Tenho três filhos, dado que considero a minha enteada enquanto filha. Assim, tenho chances tríplas de ter presentes e alegrias. De vez em quando um(a) deles enternece o meu coração com alguma coisa. E eu não quero muitas, longe disso! Quero apenas que cresçam bem e sejam boas pessoas para eles mesmos e para os outros.
Mas, nestes dias, o meu filho, Felipe, deu-me, no dia dos pais (concidência!), um bom presente: comunicou-me que fora aprovado no vestibular da UFTPR (Londrina) e no concorrido vestibular para odontologia da Universidade Estadual de Maringá. Fiquei muito feliz e comecei a pensar em um tempo no qual estavámos mais juntos e ele me dava o prazer de sua contagiante alegria. Vejo-o menos agora, mas amo-o com a mesma intensidade. E um amor sem cobranças, espero que ele o perceba assim.
Mas o que eu queria dizer é que os filhos, pelo menos no meu caso, tornam o mundo mais leve...
domingo, 30 de agosto de 2009
Kant, sempre ele, a nos salvar...
Reler "Prolegomenos a toda metafísica futura" custa tão pouco - o livro está disponível na internet - e faz um bem danado. Especialmente para quem vive envolvido com coisinhas pequenas...
Blogando sem estilo
É isso.. Estou blogando, mas a internet em Parnamirim não ajuda muito. Tenho um modem da Claro e é claro que a promessa de quando da compra não se realiza. Prometem uma velocidade e dizem que ela cobre Natal, Parnamirim e Macaíba. Uma boa piada! Só funciona em Natal. Mas eu me conformei. Pois é: é melhor isso do que a outra alternativa (a internet discada). Mas é uma lástima, não? Banda Larga ainda é um sonho para muitas partes do país.
O resultado? A postagem é truncada e você não consegue editar direito o material que coloca. Mas, nem por isso, vou me entregar. Continuo firme, mantendo aceso este espaço.
O resultado? A postagem é truncada e você não consegue editar direito o material que coloca. Mas, nem por isso, vou me entregar. Continuo firme, mantendo aceso este espaço.
Violência contra a mulher
Reproduzo, pela importância da temática e pelo lugar muito especial ocupado na pesquisa acadêmica e na luta contra a violência de gênero, matéria com entrevista de Sílvia Pimentel.
De crime contra os costumes, o estupro passou a crime contra a dignidade sexual
Mônica Manir e Bruna Rodrigues, O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - ”Será justo, então, o réu Fernando Cortez, primário, trabalhador, sofrer pena enorme e ter a vida estragada por causa de um fato sem consequências, oriundo de uma falsa virgem? Afinal de contas, esta vítima, amorosa com outros rapazes, vai continuar a sê-lo. Com Cortez, assediou-o até se entregar. E o que em retribuição lhe fez Cortez? Uma cortesia…”A gentileza de Fernando Cortez indignou a jurista Silvia Pimentel. Tanto que, ao lado das pesquisadoras Valéria Pandjiarjian e Ana Lúcia Schritzmeyer, ela decidiu escanear outras cortesias do gênero pelas cinco regiões do Brasil. Diante de 50 decisões de tribunais de Justiça, as três compilaram tudo em livro e confirmaram o seguinte: o crime de estupro era o único do mundo em que a vítima é acusada e considerada culpada da violência praticada contra ela.Isso foi em 1997. Silvia diz hoje ter vontade de fazer outra pesquisa, mas é bem possível que a essência do problema dispense atualização. Por sua experiência como vice-presidente do Cedaw, Comitê para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres, organismo da ONU, o estupro continua entre o crime e a cortesia pelos hemisférios afora. Aqui, a lei nº 12.015, do último 7 de agosto, tenta apertar o cinto em torno da violência sexual, acomodando o atentado violento ao pudor sob a premissa do estupro no Código Penal. De crimes autônomos, tornaram-se um só. É por causa dessa mudança que o médico Roger Abdelmassih foi acusado de 56 estupros contra pacientes, e não de 53 atentados ao pudor e 3 estupros.
Uma das criadoras do Conselho Estadual da Condição Feminina, do Estado de São Paulo, fundadora do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem), professora de filosofia do direito da PUC-SP, Silvia se diz uma aprendiz contumaz. A lição mais recente veio da última reunião do Cedaw, em Nova York, da qual é recém-chegada. Ali confirmou que o estupro ainda é estratégia poderosíssima em conflitos armados: “O inimigo acaba com a autoestima da outra parte, as mulheres estupradas perdem a autoestima, seus maridos também, seus pais idem”. No âmbito doméstico, ele continua abafado pelas conivências familiares. No meio jurídico, se não for por cortesia, por vezes vigora pelo padrão. “In dubio pro stereotypo”, diz Silvia, em frase de sua autoria, que ela aos poucos destrincha na entrevista a seguir.
A lei 12.015 é uma conquista das mulheres na medida em que suprime o atentado violento ao pudor e o inclui no artigo que trata do estupro?
É uma conquista, em primeiro lugar, porque os crimes sexuais deixaram de ser crimes contra os costumes. Até este mês, estupro, atentado violento ao pudor, posse sexual mediante fraude e assédio estavam sob essa rubrica no Código Penal. A minha hipótese é a de que isso acontecia porque o estupro, em especial, é visto como um ato disfuncional da sociedade ofensivo aos seus bons costumes. Daí a veemência e repúdio ao delito em si, havendo o uso de expressões contundentes e desqualificadoras em relação ao estuprador. Contudo, ainda se expressa desrespeito também à parte ofendida, levantando dúvidas quanto às suas declarações e à sua própria moralidade.
O fato de unificar a expressão ‘atentado violento ao pudor’ com o estupro fará diferença quanto ao tratamento da vítima?
Acho que essa unificação responde de imediato a uma crítica quanto à linguagem. No ideário popular, a violência sexual máxima é o estupro. E ele designa mais do que a conjunção carnal com a penetração vaginal. Entendemos também como estupro a penetração anal, por exemplo. Ofende tanto quanto. Nos Estados Unidos, ambos são rape. Na Inglaterra, também.
Por que fazemos diferença aqui?
O direito brasileiro definia assim porque está ligado de uma maneira muito forte à ideologia patriarcal. A legislação penal que vigorou entre nós nos primeiros anos do Brasil foram as ordenações filipinas, e essas expressões todas derivam delas. A ideia de pudor, por exemplo, está intimamente ligada a recato, honestidade, virgindade, defloramento. Antes, cabia ao marido pedir a anulação do casamento caso sua mulher tivesse sido deflorada por outro homem. A questão da virgindade era o ponto alto. O estupro, visto apenas como penetração vaginal, é aquele que de fato compromete essa noção familiar porque a vítima pode perder a virgindade e ainda correr o risco de ficar grávida. Mas a nossa sociedade se transforma, e o direito existe para acompanhá-la. Hoje a palavra “estupro” designa mais do que designava. No artigo 213 da mesma lei, por exemplo, estupro significava “constranger a mulher”. Agora é “constranger alguém”, pode ser de ambos os sexos.
Nesse mesmo artigo, estende-se também como estupro ‘praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso’. De que ato libidinoso se trata aqui?
Se você quer saber se eu acho essa linguagem boa, eu vou dizer que não. Não acho. Primeiro, precisamos ler duas ou três vezes para entender quem é esse “ele”. Depois, “ato libidinoso” é muito amplo. No direito, muitas vezes existe indeterminação numa norma legal. Onde está a definição de ato libidinoso? Não está. Já deve existir uma definição por parte dos penalistas para isso, mas não é uma definição legal. Por não estar definida, paira certa vaguedad. Não gosto de traduzir para o português essa vagueza, é estranho demais. Os juristas argentinos, aliás, há muito tempo trabalham bem com esse conceito. De qualquer forma, a linguagem jurídica tem sempre de ser muito comunicativa.
Alguns homens já dizem que um beijo roubado pode torná-lo um criminoso…
Um beijo roubado não vai torná-lo criminoso da noite para o dia, isso não deve ser encarado como estupro. Agora, não podemos nos esquecer do assédio sexual. Nesse sentido, meu projeto vai mais no sentido educativo do que o atual, propondo políticas internas nas empresas para uma atenção maior para o tema. Acho mais rico que trabalhem a questão do que punam. A ideia que temos é de que assédio sexual não é crime, mas é. Para caracterizar assédio sexual ele precisa ser de um superior, e muitos chefes têm esse tipo de procedimento. Eles se valem da relação de poder que têm no ambiente para obter isto ou aquilo em troca de benesses. Não é nada fácil comprovar um assédio sexual. É mais fácil comprovar o estupro, que deixa evidências para o IML.
Antes da lei, podia-se somar as penas de estupro com a de atentado ao pudor. Ou seja, chegaríamos a 20 anos de reclusão máxima, e não a 10. A pena foi, de certa forma, atenuada. Seria uma falha da unificação?
Em termos de Direito Penal, não me preocupo tanto com a quantidade da pena, e sim com uma tipificação clara, com uma penalização razoável e uma punição efetiva. E não estou dizendo, com isso, que os colegas que criticaram esse ponto estejam juridicamente incorretos. Ocorre que, muitas vezes, quando se estabelecia a soma das penas de estupro e atentado violento ao pudor, a pena ficava tão imensa que descaracterizava até o crime.
A senhora mencionou, no início da entrevista, que se levantam dúvidas quanto às declarações da parte ofendida. Isso ainda acontece com frequência?
Existem pesquisas, como a minha, que mostram que a palavra da mulher, especialmente a da mulher adulta, não é levada a sério. Muitos ainda dizem que ela quis ser estuprada ou se insinuou além da conta. Com as crianças, há uma boa vontade por parte dos operadores do direito. Ainda assim, se a boa vontade fosse tão grande, não teríamos uma prostituição de menores do tamanho da que existe no nosso país. Essa prostituição significa estupro reiterado pelos homens que mantêm relações sexuais com menores.
Em relação aos demais poderes, o Judiciário ainda é o mais resistente a essas reivindicações de gênero?
O Judiciário tem sido tradicionalmente apontado como poder conservador. Ao mesmo tempo, é ele, principalmente por meio das suas instâncias primeiras, que está trazendo luz a uma série de temas polêmicos. Um exemplo é a união civil homoafetiva. Esse projeto de lei, apresentado por Marta Suplicy há tantos anos, não consegue ser aprovado no Legislativo. Ao mesmo tempo, em nove Estados brasileiros e no Distrito Federal, temos decisões judiciais reconhecendo a união, de fato, de um par homossexual como aspecto de relação familiar.
Vem também da desconfiança quanto ao Judiciário a dificuldade de denunciar?
Existe essa dificuldade em todas as regiões do mundo, dos países mais modernos aos menos desenvolvidos. A violência sexual é algo muito íntimo, muito privado. Não raro a mulher evita contar sobre essa violência até mesmo para o marido. Ela se envergonha. Por quê? Porque está no inconsciente que, quando o estupro acontece, a mulher deu causa. Vou dar um exemplo. Uma aluna minha foi estuprada na Praça da Sé por volta das 18h30 num dia da semana. No seguinte, ela foi à faculdade. Estava mal, com a cabeça encostada na parede. No final da aula, ela e uma colega vieram até mim. A colega disse que ela queria contar do estupro. A menina estava tão chocada que nem retirou a calça jeans para ir ao banheiro desde a noite anterior. Ainda assim, não quis denunciar o caso na delegacia da mulher nem contar para os pais. O máximo que consegui foi orientá-la na parte médica. Pois a menina tinha um namorado. Três meses depois o menino terminou o relacionamento. Ela disse que ele passou a olhá-la de forma diferente depois que soube do estupro. Ela estava se sentindo culpada de alguma maneira. Ou seja: gritou, mas não gritou o suficiente. Impediu, mas não como devia.
O estupro é um crime que envolve muita reincidência?
Li muito a respeito, e em diferentes perspectivas, mas existe pouco estudo e conhecimento a respeito da reincidência. Agora, é fato que essas relações sexuais se dão muitas vezes com pessoas das próprias relações, como amigos e parentes. Isso torna a situação ainda mais difícil porque implica estabilidade de um relacionamento social que transcende o relacionamento com aquele tio ou aquele pai. A família inteira se envolve. É altamente provável que as mães saibam quando os pais reiteradamente têm relações com suas filhas. Dizer que não sabiam? Você acredita nisso? Eu, desde que tenho filho, tenho sonho leve. A gente fica atenta. Até porque isso se dá na própria casa, que em geral não é do tamanho de um Palácio de Versailles. Para manter o status quo, há interesses os mais óbvios, como os econômicos e financeiros, até dependência emocional e psicológica. Conheço casos de mães que praticamente negociavam a filha de 2 anos com o marido/amante/namorado para não perder o parceiro.
A senhora acha que a mudança da lei pode provocar protestos em torno do estigma de ser chamado de estuprador? Quem praticava atentados violentos ao pudor não recebia essa denominação…
Eu acho que a notícia de que alguém teria praticado mais de 50 atos hoje categorizados como estupros determina uma decisão diferente. Pode-se, pelo menos, mudar essa naturalização da violência sexual. Ser chamado de estuprador é, sim, muito forte, tanto que, quando o acusado chega à prisão, ele recebe uma sanção dos próprios presidiários no sentido do que os presos entendem por estupro. Veja o disparate, o nonsense da situação. Esses mesmos homens que estupram um estuprador que vai para a cadeia talvez tenham tido relações nunca sabidas com as próprias filhas. Onde está a lógica? O pai que tem relações incestuosas entende que tem o direito de fazê-lo. As meninas seriam suas coisinhas. Por que os homens têm essa compreensão e, na cadeia, se julgam no dever ético de punir o estuprador? Acham que os outros estupradores estariam colocando em risco suas próprias filhas e mulher, que são propriedade deles. Se o outro estupra minha propriedade (filhas e mulher), ele está invadindo/usurpando a propriedade alheia.
Pode ser que o agressor ache que não estuprou.
Em 1996 estive no Peru, onde um jovem sociólogo havia entrevistado presos estupradores. Dali saiu um livro. Enfim, seus entrevistados eram presos condenados por estupro, todos na cadeia. O autor dizia que o mais chocante para ele foi olhar nos olhos desses homens e perceber que eles não tinham a mínima noção da ofensa que faziam. Diziam: “Mas eu nunca machuquei a minha filha”. Alguns não machucam mesmo, isso se dá pela sedução. Freud veio mostrar que existe o complexo de Édipo e o complexo de Electra. Nossa condição humana, o instinto do seres humanos, nos leva à atração. Agora, somos seres humanos, não somos animais irracionais. Devemos articular as nossas ações, que são razão e não-razão. Daí a importância de vivermos numa sociedade que tenha claro, como valor social e jurídico, o não-incesto. Qual é a primeira ação tipificada como crime na sociedade? O incesto. As pessoas têm que se organizar internamente, saber que uma sociedade civilizada repudia não só o incesto, mas qualquer violência sexual contra as mulheres, sejam elas pequenininhas, adolescentes, mulheres maduras ou idosas.
São muitos os casos de violência sexual contra mulheres idosas?
Em dados numéricos, não. Mas existe sim. Algumas pesquisas mostram que o estuprador compulsivo violenta a primeira mulher que aparece. Claro que as bonitas estão mais vulneráveis, e as crianças mais ainda, isso em todas as sociedades. Na ONU, venho falando muito nesse tema e vejo que minhas palavras causam mal-estar porque as pessoas não querem dar nome às coisas. A primeira coisa que devemos fazer quando descobrimos um problema é nomeá-lo.
A violência sexual permeia todas as camadas sociais?
Várias colegas minhas da área de psicologia e alguns de pesquisas dizem que é provável que os dados mostrando alta incidência de estupro nas camadas menos favorecidas têm relação com a menor intimidade delas. Nas camadas sociais mais altas, as questões vão para os divãs dos psicólogos e psiquiatras. Muitas mulheres de classe média alta podem não ter contado o que viveram aos maridos, mas certamente o fizeram aos seus terapeutas. O importante é lembrar que a divisão entre o mundo privado e o público sempre existiu, mas essa divisão foi questionada em termos históricos pelas mulheres feministas. Elas perceberam que o historicamente privado não pode continuar a sê-lo porque as maiores violências que acontecem contra as mulheres se dão dentro de casa. E em todas as camadas sociais.
Uma maior educação pode diminuir a incidência desse crime?
Não existe nenhuma pesquisa sobre isso. Na minha percepção, a educação precisa ter um papel nisso tudo, que é o de contribuir para o domínio sobre os próprios instintos.
Há dados a respeito de violência sexual praticada por médicos?
Eu desconheço. Talvez procurando no Conselho Federal de Medicina… O que posso dizer é que nunca vi ninguém fazer intervenção cirúrgica sem ter um assistente. Mas muitas pessoas não querem perder o emprego. Ao mesmo tempo, a mulher dizer que um médico tentou uma violência sexual contra ela é muito difícil. O parceiro sempre pode ter dúvida. Não é que o cara seja louco, mas isso está consoante com a maneira de se interpretar o fenômeno que mencionamos anteriormente. Além de se sentir culpada por causa do marido, ela se percebe muito coitada, fica fragilizada, machucada no âmago.
O estupro é a forma mais intensa de submissão?
Sim, é a forma mais intensa de submissão, uma arma muito usada na guerra, inclusive. O inimigo acaba com a autoestima da outra parte. As mulheres estupradas perdem a autoestima, seus maridos também, seus pais idem. Veja você o caso congolês. Há um filme chamado Rape in Congo, que foi passado para nós na última reunião da ONU. É uma grita geral porque os homens estão sendo estuprados. É óbvio que estou de acordo com que a gente grite por eles, mas por que não gritam igualmente pelas mulheres estupradas? Lembra-se das comfort women, famosas na 2ª Guerra Mundial? Justificou o ódio de uma grande região da Ásia em relação aos japoneses, que tomavam as meninas dos povos conquistados e as levavam aos locais onde estavam os guerreiros para que servissem de prostitutas. Têm sido feitos livros e pesquisas para que essas mulheres contem suas histórias.
Além do Congo, que outro caso recente de violência sexual foi ouvido pela ONU?
Foi um caso que envolve liberianos num campo de refugiados no Arizona (EUA). Uma menina liberiana de 9 anos foi estuprada por liberianos. Quando a família soube do fato, pôs a menina pra fora de casa. A Libéria tem uma presidente mulher. Ela se manifestou publicamente fazendo o seguinte: passou uma mensagem à família da menina dizendo que ela não poderia ter feito isso, mas passou outra ao governo do Estado americano no sentido de que deem a esses rapazes estupradores a possibilidade de se reinserirem culturalmente na sociedade. Como recebemos a Libéria exatamente agora, levantei o tema. Foi lembrado pela delegação deles que deveríamos considerar que o país ficou 14 anos em guerra civil e que ambas as facções ou grupos que brigavam entre si, partidos políticos que sejam, estupravam as mulheres da outra facção. O que estou verificando pouco a pouco é que o estupro em conflitos armados é um dos problemas mais universais e um dos que mais precisam ser trabalhados.
E como o Comitê Cedaw lida com esses casos?
Bom, nós lidamos diretamente com todos os países que ratificaram a Comissão da Mulher. Eles são obrigados a nos entregar relatórios de cumprimento dos 16 artigos de substância sobre os direitos femininos, dizendo o que fizeram e o que deixaram de fazer e apontando os obstáculos. Nós analisamos esses relatórios e encaminhamos perguntas a eles. Depois chamamos os representantes desses países e mantemos um dia inteiro de diálogo construtivo. Nesse trabalho na ONU, aprendi muito escutando grupos de ONGs que trouxeram mulheres violentadas. Vi que o curative rape ainda vigora em algumas regiões do mundo, em diferentes versões. Numa delas, meninas que chegam à puberdade e ainda não definiram sua sexualidade são violentadas para que optem pela heterossexualidade. Já em alguns grupos étnicos do Laos, as meninas são disponibilizadas para o estupro coletivo e até agradecem por isso. Se não forem estupradas, não viverão além de 35 anos. Acho que nenhuma sobrou para contar história diferente. Já na região da Mauritânia as meninas, quando fazem 9 anos, são amarradas a uma cadeira durante o dia. Em volta são colocados 18 litros de leite, uma quantidade enorme de cereais, isto e aquilo, para que engordem até 120, 130 quilos. Quando atingem esse peso, estariam no ponto para serem dadas aos seus esposos. Qual é a crença? Quanto maior forem, maior será o tamanho do lugar que ocuparão no coração do marido. O que cada vez mais aprendo dessas situações horrorosas a que as mulheres são submetidas é que há sempre uma justificativa comum: a sublimação é boa para a sociedade.
De crime contra os costumes, o estupro passou a crime contra a dignidade sexual
Mônica Manir e Bruna Rodrigues, O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - ”Será justo, então, o réu Fernando Cortez, primário, trabalhador, sofrer pena enorme e ter a vida estragada por causa de um fato sem consequências, oriundo de uma falsa virgem? Afinal de contas, esta vítima, amorosa com outros rapazes, vai continuar a sê-lo. Com Cortez, assediou-o até se entregar. E o que em retribuição lhe fez Cortez? Uma cortesia…”A gentileza de Fernando Cortez indignou a jurista Silvia Pimentel. Tanto que, ao lado das pesquisadoras Valéria Pandjiarjian e Ana Lúcia Schritzmeyer, ela decidiu escanear outras cortesias do gênero pelas cinco regiões do Brasil. Diante de 50 decisões de tribunais de Justiça, as três compilaram tudo em livro e confirmaram o seguinte: o crime de estupro era o único do mundo em que a vítima é acusada e considerada culpada da violência praticada contra ela.Isso foi em 1997. Silvia diz hoje ter vontade de fazer outra pesquisa, mas é bem possível que a essência do problema dispense atualização. Por sua experiência como vice-presidente do Cedaw, Comitê para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres, organismo da ONU, o estupro continua entre o crime e a cortesia pelos hemisférios afora. Aqui, a lei nº 12.015, do último 7 de agosto, tenta apertar o cinto em torno da violência sexual, acomodando o atentado violento ao pudor sob a premissa do estupro no Código Penal. De crimes autônomos, tornaram-se um só. É por causa dessa mudança que o médico Roger Abdelmassih foi acusado de 56 estupros contra pacientes, e não de 53 atentados ao pudor e 3 estupros.
Uma das criadoras do Conselho Estadual da Condição Feminina, do Estado de São Paulo, fundadora do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem), professora de filosofia do direito da PUC-SP, Silvia se diz uma aprendiz contumaz. A lição mais recente veio da última reunião do Cedaw, em Nova York, da qual é recém-chegada. Ali confirmou que o estupro ainda é estratégia poderosíssima em conflitos armados: “O inimigo acaba com a autoestima da outra parte, as mulheres estupradas perdem a autoestima, seus maridos também, seus pais idem”. No âmbito doméstico, ele continua abafado pelas conivências familiares. No meio jurídico, se não for por cortesia, por vezes vigora pelo padrão. “In dubio pro stereotypo”, diz Silvia, em frase de sua autoria, que ela aos poucos destrincha na entrevista a seguir.
A lei 12.015 é uma conquista das mulheres na medida em que suprime o atentado violento ao pudor e o inclui no artigo que trata do estupro?
É uma conquista, em primeiro lugar, porque os crimes sexuais deixaram de ser crimes contra os costumes. Até este mês, estupro, atentado violento ao pudor, posse sexual mediante fraude e assédio estavam sob essa rubrica no Código Penal. A minha hipótese é a de que isso acontecia porque o estupro, em especial, é visto como um ato disfuncional da sociedade ofensivo aos seus bons costumes. Daí a veemência e repúdio ao delito em si, havendo o uso de expressões contundentes e desqualificadoras em relação ao estuprador. Contudo, ainda se expressa desrespeito também à parte ofendida, levantando dúvidas quanto às suas declarações e à sua própria moralidade.
O fato de unificar a expressão ‘atentado violento ao pudor’ com o estupro fará diferença quanto ao tratamento da vítima?
Acho que essa unificação responde de imediato a uma crítica quanto à linguagem. No ideário popular, a violência sexual máxima é o estupro. E ele designa mais do que a conjunção carnal com a penetração vaginal. Entendemos também como estupro a penetração anal, por exemplo. Ofende tanto quanto. Nos Estados Unidos, ambos são rape. Na Inglaterra, também.
Por que fazemos diferença aqui?
