segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Sobre o mercado de drogas

Leia abaixo matéria de autoria do sempre muito antenado Wálter Fanganiello Maierovitch. Foi publicado no Magazine Terra (o blog mantido pelo competente jornalista Bob Fernandes). Trata da alta do preço da cocaína nos EUA.


Preço da cocaína aumentou 65% nos EUA, diz DEA
Wálter Fanganiello Maierovitch
Especial para Terra Magazine


Mais um fracasso do governo Bush. Os norte-americanos continuam os maiores consumidores mundiais da cocaína e a demanda e a oferta continuam inalteradas. Isto mostra que as políticas de prevenção e repressão, que eles insistem em querer impor aos demais países, continuam a não produzir resultados.

O preço da cocaína no mercado norte-americano teria aumentado 65%, entre janeiro de 2007 e setembro de 2008. A conclusão saiu de uma reunião ocorrida no último final de semana em Bogotá.

Dessa supracitada reunião participaram a diretora da fracassada e desvirtuada Drug Enforcement Agency (DEA), Michele Leonhart, o procurador geral de Justiça do México, Eduardo Medina Mora, e o ministro colombiano da defesa, Juan Manuel Santos.

Como se sabe, na militarizada política norte-americana de War on Drugs (Guerra às Drogas), a grande meta perseguida - que começou no governo Clinton e prosseguiu no de Bush - era a erradicação forçada das áreas de plantio da folha de coca, que é a matéria-prima para a confecção do cloridrato de cocaína.

Segundo os generais elaboradores da estratégia, à frente o ex-czar antidrogas da Casa Branca general Bary Maccfrey, com a redução da oferta do produto no mercado, em face das erradicações, o preço do cloridrato de cocaína aumentaria e a sua compra se tornaria inviável.

Por evidente, o simplismo da estratégia não preocupou os chefões da miríade de cartéis de refino na Região Andina. Eles promoveram a migração das áreas de cultivo e o fornecimento da matéria-prima (folha de coca) não se reduziu. As fotografias por satélite demonstram isso.

O Plan Colômbia, que privilegiou o derrame por aviões de herbicidas em tradicionais zonas cocalieras colombianas, resultou num "iraquiano" fracasso. E o atual Plan Mérida, que produz no México mais civis do que traficantes mortos e não resolveu o problema da corrupção nas polícias, já coloca o presidente Calderon na mira das organizações de proteção a direitos humanos.

No México, os cartéis toparam a guerra contra as forças do Exército. A medida do governo, consistente em desarmar as polícias por suspeitar que trabalhavam para os narcotraficantes, foi desastrada. Em muitas cidades a população não sai mais das suas casas depois do pôr-do-sol.

Para se ter idéia, hoje foi afastado o segundo homem do comando da Polícia Federal do México, Vitor Gerardo Garay. Como vice-diretor de uma polícia composta por 25 mil agentes, competia a Garay a repressão às drogas.

O afastamento de Garay das funções, bem como a suspensão de outros altos dirigentes de departamentos, decorreu de acusação de que ele estaria ligado a um dos cartéis de drogas e permitia, no aeroporto internacional da capital mexicana, o desembarque de aviões carregados de cocaína: a cocaína desembarcada no México seguiria para os EUA, por terra.

Só para lembrar, no final dos anos 90, o general Gutierrez Rebolo, czar antidrogas do México e representante do país nos foros da ONU e OEA, foi preso por se associar ao potente cartel de Tijuana. Sua atuação é mostrada no filme Traffic, campeão de bilheterias. Para o papel de Rebolo, conseguiu-se um sósia.: no filme, Rebolo morre, mas isto apenas decorreu de uma cautela, pois o mesmo ainda não estava definitivamente julgado, apesar de réu confesso.

Com efeito, mais uma vez, a direção da DEA não apresentou os dados que levaram à sua conclusão de aumento de 65% no preço da cocaína disponibilizada nos EUA. Essa agencia limitou-se a colher o referendo mexicano e colombiano, países parceiros na política da War on Drugs.

Por outro lado, a falta de credibilidade internacional da DEA é do tamanho da atual crise financeira. Seus agentes, a pretexto de auxiliar no combate às drogas ilícitas, realizam espionagem política, como ficou comprovado no Brasil, durante o governo FHC. Na Venezuela, e em razão de espionagem, o presidente Chavez expulsou os agentes da DEA e encerrou a "falsa" cooperação.

A suspensão da cooperação com a DEA também foi determinada pelo presidente boliviano Evo Morales, agora sujeito a retaliações, apesar de ter conseguido erradicar da região do Chapare áreas ilegais de cultivo, de modo a cumprir a promessa feita à comunidade internacional.

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Pano Rápido. Se a DEA quer inventar um aumento de preço para, no final do mandato de Bush, invocar o sucesso da estratégia da política de erradicação, o tiro saiu pela culatra. Nos EUA não caíram nem oferta e nem consumo. Se é assim, por que aumentou o preço?


Wálter Fanganiello Maierovitch é colunista da revista CartaCapital e presidente do Instituto Giovanni Falcone (www.ibgf.org.br).

Um comentário:

Anônimo disse...

É interessante como o consumo de droga aumenta na mesma medida da divulgação do uso pela mídia e do combate ao dito tráfico. Paralelamente, vemos o envolvimento cada vez maior das autoridades constituidas, tanto da Justiça quanto da própria Polícia, na proteção e facilitação desta atividade ilícita. Será por hipocrisia ou, simplesmente, porque esta é uma forma de garantir um rendimento maior a todos os participantes do esquema, mesmo que isto signifique manter um clima permanente de terror na sociedade e ameaça constante à segurança dos cidadãos que não fazem parte deste universo?