Neste final de semana, enquanto almoçava com a minha família, em um restaurante de estrada da Grande Natal, não pude deixar de ouvir trechos de uma conversa ao lado. Até porque uma das pessoas que falava fazia questão de ser ouvida pelos incautos sentados nas mesas próximas. Na verdade, parecia que estava fazendo um comício... E o tom era de recriminação ao Governo Lula. Pelo que eu entendi, o esposo da distinta candidata à pregoeira de leilão de festa paroquial, é fazendeiro e alto funcionário público. O pobre casal, que depois os vi embarcar em um desses carrões importados, não está mais encontrando gente para trabalhar na fazendinha que mantém no interior. A propriedade rural, diga-se de passagem, não dá lucro, e, conforme a dileta esposa, destina-se mais para os momentos de relax da família do que para auferir ganhos substanciais com o gado que por lá pasta...
- “O Lula dá apoio à vagabundagem! Ninguém quer mais trabalhar! É todo mundo vivendo do bolsa família”, dizia a distinta senhora.
Após essa edulcorante frase, a distinta dama começou a se lamuriar sobre a dificuldade em se conseguir uma “mocinha” para trabalhar nos finais de semana na fazenda. Vejam só: a pobre coitada, que passa a semana trabalhando “pesado” em Natal, ao invés de descansar e ficar à beira da piscina com o maridão e os seus amigos na fazenda, tem que ir prá cozinha... E a culpa de quem é? Ora, do Lula e do bolsa família. Onde já se viu uma coisa dessas, não é? As “mocinhas do interior” não querem mais trabalhar... para as senhoras da capital. ‘Antigamente”, bradava ela, “a gente chegava na fazenda e o povo era tudo se oferecendo para fazer alguma coisa. Hoje? A gente precisa adular, minha filha...” Os interlocutores circundantes eram solidários à distinta dama.
Pessoas como a dama do relato acima fazem parte daquela extensa franja social, bem formada (e informada) pela Veja e pelas “análises” dos sub-intelectuais da Nova Direita. Querem que “rapazes” e “mocinhas” das classes populares baixem o topete e aceitem voltar aos serviços subalternos de sempre pelos mesmos míseros salários de antanho. Conheci, em muitos momentos de minhas andanças pelo interior do Nordeste, gente que trabalhava (e pesado) em troca de um prato de comida ou de um “agrado” de algum proprietário rural. O bolsa família é pouco, muito pouco, mas livra as pessoas da degradação típica de uma sociedade que não fez uma ruptura radical com o seu passado escravagista. Mais do que dinheiro e comida, o bolsa família dá uma base mínima para que os “rapazes” e “mocinhas” do interior negociem os seus contratos de trabalho em condições menos precárias. E isso, meus caros, é uma pequena revolução...
Ora, quando a distinta esposa do funcionário público e dublê de fazendeiro reclama que, com o bolsa família, o “povo não quer mais trabalhar”, ela está reclamando é que as pessoas não aceitam mais trabalhar por quase nada. É esse curto-circuito em seculares relações de classes que algo tão pequeno como a bolsa família está provocando. E isso, meus caros, não é pouco.
E imaginar, como apontou em uma brilhante palestra feita no ano passado aqui em Natal o economista Ricardo Bielshowsky, que o custo total do Programa Bolsa Família é insignificante levando-se em conta o PIB nacional e que muito, muito mais, poderia ser feito para dar substância à transferência de rendas no nosso país!
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Um comentário:
mais uma vez, parabens. o blog cada vez melhor.
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