quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Judicialização da política

Antoine Garopan, grande estudioso do direito, autor, dentre outro, de "O guardião das promessas" (olhem, estou fazendo a referência de memória, o título pode ser um pouco diferente...), há tempos, tem chamado a atenção para o esvaziamento da vida política pela sua colonização pelo judiciário. Essa é uma das questões centrais da atualidade nas sociedades democráticas. Interessa, sobremaneira, aos brasileiros. Afinal, por estas plagas, mandatos e eleições são, cada vez mais, decididos pelos juízes. Por isso, leia o texto abaixo, publicado originalmente no jornal argentino La Nacion, e traduzido para o português pelo Ex-Blog do César Maia.

SISTEMA PRESIDENCIALISTA ESGOTOU-SE! (PRIMEIRA PARTE)
Trechos da entrevista com o Ministro Eugenio Zaffaroni, da Corte Suprema da Argentina, considerado um dos grandes juristas do continente- La Nacion (03).

1. Acho que vivemos um episódio mais de "judicializacão" da política, uma versão local de um fenômeno mundial. Em cada caso, quando nos chega pela via procedente, vamos resolver acreditando no que é direito para cada situação. Não se trata de que o Governo ou a Oposição "compreenderá" alguma coisa, porque não é função judicial exercer nenhuma docência a respeito de outros poderes -que seria também um exemplo de arrogância-, mas sim decidir quando apropriado. As conseqüências serão de cada um e assumidas segundo seus critérios, que presumo serão racionais, como corresponde a poderes responsáveis.

2. Essa questão (repartição tributária) se judicializou porque em 1994 não se resolveu este tema na Constituição. Não se chegou a um acordo e projetou-se o tema para o futuro por meio de uma pretensa lei que politicamente é pouco menos que impossível. Neste tema, como em outros, estamos vivendo as dificuldades próprias do resultado prático de normas constitucionais incompletas e instituições não bem reguladas. Em uma Assembléia Constituinte isto acontece quando todos pensam no imediato e esquecem que devem legislar para situações eminentemente variáveis. Acho que a reforma de 1994 criou algumas instituições sem completá-las. Todos os conflitos que estamos vivendo, de certa forma, são resultado de instituições que foram feitas pela metade. A regulação do decreto de necessidade e urgência é mais um exemplo.

3. De 1883 em diante, diria que dentro do que pôde fazer, foi Alfonsin, figura que me parece o mais respeitável nesse sentido (foi o presidente mais respeitoso com as instituições).

4. Neste país falta sentar-se e repensar as regras de jogo. Basicamente acho que o que está em jogo é o esgotamento do sistema presidencialista. Esgotou-se. Este é o fenômeno do "judicialismo". Há uma quantidade de problemas que os operadores políticos não podem resolver por falta de idoneidade. A maior parte dos temas depende de decisões políticas, não judiciais.

5. Por isso seria conveniente um sistema parlamentar, um tribunal constitucional que decida conflitos de poderes e possa fazer cair uma lei, como na Alemanha e na Espanha. Não estou inventando um modelo. Nosso controle é difuso. Eu gosto que qualquer juiz possa declarar a inconstitucionalidade de uma lei, mas falta um controle centralizado que diga "a lei caiu aqui e pronto".

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