezes, confundem-se, no quadro de referência dos interesses empresariais, das políticas públicas voltadas ao mercado de trabalho e geração de renda, e mesmo, dos movimentos dos trabalhadores em busca de melhores condições de vida e trabalho. Mais que uma mudança nas formas de organização de produção, temos mudanças na percepção do trabalho, dos valores a ele vinculados, do seu caráter coletivo e de suas possibilidades enquanto formadores de identidades e projetos sociais.

Este artigo busca discutir essas mudanças que não são apenas nas relações ou na organização do trabalho, nas quais a participação e autonomia do trabalhador têm preponderância nas narrativas justificadoras do novo "espírito do capitalismo" (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009), mas também em valores compartilhados pelos trabalhadores, que incorporam, resistem, reelaboram e atuam, a partir dessas transformações estruturais.

Entre essas mudanças, destacamos a valorização do conhecimento do trabalho pelo trabalhador e sua funcionalidade para o capital, no sentido do aumento da produtividade, como também, para o trabalho em sua potencialidade transformadora em termos de autonomia e emancipação, mas com forte viés individualista. Participação como autocontrole e autogestão de equipes nas empresas; autogestão empreendedora em empresas de propriedade coletiva como cooperativas e a informalidade em sua "positividade", representada pelo empreendedorismo dos pequenos produtores. Sai de cena, ou pelo menos perde visibilidade, o projeto do trabalho coletivo enquanto possibilidade de transformação social, sendo substituído por alternativas de menor alcance, na qual esse projeto permanece ao lado de outros.

Entretanto, fica a questão de como o trabalhador incorporou o ideário propagado em décadas de flexibilidade na produção, no consumo e na gestão da força de trabalho e no qual o mercado, em tese, aparecia como absoluto. Período no qual o então chamado neoliberalismo1 recolocava a ação individual como única possibilidade emancipadora e a perspectiva coletiva como burocrática, autoritária e ultrapassada. Em que medida, esse discurso fortemente ideológico tem sido incorporado pelos trabalhadores e integrado ao que poderíamos chamar de cultura trabalho?

Na busca de respostas a essa questão, ou pelo menos de hipóteses explicativas, partimos da discussão sobre o conceito de participação no quadro de referência do toyotismo, no qual o envolvimento no trabalho pressupõe o vestir a camisa da empresa e aceitar uma cultura empresarial na qual autonomia, confiança, trabalho em equipe e autogestão controlada, constituem-se em valores disseminados e utilizados como forma de aumentar a competitividade empresarial. Essa autonomia pressupõe conciliar gestão da produção pelos trabalhadores em seus aspectos positivos de conhecimento acumulado e sua responsabilização na organização do e no processo de trabalho, de forma restrita e consultiva sob controle gerencial. O discurso empresarial enfatiza, ainda, um perfil de trabalhador marcado pela flexibilidade frente às mudanças, investindo em sua formação permanente e aberto a novos desafios, um empreendedor de si mesmo que garantiria, dessa forma, sua empregabilidade e permanência num mercado em contínua transformação.

A valorização do trabalho autônomo empreendedor reinterpreta igualmente o trabalho informal, destacando seu potencial criador vinculado à predisposição individual ao risco e à inovação. Sinônimo de flexibilidade, abrange desde consultores altamente qualificados, com contratos temporários e/ou por projetos, ou sem contrato algum, chegando até os trabalhadores em atividades precárias como ambulantes, camelôs e outros que sobrevivem na precariedade.

Essa perspectiva se espalha, mesmo nas propostas coletivistas por excelência que são as cooperativas e empresas autogestionárias. Nestas, o caráter empreendedor, agora a serviço do coletivo, explicaria o sucesso de empreendimentos nos quais os trabalhadores autogeririam efetivamente suas atividades, retomando a ideia de "projeto" emancipatório, não só na criação de uma alternativa ao desemprego e da precarização das relações de trabalho, mas também, de uma "outra" economia, na qual o trabalho teria precedência sobre o capital.

Leia o texto completo aqui.

Nenhum comentário: