Transcrevo abaixo artigo de autoria Alon Feuerwerker, publicado na edição de hoje do jornal Correio Brasiliense (e republicado no seu blog). Confira!
Proprietários e funcionários (19/01)
Alon Feuerwerker
Quer saber o erro que não se pode cometer numa eleição? É o mesmo que se deve evitar numa entrevista de emprego
A eleição chilena serve para tirar conclusões a respeito da eleição brasileira que vem aí? Se as pitonisas do Oráculo de Delfos estivessem operacionais, seria uma pergunta a fazer. Ou então alguém ansioso além da conta pode colocar a coisa mais diretamente: a vitória da oposição no Chile é a demonstração definitiva de que voto não se transfere?
Dizem que o oráculo famoso reinou por um tempão na Grécia Antiga, e tinha muita credibilidade. Segundo consta, seu cacife resultava também de certa metodologia, sábia. Depois de aspirar uns gases (provavelmente alucinógenos) vindos das pedras, as pitonisas davam respostas indiretas, oblíquas, que exigiam interpretação. Não era preto no branco, era mais sofisticado.
Talvez o jornalismo político deva aprender com as pitonisas gregas. Da minha parte, estou pronto a colaborar com o método. Esta vai ser uma campanha longa, passional e verbalmente selvagem. A cada momento vocês exigirão previsões definitivas, diagnósticos irreversíveis. Por que o sujeito quer isso, mesmo quando cheira a charlatanismo? Para conforto próprio, para se agasalhar na “certeza” alheia e não sentir o frio incômodo da própria dúvida.
O resultado no Chile permite alguma conclusão definitiva sobre a eleição no Brasil? Não. A única verdade reafirmada ali é que voto não tem outro dono além do próprio. O que não chega a ser uma novidade. Tratei do tema duas semanas atrás em “Lula na praia”. Não existe o “lulismo”. A expressão é uma peça do populoso universo ficcional da política, é uma bengala que ajuda a manter intelectualmente de pé quem previu um governo do PT catastrófico, e naturalmente quebrou a cara.
A maioria dos brasileiros enxergam o presidente como um ativo seu, e o protegem. Se há relação de pertinência, é mais razoável dizer que Luiz Inácio Lula da Silva é do eleitor, e não o contrário. O cidadão quando vota está contratando um funcionário, não um proprietário. Daí por que o candidato quebra a cara quando se comporta de maneira senhorial, arrogante, autossuficiente fora da medida. Ou quando dá a impressão de estar mentindo. Quer saber o erro que não se pode cometer numa eleição? É o mesmo que se deve evitar numa entrevista de emprego.
O eleitor está atrás de soluções e eleição é sempre uma oportunidade de escolher alguém que pode providenciá-las. Na escolha de um empregado, as referências são importantes. Assim como o currículo. Mas a decisão final é sempre algo subjetiva, vem de um detalhe, de uma impressão, da segurança que o candidato transmitiu ao lidar com assuntos que o contratador julga importantes.
Por que a aliança entre democrata-cristãos e socialistas perdeu no Chile? Por causa da pasmaceira econômica e do cansaço popular com a politicagem. E porque o eleitor comum, não engajado, de vez em quando gosta de promover alternância no poder. Para evitar a “síndrome da panelinha”. Isso fez um punhado de votos migrar de um lado para o outro, invertendo a maioria.
Como vai ser aqui em outubro? Qual será a principal preocupação de sua excelência, o portador de título eleitoral, quando começar a dar tratos à bola sobre a necessidade de trocar o presidente da República?
Eu confesso que ainda não tenho a mínima ideia, e portanto não vou colocar meu modesto carro na frente dos boizinhos. O PT aposta que o eleitor sairá de casa no dia da eleição para “evitar a volta da turma do Fernando Henrique, que vai acabar com as coisas boas que o Lula fez pelos pobres e pelo Brasil”. É uma tese a verificar, até para descartar a possibilidade de o petismo estar colocando o desejo no lugar reservado à realidade. E os tucanos, apostam no quê? Pelo jeito, nem eles descobriram ainda.
(...)
Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta treça (19) no Correio Braziliense.
terça-feira, 19 de janeiro de 2010
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