terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Causas, causos e uma oportunidade perdida

Minha irmã mora em um prédio no qual a caixa postal - eu tô falando de caixa de correio, uma coisa física, ok? - é de uso comum. Há alguns anos, quando a minha correspondência ainda ia para o seu endereço, eu pegava o molho de chaves do apartamento e ia lá conferir se tinha alguma coisa prá mim. Tinha, quase sempre. Mas, oh!, eram conta. Muitas contas, claro. Pelos correios, você sabe, a gente só recebe contas. Bueno, eu ia lá, pegava as minhas dolorosas e ficava olhando aquele montão de contas dos moradores do prédio. Nessas horas, secretamente, eu alimentava um projeto: vou escrever uma carta pessoal para cada um desses aí para que eles recebam algo além de contas. Eu pensava em tratar de alguma coisa, sei lá!, uma conversa sobre amores perdidos, sonhos realizados (ou, mais fácil e factível, roubados) e parentes esquecidos.

O tempo passou, deixei de usar a caixa de correios e de alimentar aquele projeto. Agora, nesse dias, tenho a mesma sensação de que preciso fazer algo assim. O objeto que me provoca é outro. Trata-se do meu e-mail. Ou, para ser mais exato, da minha caixa postal virtual. Novamente, tenho vontade de mandar, para algumas das pessoas que me rementem mensagens genéricas, algo realmente humano, que fale da vida ou coisas assim...

Quando ocorre esse delírio? Quando acesso à página de abertura do yahoo e confiro que tem correspondências novas me esperando. Nessas situações, por alguns instantes, fico em estado de excitação. "Pronto, é agora! Aí vem alguma coisa realmente endereçada a mim...". Mas, qual o quê! Quando vejo os títulos das mensagens, caio em desânimo. São correntes, comunicados políticos, pregações religiosos e muito ctrl+c e ctrl+v. Eu leio os títulos das mensagens, algumas até enviadas por conhecidos, e nem me animo a abri-las. Algumas vezes, confesso, até me comovo com algumas causas anunciadas nos títulos. Algumas bem politicamente corretas, como é o caso do combate à fome em algum recanto pobre do mundo. Outras, bem chiques, contra a morte de determinadas animais. E por aí vai... Mas, só dou uma espiada. Abrir e ler, que é bom, necas de pitibiriba.

Uma ou outra vez, meio constrangido, leio a mensagem enviada pelo conhecido e aí me deparo com algum causo ou piada. Pelo menos, divirto-me um pouco. Mas isso é raro...


Por isso, conferi agora mesmo, existem 2597 mensagens que eu ainda não li na minha caixa postal. Não me condene, por favor! É que eu fico adiando, sabe. Mais ou menos como aquela arrumada que a gente precisa fazer no local de trabalho. No meu caso, na minha sala na Universidade. Eu penso: "assim que eu tiver um tempo, eu arrumo tudo". Quer que eu te diga uma coisa com sinceridade? Eu já tive tempo e não arrumei. Ora, quando eu "tive tempo", fui ler. Um bom romance, aprendi isso desde menino, é a melhor companhia quando você "tem tempo". E aí, o que aconteceu? Deixei a tal arrumação prá depois. E, em que pese um cadinho de culpa, não me senti mais atrapalhado depois. A vida continuou correndo do mesmo jeito. Talvez apenas a colega que divide a sala comigo não ache muita graça nisso, mas ela não tem reclamado...

E as mensagens? "Tem coisas importantes que você não leu", você poderia me dizer. "Será mesmo?", eu atiro minha dúvida contra você. Olha só uma coisa: a minha mensagem não-lida mais velha é de 27 de dezembro de 1998 (conferi isso agora mesmo!). Sabe qual o título? "Uma grande oportunidade". É sério! Uma grande oportunidade... Ela vai completar onze anos. Pois é, há 10 anos, onze meses e 11 dias e mais algumas horas, eu, que não raro espero um grande acontecimento, não estou levando a sério a oferta de uma grande oportunidade. Devo ler a mensagem? Sinto uma preguiça danada de fazer isso.