O direito brasileiro definia assim porque está ligado de uma maneira muito forte à ideologia patriarcal. A legislação penal que vigorou entre nós nos primeiros anos do Brasil foram as ordenações filipinas, e essas expressões todas derivam delas. A ideia de pudor, por exemplo, está intimamente ligada a recato, honestidade, virgindade, defloramento. Antes, cabia ao marido pedir a anulação do casamento caso sua mulher tivesse sido deflorada por outro homem. A questão da virgindade era o ponto alto. O estupro, visto apenas como penetração vaginal, é aquele que de fato compromete essa noção familiar porque a vítima pode perder a virgindade e ainda correr o risco de ficar grávida. Mas a nossa sociedade se transforma, e o direito existe para acompanhá-la. Hoje a palavra “estupro” designa mais do que designava. No artigo 213 da mesma lei, por exemplo, estupro significava “constranger a mulher”. Agora é “constranger alguém”, pode ser de ambos os sexos.
Nesse mesmo artigo, estende-se também como estupro ‘praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso’. De que ato libidinoso se trata aqui?
Se você quer saber se eu acho essa linguagem boa, eu vou dizer que não. Não acho. Primeiro, precisamos ler duas ou três vezes para entender quem é esse “ele”. Depois, “ato libidinoso” é muito amplo. No direito, muitas vezes existe indeterminação numa norma legal. Onde está a definição de ato libidinoso? Não está. Já deve existir uma definição por parte dos penalistas para isso, mas não é uma definição legal. Por não estar definida, paira certa vaguedad. Não gosto de traduzir para o português essa vagueza, é estranho demais. Os juristas argentinos, aliás, há muito tempo trabalham bem com esse conceito. De qualquer forma, a linguagem jurídica tem sempre de ser muito comunicativa.
Alguns homens já dizem que um beijo roubado pode torná-lo um criminoso…
Um beijo roubado não vai torná-lo criminoso da noite para o dia, isso não deve ser encarado como estupro. Agora, não podemos nos esquecer do assédio sexual. Nesse sentido, meu projeto vai mais no sentido educativo do que o atual, propondo políticas internas nas empresas para uma atenção maior para o tema. Acho mais rico que trabalhem a questão do que punam. A ideia que temos é de que assédio sexual não é crime, mas é. Para caracterizar assédio sexual ele precisa ser de um superior, e muitos chefes têm esse tipo de procedimento. Eles se valem da relação de poder que têm no ambiente para obter isto ou aquilo em troca de benesses. Não é nada fácil comprovar um assédio sexual. É mais fácil comprovar o estupro, que deixa evidências para o IML.
Antes da lei, podia-se somar as penas de estupro com a de atentado ao pudor. Ou seja, chegaríamos a 20 anos de reclusão máxima, e não a 10. A pena foi, de certa forma, atenuada. Seria uma falha da unificação?
Em termos de Direito Penal, não me preocupo tanto com a quantidade da pena, e sim com uma tipificação clara, com uma penalização razoável e uma punição efetiva. E não estou dizendo, com isso, que os colegas que criticaram esse ponto estejam juridicamente incorretos. Ocorre que, muitas vezes, quando se estabelecia a soma das penas de estupro e atentado violento ao pudor, a pena ficava tão imensa que descaracterizava até o crime.
A senhora mencionou, no início da entrevista, que se levantam dúvidas quanto às declarações da parte ofendida. Isso ainda acontece com frequência?
Existem pesquisas, como a minha, que mostram que a palavra da mulher, especialmente a da mulher adulta, não é levada a sério. Muitos ainda dizem que ela quis ser estuprada ou se insinuou além da conta. Com as crianças, há uma boa vontade por parte dos operadores do direito. Ainda assim, se a boa vontade fosse tão grande, não teríamos uma prostituição de menores do tamanho da que existe no nosso país. Essa prostituição significa estupro reiterado pelos homens que mantêm relações sexuais com menores.
Em relação aos demais poderes, o Judiciário ainda é o mais resistente a essas reivindicações de gênero?
O Judiciário tem sido tradicionalmente apontado como poder conservador. Ao mesmo tempo, é ele, principalmente por meio das suas instâncias primeiras, que está trazendo luz a uma série de temas polêmicos. Um exemplo é a união civil homoafetiva. Esse projeto de lei, apresentado por Marta Suplicy há tantos anos, não consegue ser aprovado no Legislativo. Ao mesmo tempo, em nove Estados brasileiros e no Distrito Federal, temos decisões judiciais reconhecendo a união, de fato, de um par homossexual como aspecto de relação familiar.
Vem também da desconfiança quanto ao Judiciário a dificuldade de denunciar?
Existe essa dificuldade em todas as regiões do mundo, dos países mais modernos aos menos desenvolvidos. A violência sexual é algo muito íntimo, muito privado. Não raro a mulher evita contar sobre essa violência até mesmo para o marido. Ela se envergonha. Por quê? Porque está no inconsciente que, quando o estupro acontece, a mulher deu causa. Vou dar um exemplo. Uma aluna minha foi estuprada na Praça da Sé por volta das 18h30 num dia da semana. No seguinte, ela foi à faculdade. Estava mal, com a cabeça encostada na parede. No final da aula, ela e uma colega vieram até mim. A colega disse que ela queria contar do estupro. A menina estava tão chocada que nem retirou a calça jeans para ir ao banheiro desde a noite anterior. Ainda assim, não quis denunciar o caso na delegacia da mulher nem contar para os pais. O máximo que consegui foi orientá-la na parte médica. Pois a menina tinha um namorado. Três meses depois o menino terminou o relacionamento. Ela disse que ele passou a olhá-la de forma diferente depois que soube do estupro. Ela estava se sentindo culpada de alguma maneira. Ou seja: gritou, mas não gritou o suficiente. Impediu, mas não como devia.
O estupro é um crime que envolve muita reincidência?
Li muito a respeito, e em diferentes perspectivas, mas existe pouco estudo e conhecimento a respeito da reincidência. Agora, é fato que essas relações sexuais se dão muitas vezes com pessoas das próprias relações, como amigos e parentes. Isso torna a situação ainda mais difícil porque implica estabilidade de um relacionamento social que transcende o relacionamento com aquele tio ou aquele pai. A família inteira se envolve. É altamente provável que as mães saibam quando os pais reiteradamente têm relações com suas filhas. Dizer que não sabiam? Você acredita nisso? Eu, desde que tenho filho, tenho sonho leve. A gente fica atenta. Até porque isso se dá na própria casa, que em geral não é do tamanho de um Palácio de Versailles. Para manter o status quo, há interesses os mais óbvios, como os econômicos e financeiros, até dependência emocional e psicológica. Conheço casos de mães que praticamente negociavam a filha de 2 anos com o marido/amante/namorado para não perder o parceiro.
A senhora acha que a mudança da lei pode provocar protestos em torno do estigma de ser chamado de estuprador? Quem praticava atentados violentos ao pudor não recebia essa denominação…
Eu acho que a notícia de que alguém teria praticado mais de 50 atos hoje categorizados como estupros determina uma decisão diferente. Pode-se, pelo menos, mudar essa naturalização da violência sexual. Ser chamado de estuprador é, sim, muito forte, tanto que, quando o acusado chega à prisão, ele recebe uma sanção dos próprios presidiários no sentido do que os presos entendem por estupro. Veja o disparate, o nonsense da situação. Esses mesmos homens que estupram um estuprador que vai para a cadeia talvez tenham tido relações nunca sabidas com as próprias filhas. Onde está a lógica? O pai que tem relações incestuosas entende que tem o direito de fazê-lo. As meninas seriam suas coisinhas. Por que os homens têm essa compreensão e, na cadeia, se julgam no dever ético de punir o estuprador? Acham que os outros estupradores estariam colocando em risco suas próprias filhas e mulher, que são propriedade deles. Se o outro estupra minha propriedade (filhas e mulher), ele está invadindo/usurpando a propriedade alheia.
Pode ser que o agressor ache que não estuprou.
Em 1996 estive no Peru, onde um jovem sociólogo havia entrevistado presos estupradores. Dali saiu um livro. Enfim, seus entrevistados eram presos condenados por estupro, todos na cadeia. O autor dizia que o mais chocante para ele foi olhar nos olhos desses homens e perceber que eles não tinham a mínima noção da ofensa que faziam. Diziam: “Mas eu nunca machuquei a minha filha”. Alguns não machucam mesmo, isso se dá pela sedução. Freud veio mostrar que existe o complexo de Édipo e o complexo de Electra. Nossa condição humana, o instinto do seres humanos, nos leva à atração. Agora, somos seres humanos, não somos animais irracionais. Devemos articular as nossas ações, que são razão e não-razão. Daí a importância de vivermos numa sociedade que tenha claro, como valor social e jurídico, o não-incesto. Qual é a primeira ação tipificada como crime na sociedade? O incesto. As pessoas têm que se organizar internamente, saber que uma sociedade civilizada repudia não só o incesto, mas qualquer violência sexual contra as mulheres, sejam elas pequenininhas, adolescentes, mulheres maduras ou idosas.
