Em uma outra reportagem, também publicada no Estadão, uma boa amostra das mudanças sociais que estão a redefinir a vida social brasileira.
No sertão baiano, agora tem moto e frango congelado
No sertão baiano, agora tem moto e frango congelado
Crescimento da renda gera revolução de consumo no interior do País
Tiago Décimo, SALVADOR – O Estado SP
O termômetro marcava 42 graus no início de uma tarde de dezembro no distrito de Gonçalo, o mais populoso do município de Caém (BA), a 330 quilômetros de Salvador, no sertão baiano. A maioria dos quase 3 mil moradores escondia-se em suas casas para fugir do calor. O ambiente hostil, porém, não desestimulou um grupo de vendedores de consórcio de uma concessionária de motocicletas do município vizinho de Jacobina. Eles atravessaram uma estrada de terra para satisfazer o novo sonho de consumo dos habitantes do povoado. As bicicletas, ainda o principal meio de transporte no distrito, pouco a pouco estão sendo deixadas de lado e trocadas pelas motos. “A promessa de vendas compensa o esforço”, justifica Manoel Vitor, um dos vendedores.
A cena é nova e reflete uma pequena revolução em curso no sertão baiano. É em locais como Gonçalo – que ainda desconhece o asfalto e tampouco recebe sinal de telefonia celular – que se percebe mais facilmente o impacto do crescimento de renda das populações mais carentes. Os seguidos aumentos do salário mínimo acima da inflação, o acesso facilitado a empréstimos, em especial os consignados, e o fortalecimento de programas de distribuição de renda, como o Bolsa Família, são apontados como os desencadeadores das mudanças.
Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social, praticamente todas as famílias de Caém (3.135) foram cadastradas como de baixa renda (renda familiar per capita menor ou igual a meio salário mínimo). Mais da metade delas recebiam o Bolsa-Família.
Até recentemente, Gonçalo não passava de um conjunto de casas pobres, todas térreas e coladas umas às outras, habitadas por trabalhadores rurais. A população era abastecida por dois mercadinhos. Itens mais “nobres”, como remédios e material de construção, só em Caém, quando não apenas em Jacobina ou Salvador. “A gente não sabia o que era um frango congelado ou uma calabresa. Nem conseguia comprar roupas”, lembra o comerciante Amilton de Queiroz Souza, de 35 anos. “O que se consumia era, basicamente, o que era produzido aqui.”
O panorama tem mudado rapidamente. Souza, por exemplo, montou a primeira loja de material de construção do local há cinco anos, hoje emprega duas pessoas – está em busca de uma terceira – e fatura entre R$ 40 mil e R$ 50 mil por mês.
Com o tempo, abriu ainda uma farmácia, que começará a funcionar em breve também como posto bancário.
Irmão de Souza, Angelo Marcos de Queiroz, 37 anos, está há 15 à frente de um dos mercados pioneiros na cidade, que leva seu sobrenome. Em meados de dezembro, deixou de lado o imóvel antigo, que mais parecia um boteco de beira de estrada, para inaugurar um novo estabelecimento, já assemelhado aos supermercados de cidades maiores. “Temos de modernizar, porque todo mundo melhorou de vida e já consegue comparar nosso comércio ao de outros lugares”, conta. De acordo com ele, o faturamento da loja é duas vezes maior que há cinco anos.
Moradores, como a sorridente aposentada Alaíde Dias da Silva, de 64 anos, vão com cada vez mais frequência à loja. “Compro mais porque a aposentadoria está maior”, diz. “Já passei por muito aperto nesta vida, mas agora consigo pagar as contas e comprar coisas, para mim e para meu filho.”
Em um local carente de quase tudo, o campo é grande para ser desbravado pelos empreendedores locais. Nos últimos tempos, Gonçalo ganhou uma loja de eletrodomésticos, duas de roupas, duas lan houses e uma de informática, montada graças à popularidade dos pontos de acesso público à internet.
PROBLEMA
Apesar da cena animadora, o incremento da renda, em especial por meios não diretamente relacionados à produção, como nos casos de sistemas de distribuição de renda do governo e de empréstimos, começa a causar problemas até para um distrito em que praticamente todo mundo se conhece.
Proprietário do maior mercado de Gonçalo, Angelo Matos de Queiroz é muito cético em relação a programas como o Bolsa Família. “Claro que ajuda a circular dinheiro, mas cria um problema: ninguém mais quer saber de trabalhar”, afirma. “Tenho vaga em aberto e estou perdendo funcionários. Eu contratava um rapaz na minha panificação que sabia o trabalho, mas não queria fazer, porque preferia receber esse negócio aí.”
Os empréstimos, em especial os consignados, para funcionários públicos e aposentados, também causam temor na vila. “Isso é uma bomba de efeito retardado”, avalia Amilton de Queiroz Souza, da loja de construção. “O pessoal vê a facilidade de pegar R$ 4 mil ou R$ 5 mil, para pagar em quatro ou cinco anos, e vai fazendo dívida, achando que assim é mais fácil fazer uma casa para um filho. Está errado, mas eles vão acabar vendo isso.”
domingo, 3 de janeiro de 2010
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3 comentários:
Edmilson, gosto muito do seu blog. Apesar de não concordar com alguns do seus posicionamentos, acho muito democrático. Parabéns!
Mas, observei que você é um estudioso de questões como violência.
Pois é, sempre ouvi alguns "esquerdistas" dizerem que se houvesse investimento nas camadas mais pobres, a violência diminuiria. Porém, não é esta a sensação que tenho. Será que tanta gente inteligente errou ou a dinâmica social trouxe novos elementos? Esdras
Olá!
Que bom que me honras com a tua visita.
Essa relação entre pobreza e violência, para ser redundante, é mais que pobre, é miserável... Além de revelar uma cegueira política abismal, expressa também um viés etnocêntrico.
Continue me honrando com a sua visita, Esdras.
Um abraço,
Edmilson Lopes.
Pois é, até porque nunca se transferiu tanto dinheiro para as classes mais baixas; o desemprego caiu; os investimentos em habitação para baixa renda foram bem maiores; mais escolas técnicas, etc.
Afinal, onde está o furo?
Sei que estou bem abaixo do seu nível de conhecimento, mas sugiro e provoco esta discussão.
Afinal, estamos próximos de mais uma eleição, e violência deve ser um tema central, ou não?
Abraços,
Esdras
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