Discutimos, hoje, em sala de aula o fato noticiado nas matérias abaixo colocadas. A discussão em pauta era a "dominação masculina", embalada pela leitura do conhecido livro de Pierre Bourdieu. Quando tomei conhecimento do assunto, fiquei entre o choque e revolta impotente. Confira!
Aluna é vítima de assédio em massa
Ela foi acuada em universidade em São Paulo por um grupo de estudantes por causa do vestido que usava
Ana Bizzotto – O Estado SP
Uma estudante do 1º ano de Turismo do período noturno do câmpus ABC da Universidade Bandeirantes de São Paulo (Uniban), em São Bernardo do Campo, foi xingada e acuada por um grupo expressivo de estudantes no prédio onde estuda por causa do comprimento do vestido que usava. O fato ocorreu no dia 22 e ganhou repercussão nesta semana pelo YouTube, onde foram publicados vídeos que registraram o episódio. O conteúdo foi retirado a pedido da universidade.
Segundo as cenas e os depoimentos de presentes, o tumulto começou quando a aluna subia por uma rampa até o terceiro andar e os alunos começaram a gritar. Ela ficou trancada em uma sala e, com a ajuda de um professor e colegas, chamou a polícia, que a escoltou até a saída da universidade. A estudante, de 20 anos, pediu para que seu nome não fosse divulgado.
“Costumo usar vestidos curtos e calças apertadas, assim como outras meninas. Naquele dia, tinha pegado ônibus, andado na rua e ninguém disse nada”, contou a estudante. “Eles estavam possuídos, fiquei com muito medo”, relatou.
A Uniban, em nota, disse que instaurou sindicância. “Alunos, professores, seguranças e também a aluna estão sendo ouvidos individualmente”, informou. A universidade “pretende aplicar medidas disciplinares aos causadores do tumulto, conforme o regimento interno”.
O comandante da 2ª Companhia do 6º Batalhão da PM, capitão Cotta, informou que a polícia foi chamada porque a estudante “estava sendo impedida de sair da sala”. Quando os policiais chegaram, a aluna já estava com um jaleco branco que tampava a roupa que usava. “Ela não quis registrar boletim de ocorrência nem ir à delegacia, só queria ser acompanhada até sua casa. A Uniban também não solicitou ocorrência.”
“Ela veio com um vestidinho rosa da pesada, daqueles que se usa com calça legging, só que sem a calça”, disse o estudante de Matemática Pedro Adair, de 23 anos. “Os três andares da faculdade subiram atrás dela. O pessoal parecia estar no tempo das cavernas, só faltou arrastá-la pelos cabelos”, completou Pedro, que considera que o episódio foi uma “brincadeira que passou dos limites”.
Uma estudante de Pedagogia que se identificou como Simone estava no prédio na hora. “Eles ficaram gritando “puta” para ela. Fui lá ver também e até tomei spray de pimenta que a polícia jogou”, contou.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO
Especialistas ouvidos pela reportagem disseram que, se tivesse ficado nua, a estudante poderia ter cometido crime de atentado ao pudor. “Mas nada justifica a reação exagerada. Isso retrata violência de gênero, culpar a mulher pela agressão”, afirma a coordenadora executiva da ONG Rede Mulher de Educação, Vera Vieira.
De acordo com Charles Martins, assessor de educação da ONG Plan Brasil, que estuda a violência nas escolas do país, “ainda que a estudante tenha quebrado padrões de conduta, não pode ser aceitável a agressão como resposta”.
O episódio motivou a criação de fóruns na internet. Entre comentários, pessoas dizem que a aluna foi vítima de intolerância.
Alunos relataram ainda que no início do ano uma outra confusão aconteceu no mesmo câmpus. Uma aluna teria sido agredida por não ter aceitado participar de um protesto contra a mudança nas avaliação da universidade.
”Linchamento” da estudante reflete problemas sociais
Fernanda Aranda – O Estado SP
O “linchamento moral” sofrido pela estudante da Uniban reflete dois problemas sociais, avaliam especialistas. O primeiro é o machismo que justifica a agressão contra a mulher por uma suposta falha. O outro é a invasão da violência nas instituições de ensino.
“O episódio pode mostrar a bagagem que estes alunos trazem da fase escolar”, acredita Charles Martins, assessor de educação da Plan, entidade internacional que trabalha contra violência nas escolas. “Toda forma de violência tem histórico e o nosso mostra que a quebra de valores começa na escola.”
A coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), Eloísa de Lasis, também afirma que o caso da Uniban não pode ser encarado de forma isolada. “Enxergar e debater o ocorrido como um sintoma social pode nos ajudar a entender como um espaço de ensino se torna um espaço de violência”, conclui.
"Fiquei muito assustada, chorei, entrei em desespero”
Entrevista – Estudante, de 20 anos, do 1.º ano do curso de Turismo da Uniban
Afra Balazina – O Estado SP
O que aconteceu?
Eu estava com um vestido curto, que já havia usado outras vezes na aula. Sempre recebi elogios, nunca nada ofensivo. Quando estava na rampa e vi o pessoal assobiando e elogiando, fiquei com vergonha. Depois, quando fui ao banheiro, começou o tumulto. Cada vez chegava mais gente. Ameaçaram invadir a sala, chutaram a porta, quebraram a maçaneta. Tentaram passar a mão em mim, tiraram fotos e ficaram gritando que iam me pegar.
Como você se sentiu?
Fiquei muito assustada, chorei, entrei em desespero. Eles estavam possuídos. Fui ofendida por gente que nem me conhece e por meninas que moram perto de mim.
O que você pretende fazer agora?
Não estou indo à aula por medo, mas quero voltar – e de cabeça erguida. Quero ouvir o que a faculdade tem a dizer, porque eles não pensaram em nos proteger. Dependendo do que eles disserem, eu vou processá-los, sim.