São muitos os casos de violência sexual contra mulheres idosas?
Em dados numéricos, não. Mas existe sim. Algumas pesquisas mostram que o estuprador compulsivo violenta a primeira mulher que aparece. Claro que as bonitas estão mais vulneráveis, e as crianças mais ainda, isso em todas as sociedades. Na ONU, venho falando muito nesse tema e vejo que minhas palavras causam mal-estar porque as pessoas não querem dar nome às coisas. A primeira coisa que devemos fazer quando descobrimos um problema é nomeá-lo.
A violência sexual permeia todas as camadas sociais?
Várias colegas minhas da área de psicologia e alguns de pesquisas dizem que é provável que os dados mostrando alta incidência de estupro nas camadas menos favorecidas têm relação com a menor intimidade delas. Nas camadas sociais mais altas, as questões vão para os divãs dos psicólogos e psiquiatras. Muitas mulheres de classe média alta podem não ter contado o que viveram aos maridos, mas certamente o fizeram aos seus terapeutas. O importante é lembrar que a divisão entre o mundo privado e o público sempre existiu, mas essa divisão foi questionada em termos históricos pelas mulheres feministas. Elas perceberam que o historicamente privado não pode continuar a sê-lo porque as maiores violências que acontecem contra as mulheres se dão dentro de casa. E em todas as camadas sociais.
Uma maior educação pode diminuir a incidência desse crime?
Não existe nenhuma pesquisa sobre isso. Na minha percepção, a educação precisa ter um papel nisso tudo, que é o de contribuir para o domínio sobre os próprios instintos.
Há dados a respeito de violência sexual praticada por médicos?
Eu desconheço. Talvez procurando no Conselho Federal de Medicina… O que posso dizer é que nunca vi ninguém fazer intervenção cirúrgica sem ter um assistente. Mas muitas pessoas não querem perder o emprego. Ao mesmo tempo, a mulher dizer que um médico tentou uma violência sexual contra ela é muito difícil. O parceiro sempre pode ter dúvida. Não é que o cara seja louco, mas isso está consoante com a maneira de se interpretar o fenômeno que mencionamos anteriormente. Além de se sentir culpada por causa do marido, ela se percebe muito coitada, fica fragilizada, machucada no âmago.
O estupro é a forma mais intensa de submissão?
Sim, é a forma mais intensa de submissão, uma arma muito usada na guerra, inclusive. O inimigo acaba com a autoestima da outra parte. As mulheres estupradas perdem a autoestima, seus maridos também, seus pais idem. Veja você o caso congolês. Há um filme chamado Rape in Congo, que foi passado para nós na última reunião da ONU. É uma grita geral porque os homens estão sendo estuprados. É óbvio que estou de acordo com que a gente grite por eles, mas por que não gritam igualmente pelas mulheres estupradas? Lembra-se das comfort women, famosas na 2ª Guerra Mundial? Justificou o ódio de uma grande região da Ásia em relação aos japoneses, que tomavam as meninas dos povos conquistados e as levavam aos locais onde estavam os guerreiros para que servissem de prostitutas. Têm sido feitos livros e pesquisas para que essas mulheres contem suas histórias.
Além do Congo, que outro caso recente de violência sexual foi ouvido pela ONU?
Foi um caso que envolve liberianos num campo de refugiados no Arizona (EUA). Uma menina liberiana de 9 anos foi estuprada por liberianos. Quando a família soube do fato, pôs a menina pra fora de casa. A Libéria tem uma presidente mulher. Ela se manifestou publicamente fazendo o seguinte: passou uma mensagem à família da menina dizendo que ela não poderia ter feito isso, mas passou outra ao governo do Estado americano no sentido de que deem a esses rapazes estupradores a possibilidade de se reinserirem culturalmente na sociedade. Como recebemos a Libéria exatamente agora, levantei o tema. Foi lembrado pela delegação deles que deveríamos considerar que o país ficou 14 anos em guerra civil e que ambas as facções ou grupos que brigavam entre si, partidos políticos que sejam, estupravam as mulheres da outra facção. O que estou verificando pouco a pouco é que o estupro em conflitos armados é um dos problemas mais universais e um dos que mais precisam ser trabalhados.
E como o Comitê Cedaw lida com esses casos?
Bom, nós lidamos diretamente com todos os países que ratificaram a Comissão da Mulher. Eles são obrigados a nos entregar relatórios de cumprimento dos 16 artigos de substância sobre os direitos femininos, dizendo o que fizeram e o que deixaram de fazer e apontando os obstáculos. Nós analisamos esses relatórios e encaminhamos perguntas a eles. Depois chamamos os representantes desses países e mantemos um dia inteiro de diálogo construtivo. Nesse trabalho na ONU, aprendi muito escutando grupos de ONGs que trouxeram mulheres violentadas. Vi que o curative rape ainda vigora em algumas regiões do mundo, em diferentes versões. Numa delas, meninas que chegam à puberdade e ainda não definiram sua sexualidade são violentadas para que optem pela heterossexualidade. Já em alguns grupos étnicos do Laos, as meninas são disponibilizadas para o estupro coletivo e até agradecem por isso. Se não forem estupradas, não viverão além de 35 anos. Acho que nenhuma sobrou para contar história diferente. Já na região da Mauritânia as meninas, quando fazem 9 anos, são amarradas a uma cadeira durante o dia. Em volta são colocados 18 litros de leite, uma quantidade enorme de cereais, isto e aquilo, para que engordem até 120, 130 quilos. Quando atingem esse peso, estariam no ponto para serem dadas aos seus esposos. Qual é a crença? Quanto maior forem, maior será o tamanho do lugar que ocuparão no coração do marido. O que cada vez mais aprendo dessas situações horrorosas a que as mulheres são submetidas é que há sempre uma justificativa comum: a sublimação é boa para a sociedade.
Lula e a crise
No início do ano, aí pelo mês de fevereiro, a grande imprensa e setores da oposição tomaram uma frase de Lula a respeito do significado da crise financeira mundia ("uma marolinha") como mote para um ataque generalizado ao Governo e às suas políticas econômicas, fiscais e sociais. Menos de um ano, a mesma grande imprensa, sem nenhuma mea culpa, chama-nos a atenção para o fato de que (pasmem!) o Brasil estaria maior depois da crise. Acompanhe a cobertura de hoje e trechos do que foi a grande orquestração de seis meses atrás.
HOJE
Um ano depois, Brasil passa no teste e sai da crise maior do que entrou
Para especialistas, avanço do País e de outros emergentes é uma das características do mundo pós-crise
Fernando Dantas - O Estado SP
O Brasil saiu da turbulência global maior do que entrou. Às vésperas do mês em que se completa um ano da crise iniciada com a concordata do Lehman Brothers, em 15 de setembro, o otimismo com o País tornou-se consensual. “O fato de que o Brasil passou tão bem pela crise tinha mesmo de instilar confiança”, diz Kenneth Rogoff, da Universidade Harvard, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI). Para Jim O’Neill, do Goldman Sachs, e criador da expressão Bric (o grupo de grandes países emergentes, Brasil, Rússia, Índia e China), “o Brasil passou por essa crise extremamente bem, e pode crescer a um ritmo de 5% nos próximos anos”.
O crescimento de importância do Brasil e de outras economias emergentes é uma das características do novo mundo surgido com a crise econômica. Para comentar essa e várias outras mudanças, o Estado ouviu oito grandes economistas estrangeiros e brasileiros: Rogoff; O?Neill; Barry Einchengreen, da Universidade de Berkeley; José Alexandre Scheinkman, de Princeton; Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central (BC) e sócio gestor do Gávea Investimentos; Edmar Bacha, consultor sênior do Itaú BBA e codiretor do Instituto de Estudo de Políticas Econômicas - Casa das Garças (Iepe/CdG); Affonso Celso Pastore, consultor e ex-presidente do BC; e Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco.
Pastore observa que a recessão no Brasil foi curta, de apenas dois trimestres, comparada a quatro em países como Estados Unidos, Alemanha e França. Goldfajn nota que há os países que estão saindo da recessão no segundo trimestre e os que estão saindo no terceiro - o Brasil está entre os primeiros, com várias nações asiáticas. “Mesmo no primeiro trimestre, se olhar mês contra mês, há números fortes de crescimento no Brasil”, acrescenta.
Para Goldfajn, a crise foi um teste de estresse para diversos países, no qual alguns passaram, outros não, alguns tiveram nota boa e outros nota ruim. “Acho que o Brasil tirou nota boa, e agora está todo mundo olhando e dizendo ‘esse cara é bom’”, diz Goldfajn.
Uma das principais razões para o sucesso do Brasil em enfrentar a crise, segundo Pastore, é que ela pegou o País com o regime macroeconômico adequado - câmbio flutuante, bom nível de reservas, inflação controlada, superávit primário, dívida pública desdolarizada e caindo em proporção ao Produto Interno Bruto (PIB). Essa solidez combinou-se com o sistema financeiro capitalizado, pouco alavancado, que estava proibido pela regulação de operar com os ativos perigosos, como os títulos estruturados no mercado americano de hipotecas subprime. “Uma das lições da crise é que países que tinham uma abordagem equilibrada da regulação do mercado financeiro, como Brasil, Austrália, Canadá , não tiveram crise bancária”, diz O’Neill.
A política anticíclica, baseada em corte de impostos e ampliação de gastos públicos, também ajudou, embora esta segunda parte seja criticada pelos efeitos de médio prazo. Para Pastore, os aumentos do funcionalismo e do Bolsa-Família tiveram efeitos contracíclicos, mas “por coincidência”, já que foram decididos antes da crise. “O defeito é que, se fosse política contracíclica mesmo, teria de expandir gastos transitórios, e não permanentes.”
Para a maioria dos economistas, o aumento dos gastos públicos correntes reduz o espaço do investimento, e impede que o Brasil cresça a um ritmo ainda mais forte do que os 4% a 5% que estão sendo previstos. “Não é nem preciso dizer que há um monte de coisas que o Brasil poderia fazer para crescer mais rápido”, comenta Rogoff.
De qualquer forma, o sucesso diante da crise jogou o Brasil no radar dos investidores. “À medida que continuarmos a crescer mais que o mundo, é natural que o País receba um aporte muito grande de investimentos estrangeiros diretos”, diz Pastore, acrescentando que eles aumentaram, mesmo com recessão e queda de lucros nos países que sediam as empresas que investem no Brasil.
A contrapartida dos fluxos de capital é o câmbio valorizado e o déficit em conta corrente, o que significa que o mundo está financiando o Brasil para consumir muito (o que implica poupar pouco) e investir ao mesmo tempo. Segundo Goldfajn, os brasileiros serão um dos povos convocados, junto com os asiáticos, a preencher o espaço deixado pelo fim da exuberância do consumidor americano, atolado em dívidas e necessitado de reconstruir seu patrimônio.
ONTEM
“O quixotesco presidente Lula é outro que prefere indicar o caminho de um otimismo imaginário e enganador a aceitar a realidade. Diante da intensidade da crise nos últimos 30 dias, a tentativa de reduzi-la ao tamanho de uma marolinha mostrou-se ridícula. Lula até descreve direitinho a cadeia de acontecimentos: se o cidadão não compra, as vendas caem, as empresas reduzem a produção e o trabalhador perde o emprego. Afinal, é isso que ensinam manuais de economia e é o que está acontecendo. Só que Lula ignora um detalhe poderoso: quem desencadeia a perda de vendas, da produção e do emprego não é o cidadão, mas a pior crise econômica global dos últimos 70 anos. Não serão seus extravagantes conselhos de consumo que irão derrotá-la.” ( O Estado SP - O real e o imaginário na crise 11/01/2009)
*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio (sucaldas@terra.com.br)
***
“A percepção popular é a de que a população está sendo lograda. A história da marolinha pegou e as pessoas estão vendo que o Lula as estava ludibriando”, afirmou Agripino Maia. “Há uma realidade que o governo não foi capaz de enfrentar, de encarar de frente o risco de uma crise interna e externa. A opinião pública está sentido que, na prática, a crise não está sendo verdadeiramente enfrentada”, disse Sérgio Guerra. (O Estado SP - Para oposição, crise derrubou aprovação ao governo Lula 30/03/2009)
***
“Os brasileiros, portanto, ainda acreditam em Papai Noel e que a crise é só uma marolinha, enquanto o tsunami devora 1,2 milhão de vagas em três meses e 533 mil num único mês nos EUA. E está vindo.
Isso demonstra má informação e confiança quase mística em Lula.”
ELIANE CANTANHÊDE (Folha Sp - Bota tsunami nisso! 7/12/2008)
***
O governo perdeu a chance de preparar o Brasil para a crise. Num aspecto, estamos piores do que a própria Argentina, que não tem déficit na conta corrente do balanço de pagamentos nem déficit fiscal.
“A crise é do Bush, não é minha”.
“Aqui, se a crise chegar, vai ser uma marolinha”. O talento do presidente Lula para se esquivar de responsabilidades é conhecido. Mas o país depende agora de duas habilidades que seu governo ainda não mostrou: firmeza e competência para tomar decisões difíceis e capacidade de negociação transparente e baseada no interesse nacional.
SÉRGIO GUERRA , economista, é senador da República pelo PSDB-PE e presidente nacional do PSDB. (Folha SP - Uma crise (inter) nacional 14/10/2008)
HOJE
Um ano depois, Brasil passa no teste e sai da crise maior do que entrou
Para especialistas, avanço do País e de outros emergentes é uma das características do mundo pós-crise
Fernando Dantas - O Estado SP
O Brasil saiu da turbulência global maior do que entrou. Às vésperas do mês em que se completa um ano da crise iniciada com a concordata do Lehman Brothers, em 15 de setembro, o otimismo com o País tornou-se consensual. “O fato de que o Brasil passou tão bem pela crise tinha mesmo de instilar confiança”, diz Kenneth Rogoff, da Universidade Harvard, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI). Para Jim O’Neill, do Goldman Sachs, e criador da expressão Bric (o grupo de grandes países emergentes, Brasil, Rússia, Índia e China), “o Brasil passou por essa crise extremamente bem, e pode crescer a um ritmo de 5% nos próximos anos”.
O crescimento de importância do Brasil e de outras economias emergentes é uma das características do novo mundo surgido com a crise econômica. Para comentar essa e várias outras mudanças, o Estado ouviu oito grandes economistas estrangeiros e brasileiros: Rogoff; O?Neill; Barry Einchengreen, da Universidade de Berkeley; José Alexandre Scheinkman, de Princeton; Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central (BC) e sócio gestor do Gávea Investimentos; Edmar Bacha, consultor sênior do Itaú BBA e codiretor do Instituto de Estudo de Políticas Econômicas - Casa das Garças (Iepe/CdG); Affonso Celso Pastore, consultor e ex-presidente do BC; e Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco.
Pastore observa que a recessão no Brasil foi curta, de apenas dois trimestres, comparada a quatro em países como Estados Unidos, Alemanha e França. Goldfajn nota que há os países que estão saindo da recessão no segundo trimestre e os que estão saindo no terceiro - o Brasil está entre os primeiros, com várias nações asiáticas. “Mesmo no primeiro trimestre, se olhar mês contra mês, há números fortes de crescimento no Brasil”, acrescenta.
Para Goldfajn, a crise foi um teste de estresse para diversos países, no qual alguns passaram, outros não, alguns tiveram nota boa e outros nota ruim. “Acho que o Brasil tirou nota boa, e agora está todo mundo olhando e dizendo ‘esse cara é bom’”, diz Goldfajn.
Uma das principais razões para o sucesso do Brasil em enfrentar a crise, segundo Pastore, é que ela pegou o País com o regime macroeconômico adequado - câmbio flutuante, bom nível de reservas, inflação controlada, superávit primário, dívida pública desdolarizada e caindo em proporção ao Produto Interno Bruto (PIB). Essa solidez combinou-se com o sistema financeiro capitalizado, pouco alavancado, que estava proibido pela regulação de operar com os ativos perigosos, como os títulos estruturados no mercado americano de hipotecas subprime. “Uma das lições da crise é que países que tinham uma abordagem equilibrada da regulação do mercado financeiro, como Brasil, Austrália, Canadá , não tiveram crise bancária”, diz O’Neill.
