Sempre que possível, transcrevo neste blog os artigos de autoria de Washington Novaes publicados no jornal O Estado de São Paulo. A lucidez de suas análises e a sua competência no trato das questões relacionadas ao meio ambiente e ao desenvolvimento econômico merecem sempre ser levadas em conta. E o jornal paulista nos ajuda, pois, como você sabe, coloca a disposição do seu público, na intenet, boa parte da edição do jornal.
Em hora de crise, usar as vantagens
Washington Novaes
Poderia ser um dos pontos de partida para uma profunda revisão dos modelos econômico e energético do Brasil, neste momento de crise internacional aguda, a opinião do professor Daniel Esty, de Yale, estampada por este jornal no último dia 12. Segundo ele, o País precisa implantar um uso "cuidadoso da energia e dos recursos naturais" - o que envolveria as áreas de comércio exterior e geração de energias "limpas" e renováveis.
Tem toda a razão. O próprio presidente eleito dos Estados Unidos, em telefonema ao presidente Lula, incluiu as questões do crescimento econômico e das energias renováveis na agenda que propôs para um encontro (Estado, 12/11). As energias renováveis já são uma condicionante de suas estratégias para ajuda ao setor automobilístico de seu país, mergulhado na crise. E seria ilusório supor que esta tenha um desfecho breve. Segundo o presidente do Merrill Lynch, John Tain, disse ao Financial Times, "o mundo está diante de uma desaceleração econômica de proporções épicas, comparável à da Grande Depressão". Internamente, o presidente da Federação Brasileira de Bancos, Fábio Barbosa, adverte que o crédito continuará escasso nesse "novo patamar" que reduzirá o crescimento econômico no Brasil e no mundo.
Deveríamos começar pela área energética, dada a urgência imposta pelas questões do clima. Na semana passada, a Agência Internacional de Energia diagnosticou que na melhor das hipóteses o aumento da temperatura no planeta ao longo deste século ficará em pelo menos 3 graus Celsius, com a estabilização da concentração de poluentes na atmosfera em 550 partes por milhão - e não 450 ou 500, como se desejava. Mas previu também que, por isso mesmo, as tentativas de mudar o modelo energético levarão a que as energias eólica e solar ocupem o segundo lugar entre as fontes geradoras. Também há esperança de que a tecnologia de captura do carbono e sepultamento no fundo da terra ou do mar (já em experimentação e avaliação das conseqüências geológicas, hídricas e na biodiversidade marinha) possa reduzir as emissões de carbono. A Europa acaba de criar um fundo de 18 bilhões para projetos nessa área.
O Brasil terá de mudar sua postura nessa área. Como lembrou em São Paulo sir Nicholas Stern, consultor do governo britânico, já emitimos de 11 a 12 toneladas anuais por habitante (o que significaria mais de 2,3 bilhões de toneladas, mais que o dobro do acusado pelo inventário nacional de 1994); se excluídas as emissões por desmatamento e queimadas, seriam 4 toneladas por pessoa, mais que o índice da China, a maior emissora no mundo. Stern colocou - como já foi assinalado neste espaço - algumas condicionantes para que tenham viabilidade os projetos nacionais para o petróleo pré-sal: 1) A evolução dos preços do produto no mercado mundial; 2) a viabilidade da tecnologia de seqüestro e sepultamento; 3) a evolução de outras fontes energéticas; 4) a situação das reservas mundiais de petróleo.
Seja como for, merecem atenção as palavras do presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Maurício Tolmasquim (Valor, 23/10), de que até 2030 podemos economizar energia equivalente à da geração de três usinas como Itaipu com a troca de equipamentos obsoletos, programas de conservação como os desenvolvidos no "apagão" e outros. Evitar-se-ia uma perda, que já ocorre, superior a 20% da energia gerada. São palavras bem-vindas no quadro vigente, em que só se fala na expansão da geração, com altíssimos investimentos e custos, estes decorrentes também da recente preferência nos leilões por energia de termoelétricas, muito mais cara e mais poluente. Uma das conseqüências (Estado, 10/11) está em que de 2000 a 2007 o preço da energia no País subiu 217%, ante 91% da inflação no mesmo período. O caminho da conservação e outras opções poderia também nos desviar da estapafúrdia opção por usinas nucleares (60, anuncia-se), mais caras, inseguras e sem destinação para os perigosíssimos resíduos que produzem, aqui ou em qualquer outro lugar. Nos EUA, Barack Obama já se manifestou contra a ampliação do depósito de Yucca Mountain, por estar a 145 quilômetros de Las Vegas. Mesmo esse, embargado pela Justiça, só estaria disponível em 2020, para receber 77 mil toneladas de rejeitos, tanto quanto as 104 usinas do país geram em dois anos.
A segunda grande revisão que precisaremos fazer está na questão dos recursos naturais e sua relação com as áreas de produção de alimentos e outros itens. Relatórios recentes confirmaram que o consumo desses recursos no planeta já está 30% além da capacidade de reposição e que mesmo o Brasil consome por habitante mais que a disponibilidade média mundial - embora tenhamos uma posição privilegiada quanto a esses recursos. Por isso mesmo deveríamos repensar nossas estratégias, para colocá-los em posição central, e rever nossos modelos de produção, de modo a escaparmos do rol de países apontados pelos relatórios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) como exportadores de produtos com alto custo ambiental e social, sem nenhuma compensação por eles e sem controle dos preços, ditados de fora por oligopólios que atendem aos interesses dos países importadores. E, por isso mesmo, precisamos exportar cada vez mais, sem sair do lugar: temos hoje 1,2% do comércio externo (Estado, 6/11), ante 1% em 1964 e 1,5% em 1985.
Com a atual crise financeira, já está em marcha o declínio de preços para beneficiar os importadores. A balança comercial tende para resultados problemáticos: o de outubro já foi o pior em sete anos, as previsões de plantio e safra começam a cair; a queda dos preços da soja é de 47% desde julho, e assim por diante.
Repita-se: o Brasil tem posição privilegiada em termos de recursos naturais (o fator escasso no mundo) e de possibilidade de energias "limpas" e renováveis. É hora de adaptar suas estratégias.
Washington Novaes é jornalista
E-mail: wlrnovaes@uol.com.br
sexta-feira, 14 de novembro de 2008
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