segunda-feira, 17 de novembro de 2008

A arquitetura do medo: minha entrevista ao jornal O POTI



Ontem, dia 16 de Novembro, o jornal Diário de Natal publicou uma entrevista comigo a respeito de como o medo está modelando as paisagens urbanas. Transcrevo-a abaixo. A entrevista complementa uma matéria sobre a arquitetura do medo na cidade do Natal. Acesse o jornal aqui.
Em tempo: a foto acima, retirado do banco de dados do jornal e, portanto, um tanto antiga (estou melhor hoje!), foi publicada na matéria.


‘‘Há uma visão negativa do futuro das cidades’’

Edmilson Lopes Júnior é professor do Departamento de Ciências Sociais e professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFRN. Nesta conversa, ele explica que a cultura do medo tem redefinido significativamente as paisagens urbanas. As classes médias altas e as elites de todas as grandes cidades vão se fechando nos seus enclaves fortificados e os espaços públicos tradicionais, como praças, feiras e parques, vão sendo abandonados e deixados para os que não têm acesso aos lugares do consumo conspícuo dos grupos sociais dominantes. Nesse cenário, a arquitetura do medo vai ascendendo à condição de nova abordagem estética do espaço urbano. Aliada a essa arquitetura, novas tecnologias de controle das pessoas nos espaços públicos e privados.


DIÁRIO DE NATAL - Como se dá esse controle?
Edmilson Lopes - A onipresença do aviso ‘‘Sorria, você está sendo filmado’’ é um dos sinais dessa ampliação dos mecanismos de vigilância. Ou, se preferirmos, de ampliação das ‘‘fronteiras invisíveis’’ que deixam bem claro para os ‘‘intrusos’’ (jovens pobres, especialmente) que eles não apenas estão sendo monitorados, mas, o que é mais importante, que eles não são bem-vindos em determinados lugares.

A proteção vendida pelas empresas de segurança existe ou é uma apenas uma falsa promessa?
A indústria da segurança difunde a idéia de que há uma proteção possível de ser alcançada via mercado. É uma ilusão poderosa, mas é uma ilusão. O seu complemento é uma demanda por punição e exclusão dos indesejáveis. Em lugar nenhum do mundo, esses elementos produzem diminuição real da criminalidade e da violência.

Como fica o direito de ir e vir e as liberdades civis nesta perspectiva da busca por segurança integral?

De um lado a produção de enclaves fortificados, para a habitação e o consumo das classes médias e das elites, e, de outro, o tratamento sádico dos espaços aos quais tem acesso as classes populares. Não por acaso, analisando o mundo urbano contemporâneo, têm-se enveredado pelo que eu denomino de ‘‘distopia urbana’’, uma visão negativa do desenvolvimento futuro das cidades.

Sempre foi assim?

Se levarmos em conta um período histórico maior, iremos perceber que os espaços públicos nunca foram tão públicos. Especialmente em sociedades marcadas pela cidadania incompleta como é o caso da brasileira. As nossas cidades sempre foram marcadas por uma exclusão quase institucionalizada daqueles considerados socialmente ‘‘indesejáveis’’, geralmente negros e pobres. Entretanto, não é raro, nos lamentos sobre o esvaziamento dos espaços públicos no Brasil, que esconda-se um discurso saudosista de um tempo no qual as grandes massas estavam excluídas da vida pública.

O medo está institucionalizado?

Sim. Isso porque tanto as instituições formais - família, escola e órgãos estatais - quanto as mais informais - círculos de amigos, grupos de colegas, galeras, etc - têm suas ações moduladas pelo medo. Ou seja, o medo (do outro, do imprevisível, da ruptura, do fracasso na afirmação de si, da destruição de sua identidade pessoal, etc) é incorporado pelas pessoas nas mais diversas esferas da vida social.

Existe uma face positiva do medo?

O medo não tem apenas impactos negativos. Pode parecer um tanto quanto cínico, mas, de uma perspectiva sociológica, o medo é também um elemento de dinâmica da vida social. A outra face do medo, a busca de segurança, leva à colonização do futuro, faz com que cada um incorpore o planejamento de forma reflexiva. Nessa situação, emerge a idéia da vida como um projeto a ser construído. E isso faz com que se rompa com a atitude natural e o fatalismo.

A paranóia por segurança tornou-se maior que a violência?

Em termos. Os dados que servem de referência para aferir a violência são sempre muito problemáticos. Primeiramente, porque eles não são universais. O que é violento em uma sociedade e em um momento histórico nem sempre o é em outros contextos. Esse é um processo no qual o jogo político e os interesses de classe pesam bastante. Acho que temos, hoje, uma sensibilidade mais aguçada em relação à violência. Coisas antes toleradas, como a violência intra-familiar, agora atingem fortemente a consciência coletiva. Por outro lado, é inegável que o aumento da desconfiança e da emergência de uma sociabilidade violenta (irritadiça, intolerante) tem significado, sim, um aumento da violência. Ele se traduz na percepção coletivamente partilhada de uma maior vulnerabilidade de nosso corpo e até de nossa identidade pessoal. Em certo sentido, a paranóia é alimentada por informações sobre o que ocorre ao redor.

A difusão dos condomínios fechados ou a presença maciça de equipamentos de segurança é sinal de que estamos vivendo num grande Big Brother?

A expansão da modernidade foi sempre uma expansão dos mecanismos de vigilância. Mas essa expansão nunca é unilateral. Não apenas existem resistências, como também existem subversões dentro dos espaços pretensamente controlados. Vivemos o Big Brother? De algum modo, a onipresença desses mecanismos de controle obedece a um anseio de apresentação das pessoas no mundo contemporâneo. De uma busca por uma marca, um registro, um sinal de existência. Os sites de relacionamentos, como o Orkut, são exemplares disso. O medo redefine a apropriação espacial. Mas não é somente ele o responsável pela expansão dos mecanismos de recolhimento de dados e de monitoramento eletrônico dos indivíduos.

E o impacto da tecnologia nas relações pessoais?

Muitas das modificações de nossos contextos de interações foram impulsionadas pelas novas tecnologias de informação e comunicação. O celular, por exemplo, retirou muitas de nossas relações da obrigatoriedade do face a face. Algo que a Internet está aprofundando. Outro elemento: o automóvel. Na medida em que passeamos pela cidade sem sair de dentro de nossos carros, vendo tudo a partir das janelas dos veículos, é o mundo ‘‘real’’ que agora parece uma tela. A fruição da paisagem, que implica em outro ritmo de tempo e uma apropriação sensorial do espaço, é eliminada pela automóvel. Assim, de algum modo, refugiados em nossos automóveis não nos sentimos atraídos por um contato mais duradouro com um mundo ‘‘externo’’ imprevisível (e, por isso mesmo, ameaçador). E as pessoas desse mundo externo, aqueles que estão nas ruas são objetos, senão do medo, ao menos da desconfiança.

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