A minha segunda mensagem não-lida mais velha é mais recente. Tem apenas 09 anos. O título diz tudo: "Reunião amanhã? Sim!!!!". Eu acho que não fui à reunião. Não devo ter perdido grande coisa. Não me lembro de nenhuma admoestação séria por tal ausência.

E a mensagem não-lida mais recente? O título, em letras garrafais, anuncia: MULHER IDEAL. Pronto! Não vou ler agora, deixo prá mais tarde. Nem que seja daqui há onze anos. Mulher ideal? Melhor não tocar em tal assunto agora...

Por que não deletar tais mensagens? Ora, eu deleto um bocadão. Mas sempre sobra aquelas que você, por alguma razão, diz para si mesmo: "essa daí, mais tarde, quando eu tiver mais tempo, vou ler..." Só que o tempo passa... Daí, como naquela mensagem da "grande oportunidade", você, de repente, descobre que tem uma mensagem não-lida que já é uma adolescente. E adolescente é problema, não é?

E agora? Fiquei com uma bruta vontade de ler a mensagem. Mas, fico aterrorizado, e se ali, após clicar no negrito do título, aparecer algo, uma informação ou uma senha, que tivesse me levado, há uma década, a uma redefinição completa da minha vida. Nossa! Eu poderia ter atravessado essa fase pré-outonal da minha vida (isto é, essa fase dos quarenta anos), sei lá!, dirigindo uma BMW naquelas estradas sinuosas da Riviera Francesa. Ou, mais promissor, poderia ter me tornado dono de uma pousada na Praia de Imbassaí e agora eu estaria lá, no meio da Reserva da Mata de São João, balançando-me em uma rede durante o dia e meditando: hoje, mais tarde, vou tomar banho na Cachoeira de Dona Zilda, na foz do Rio ou no mar? À noite, iria ao Jerimum Café, degustaria uma boa cerveja (uma Original, of course!)e pediria uma das massas da casa. Para completar, na sobremesa, atacaria um petit-gateau. Voltaria caminhando para a minha pousada, ouvindo os barulhos da noite, e, para relaxar, cairia na piscina da pousada para, quando fosse para cama, ir bem leve.

Tranquiliza-me, mais uma vez, a idéia: mais tarde, quando tiver tempo, eu lerei a tal mensagem. E, mesmo tarde, descobrirei, enfim, essa grande oportunidade que a internet está, há uma década, me oferecendo e eu, bestalhão que sou, deixando-a de lado...

5 comentários:

Anônimo disse...

que texto delicioso. tão bom quanto uma rede depois de um banho de bica.

Anônimo disse...

Sei não. Concordo com o anônimo acima, em termos. Mas a viagem pela Riveira Francesa e a sobremesa e depois o relax, tem tudo a ver com um espaço-tempo em acompanhando. Um sonho que não se sonha só. Amei.

Anônimo disse...

Eu gostei do texto. E de conhecer um pouco desse professor casmurro, que até brinca um pouco em sala de aula e é afável com as pessoas, mas é bem fechado e nunca abre nada de si...

Uma ex-aluna...

Anônimo disse...

Gostei do texto. Mas leia as minhas mensagens por favor!! Além de não serem ctrl+C e ctrl+v elas refletem toda a minha angústia de orientando em fase final.

Anônimo disse...

Quem é Edmilson Lopes? Uma hora, quando leio o que ele publica em revistas como a RBCS, penso que é um sociólogo meio uspiano. Quando assitimos as suas aulas, temos certeza: é um ex-professor de cursinho... Quando escuto suas opiniões políticas, não duvido: é um ex-esquerdista, hoje brincando de "anarquista de direita" (uma definição na qual oLévi-Strauss, disse uma vez, se enquadrava). Mas, lendo o que ele escreve neste blogue, acho que se trata de um ótimo cronista do cotidiano. E, acima de tudo, de um gozador e um boêmio comedido (isso é possível?). De todos, gosto mais do último.