A política anticíclica, baseada em corte de impostos e ampliação de gastos públicos, também ajudou, embora esta segunda parte seja criticada pelos efeitos de médio prazo. Para Pastore, os aumentos do funcionalismo e do Bolsa-Família tiveram efeitos contracíclicos, mas “por coincidência”, já que foram decididos antes da crise. “O defeito é que, se fosse política contracíclica mesmo, teria de expandir gastos transitórios, e não permanentes.”
Para a maioria dos economistas, o aumento dos gastos públicos correntes reduz o espaço do investimento, e impede que o Brasil cresça a um ritmo ainda mais forte do que os 4% a 5% que estão sendo previstos. “Não é nem preciso dizer que há um monte de coisas que o Brasil poderia fazer para crescer mais rápido”, comenta Rogoff.
De qualquer forma, o sucesso diante da crise jogou o Brasil no radar dos investidores. “À medida que continuarmos a crescer mais que o mundo, é natural que o País receba um aporte muito grande de investimentos estrangeiros diretos”, diz Pastore, acrescentando que eles aumentaram, mesmo com recessão e queda de lucros nos países que sediam as empresas que investem no Brasil.
A contrapartida dos fluxos de capital é o câmbio valorizado e o déficit em conta corrente, o que significa que o mundo está financiando o Brasil para consumir muito (o que implica poupar pouco) e investir ao mesmo tempo. Segundo Goldfajn, os brasileiros serão um dos povos convocados, junto com os asiáticos, a preencher o espaço deixado pelo fim da exuberância do consumidor americano, atolado em dívidas e necessitado de reconstruir seu patrimônio.
ONTEM
“O quixotesco presidente Lula é outro que prefere indicar o caminho de um otimismo imaginário e enganador a aceitar a realidade. Diante da intensidade da crise nos últimos 30 dias, a tentativa de reduzi-la ao tamanho de uma marolinha mostrou-se ridícula. Lula até descreve direitinho a cadeia de acontecimentos: se o cidadão não compra, as vendas caem, as empresas reduzem a produção e o trabalhador perde o emprego. Afinal, é isso que ensinam manuais de economia e é o que está acontecendo. Só que Lula ignora um detalhe poderoso: quem desencadeia a perda de vendas, da produção e do emprego não é o cidadão, mas a pior crise econômica global dos últimos 70 anos. Não serão seus extravagantes conselhos de consumo que irão derrotá-la.” ( O Estado SP - O real e o imaginário na crise 11/01/2009)
*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio (sucaldas@terra.com.br)
***
“A percepção popular é a de que a população está sendo lograda. A história da marolinha pegou e as pessoas estão vendo que o Lula as estava ludibriando”, afirmou Agripino Maia. “Há uma realidade que o governo não foi capaz de enfrentar, de encarar de frente o risco de uma crise interna e externa. A opinião pública está sentido que, na prática, a crise não está sendo verdadeiramente enfrentada”, disse Sérgio Guerra. (O Estado SP - Para oposição, crise derrubou aprovação ao governo Lula 30/03/2009)
***
“Os brasileiros, portanto, ainda acreditam em Papai Noel e que a crise é só uma marolinha, enquanto o tsunami devora 1,2 milhão de vagas em três meses e 533 mil num único mês nos EUA. E está vindo.
Isso demonstra má informação e confiança quase mística em Lula.”
ELIANE CANTANHÊDE (Folha Sp - Bota tsunami nisso! 7/12/2008)
***
O governo perdeu a chance de preparar o Brasil para a crise. Num aspecto, estamos piores do que a própria Argentina, que não tem déficit na conta corrente do balanço de pagamentos nem déficit fiscal.
“A crise é do Bush, não é minha”.
“Aqui, se a crise chegar, vai ser uma marolinha”. O talento do presidente Lula para se esquivar de responsabilidades é conhecido. Mas o país depende agora de duas habilidades que seu governo ainda não mostrou: firmeza e competência para tomar decisões difíceis e capacidade de negociação transparente e baseada no interesse nacional.
SÉRGIO GUERRA , economista, é senador da República pelo PSDB-PE e presidente nacional do PSDB. (Folha SP - Uma crise (inter) nacional 14/10/2008)
sábado, 29 de agosto de 2009
A JUDICIALIZAÇÃO DA VIDA POLÍTICA
Acho completamente desastroso, para a ampliação dos espaços públicos e a construção da democracia no Brasil, o avanço do judiciário sobre as mais diversas esferas da vida social. Na vida política, mas também no cotidiano de instituições como a Universidade, lidamos, cada vez mais, com interferências do judiciário. A análise abaixo, feita pelo jornalista Alon Feuerwecker, toca em pontos importantes dessa delicada questão. Vale a pena conferir!
SEXTA-FEIRA, 28 DE AGOSTO DE 2009
Alon Feuerwerker
Nem o espetáculo como punição? (28/08)
Caminhamos para uma situação de poucos controles, ou nenhum. Sobra o controle do próprio príncipe. Uma contradição em termos. Quando só resta o poder para controlar o próprio poder, é sinal de que alguma coisa vai mal
Há algo de desajustado num país quando o terreno da disputa pelo poder passa progressivamente à esfera da Justiça. Ontem, as atenções do mundo político estavam voltadas para o Supremo Tribunal Federal (STF), que decidia sobre aceitar ou não a denúncia do procurador-geral da República contra o deputado federal e ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci. Disso dependiam alguns caminhos da refrega eleitoral no ano que vem.
Mas não é só. Um punhado de governadores percorrem o mandato à espera da decisão final dos tribunais, para saber se vão completar os quatro anos no cargo ou serão trocados pelos adversários vencidos nas urnas. Verdade que há argumento jurídico a embasar a posse dos derrotados, tanto que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) assim vem decidindo. Mas soa antinatural. Como explicar ao cidadão comum que quem ganhou a eleição simplesmente vai ser substituído pelo que perdeu? Não seria melhor fazer outra eleição?
Por que chegamos ao atual estado de judicialização? Os otimistas dirão que é manifestação da crescente eficiência dos controles sobre os políticos. Já os pessimistas argumentarão que é sinal apenas de uma, cada vez maior, preferência dos políticos por hábitos que se chocam com o ordenamento legal. É possível que ambos —pessimistas e otimistas— tenham uma parte da razão. Há mesmo uma forte pressão social para reforçar as amarras legais sobre as figuras públicas. E anda cada vez mais difícil achar um político que não esteja às voltas com alguma consequência de ter afrontado a lei.
Mas quem tem mais razão? Os pessimistas ou os otimistas? O senso comum supõe que é impossível o sujeito passar pelo poder e não ser alvejado por acusações, denúncias e processos. Mas o mesmo senso comum garante: a coisa mais difícil de achar é político condenado em última instância por crimes cometidos no exercício do cargo.
Assim, o que resta à sociedade como forma de controle e punição é o espetáculo. Algo que só pode ser exercido na esfera da opinião pública. Pode-se resumir assim: “Já que no final não vai dar em nada mesmo, vamos malhar o Judas aqui e agora. Talvez não saibamos por que estamos batendo, mas eles certamente saberão por que estão apanhando”.
Parece-lhe algo selvagem? Pois é. Assim se faz no Brasil o controle social sobre a política (além do voto, claro): malhando os Judas. Daí a frustração com o desfecho, até agora, da crise do Senado. Como o cidadão sabe que no fim das contas os atos administrativos condenáveis devem ficar por isso mesmo, restar-lhe-ia a satisfação de ver o presidente da Casa, José Sarney, percorrer a via crucis do Conselho de Ética e de uma votação em plenário, com o sofrimento decorrente. Nem isso o eleitor vai ter. Os políticos festejam. Já os mais prudentes esperam para ver como será a reação da rua.
Os anos 1990 assistiram aqui à construção de uma cultura política, cujo paradigma foi o impeachment do então presidente Fernando Collor. A ideia de democracia ficou associada ao poder dado à opinião pública para colocar freios e limites aos políticos. Mas, pelo abuso desse poder ou por cansaço, ou então pela emergência de um presidente da República suficientemente forte para se contrapor a essa hegemonia, o fato é que caminhamos para uma situação de poucos controles, ou de controle nenhum.
Sobra o controle do próprio príncipe. Uma contradição em termos. Quando só resta o poder para controlar o próprio poder, é sinal de que alguma coisa vai mal
No jogo
O STF reintroduziu ontem Antonio Palocci na disputa por cargos majoritários em 2010. Há dúvidas sobre o efeito do Caso Francenildo numa campanha. Como o eleitor reagirá a propaganda que explore o “drama do homem comum do povo que enfrentou os poderosos mas deu-se mal”?
Difícil prever com certeza. Até porque Palocci sempre terá a seu favor o argumento de que, afinal, a Justiça concluiu que ele nada teve a ver com a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo.
Meu palpite? Se Palocci for mesmo candidato em 2010, isso não terá qualquer efeito no resultado da disputa.
SEXTA-FEIRA, 28 DE AGOSTO DE 2009
Alon Feuerwerker
Nem o espetáculo como punição? (28/08)
Caminhamos para uma situação de poucos controles, ou nenhum. Sobra o controle do próprio príncipe. Uma contradição em termos. Quando só resta o poder para controlar o próprio poder, é sinal de que alguma coisa vai mal
Há algo de desajustado num país quando o terreno da disputa pelo poder passa progressivamente à esfera da Justiça. Ontem, as atenções do mundo político estavam voltadas para o Supremo Tribunal Federal (STF), que decidia sobre aceitar ou não a denúncia do procurador-geral da República contra o deputado federal e ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci. Disso dependiam alguns caminhos da refrega eleitoral no ano que vem.
Mas não é só. Um punhado de governadores percorrem o mandato à espera da decisão final dos tribunais, para saber se vão completar os quatro anos no cargo ou serão trocados pelos adversários vencidos nas urnas. Verdade que há argumento jurídico a embasar a posse dos derrotados, tanto que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) assim vem decidindo. Mas soa antinatural. Como explicar ao cidadão comum que quem ganhou a eleição simplesmente vai ser substituído pelo que perdeu? Não seria melhor fazer outra eleição?
Por que chegamos ao atual estado de judicialização? Os otimistas dirão que é manifestação da crescente eficiência dos controles sobre os políticos. Já os pessimistas argumentarão que é sinal apenas de uma, cada vez maior, preferência dos políticos por hábitos que se chocam com o ordenamento legal. É possível que ambos —pessimistas e otimistas— tenham uma parte da razão. Há mesmo uma forte pressão social para reforçar as amarras legais sobre as figuras públicas. E anda cada vez mais difícil achar um político que não esteja às voltas com alguma consequência de ter afrontado a lei.
Mas quem tem mais razão? Os pessimistas ou os otimistas? O senso comum supõe que é impossível o sujeito passar pelo poder e não ser alvejado por acusações, denúncias e processos. Mas o mesmo senso comum garante: a coisa mais difícil de achar é político condenado em última instância por crimes cometidos no exercício do cargo.
Assim, o que resta à sociedade como forma de controle e punição é o espetáculo. Algo que só pode ser exercido na esfera da opinião pública. Pode-se resumir assim: “Já que no final não vai dar em nada mesmo, vamos malhar o Judas aqui e agora. Talvez não saibamos por que estamos batendo, mas eles certamente saberão por que estão apanhando”.
Parece-lhe algo selvagem? Pois é. Assim se faz no Brasil o controle social sobre a política (além do voto, claro): malhando os Judas. Daí a frustração com o desfecho, até agora, da crise do Senado. Como o cidadão sabe que no fim das contas os atos administrativos condenáveis devem ficar por isso mesmo, restar-lhe-ia a satisfação de ver o presidente da Casa, José Sarney, percorrer a via crucis do Conselho de Ética e de uma votação em plenário, com o sofrimento decorrente. Nem isso o eleitor vai ter. Os políticos festejam. Já os mais prudentes esperam para ver como será a reação da rua.
Os anos 1990 assistiram aqui à construção de uma cultura política, cujo paradigma foi o impeachment do então presidente Fernando Collor. A ideia de democracia ficou associada ao poder dado à opinião pública para colocar freios e limites aos políticos. Mas, pelo abuso desse poder ou por cansaço, ou então pela emergência de um presidente da República suficientemente forte para se contrapor a essa hegemonia, o fato é que caminhamos para uma situação de poucos controles, ou de controle nenhum.
Sobra o controle do próprio príncipe. Uma contradição em termos. Quando só resta o poder para controlar o próprio poder, é sinal de que alguma coisa vai mal
No jogo
O STF reintroduziu ontem Antonio Palocci na disputa por cargos majoritários em 2010. Há dúvidas sobre o efeito do Caso Francenildo numa campanha. Como o eleitor reagirá a propaganda que explore o “drama do homem comum do povo que enfrentou os poderosos mas deu-se mal”?
Difícil prever com certeza. Até porque Palocci sempre terá a seu favor o argumento de que, afinal, a Justiça concluiu que ele nada teve a ver com a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo.
Meu palpite? Se Palocci for mesmo candidato em 2010, isso não terá qualquer efeito no resultado da disputa.
De volta, mas sem pressa...
Ok. De volta. Com o pé no acelerador. Estive fora por uns dias. Fui participar de uma banca de mestrado no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Goiás. Uma atividade gratificante. O título do trabalho defendido era "O mercado da segurança privada: a construção de uma abordagem a partir da sociologia econômica". O autor do trabalho, Flávio Sérgio de Oliveira Vilar, demonstra competência e capacidade de continuar adiante na vida acadêmica. Sua orientadora, a Professora Dalva Maria Borges de Lima Sousa, é uma intelectual sofisticada e uma figura humana cativante. Mostrou um pouco da bela Goiânia a este capiau. De quebra, conheci o Professor Pedro Célio Alves Borges, um cientista político atilado. Era um dos membros da banca e fez considerações críticas e pertinentes. Ex-militante do Movimento Estudantil, mais precisamente da corrente Unidade (ligada ao antigo PCB), é amigo do meu colega João Emanuel Evangelista de Oliveira.
Bueno, estou de volta, mas sem pressa. Tive um infecçãozinha e ainda estou funcionando pela metade. Logo, logo, voltarei com todo o gás.
Bueno, estou de volta, mas sem pressa. Tive um infecçãozinha e ainda estou funcionando pela metade. Logo, logo, voltarei com todo o gás.
quarta-feira, 26 de agosto de 2009
Alucinando Bourdieu: a estética do dinheiro da nova classe média brasileira.
Há uma nova classe média no Brasil. Ela emergiu nos últimos anos, embalada no crescimento econômico e na ampliação das políticas sociais do Governo Lula.
Crescimento econômico? Mas ele não foi pífio? Ora, você lê o mundo pelas lentes dos comentaristas econômicos? Crescimento, sim, claro. Não em índices chineses, por certo, mas ainda assim significativo. E por que significativo? Porque, nestas plagas, por um conjunto de demandas historicamente represadas (como aquelas expressas nos setores da construção civil e dos equipamentos domésticos básicos), um crescimento de 1% impacta tanto ou mais do que o crescimento de 6% em países nos quais o déficit de cidadania social é menor.
Que nova classe é essa? É constituída, em sua maioria, por ascendentes, pelos que ralaram muito. Pelos que foram adiante, em especial, por atividades desenvolvidas na iniciativa privada (em particular, naquela zona liminar entre a informalidade, a ilegalidade e a economia oficial). E eles invadiram a praia dos tradicionais e estão a perturbar o sono dos que se achavam garantidos em sua vã superioridade hierárquica.
Os membros da nova classe média querem coisas (artefatos, roupas, carros, celulares, etc.), casas remodeladas (olha aí o impacto na oferta de empregos) e alimentos para o corpo e para alma. Mas sem demora, tá? Como o cultivo do corpo em academia exige tempo, paciência e disciplina, algo que eles, com a pressa de conquistar um lugar ao sol, não têm, partem para as cirurgias plásticas nos açougues da nossa pujante medicina de mercado. E, para sufocar a culpa pela picanha do domingo e das pizzas e sandubas de todas as noites, dá-lhes iogurtes com danreguladores. Vá em qualquer supermercado e você irá notar a expansão desmedida das prateleiras destinadas aos “dans”...
Sim, sim, a nova classe média quer picanha e livro de auto-ajuda. Cerveja e CDs do Padre Fábio e da Aline Barros. Whisky e cirurgia plástica. