quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

A política higienista do Prefeito de São Paulo

Não é por acaso que algumas das grandes cidades brasileiras possuem bairros com o nome de Higienópolis. A história do urbano no Brasil, em grande parte, é a história da tentativa das elites locais em expurgar para fora da cena os miseráveis e em disciplinar, quase sempre de forma muito violenta, as massas trabalhadoras. Após anos de política civilizatória e inclusiva, em parte devido a gestões como as de Marta Suplicy e Luiza Erundina, a cidade de São Paulo assiste agora a volta do velho modelo higienista. Confira como na matéria abaixo, publicada na edição eletrônica do jornal O Estado de São Paulo.


Kassab fecha albergues e lota ruas
Filipe Vilicic


"Dormia no Albergue Cirineu e depois fui para o São Francisco", conta Carlos dos Santos. "Mas os dois fecharam, não consegui vaga em outro da região e tive de voltar a pernoitar no Minhocão." Santos é um dos moradores de rua que preferem dormir ao relento a deixar o centro de São Paulo e bairros próximos. Em dois anos, a região já perdeu quase 700 leitos em albergues municipais. Outros dois abrigos estão com os dias contados para também fechar as portas. A medida eleva a conta para mais de mil vagas extintas.

A consequência é visível: vias e praças são ocupadas por uma massa cada vez maior de moradores de rua. Segundo estimativa da Associação Viva o Centro, são 2 mil na região. "E o número tem aumentado com o fechamento dos albergues", afirma o superintendente da instituição, Marco de Almeida. Ele diz que essa população cresceu na Avenida Duque de Caxias, na Praça da República e no Largo do Arouche. O Movimento Nacional da População de Rua estima que 15 mil pessoas vivam nas vias da capital (quase 5 mil a mais que há sete anos).

Queixas semelhantes tem a diretora da Associação Paulista Viva, Marli Lemos. "Depois que encerraram os serviços dos albergues, apareceu um monte de morador de rua por aqui", reclama. "Regiões onde não havia tantos mendigos, como a Alameda Santos e o vão do Masp, agora estão lotadas."

Desde 2008, a Prefeitura desativou dois albergues no centro: o Jacareí (antigo Cirineu), com quase 400 vagas, e o Glicério (conhecido como São Francisco), com 300 leitos, segundo a Secretaria de Assistência Social (Seads). "Mas chegamos a abrigar mais de 700 pessoas", relata frei José Santos, que administrava o Albergue do Glicério. "É claro que a maioria voltou às ruas." Neste ano, a Prefeitura pretende encerrar os serviços de outros dois centros: o República Condomínio AEB, com 85 vagas, e o Pedroso, com cerca de 400.

"O governo fecha os albergues centrais e diz para irmos para outros na periferia", relata Cícero Morais. "Quando me tiraram do Glicério, me mandaram para a zona leste." Morais afirma que os moradores de rua não quiseram ficar na periferia porque lá a infraestrutura é falha. "A segurança é ruim, não tem atendimento de saúde e falta lugar para vender lixo ou papelão."

Para o psicólogo Walter Varanda, cujo doutorado analisou o morador de rua, fechar vagas no centro para estimular a ida dessa população para outros bairros é tática ineficiente. "Há uma política de higienização, em que a Prefeitura tenta tirar os sem-teto da frente do cidadão", explica. "Mas eles não aceitam se afastar e voltam para baixo de viadutos."

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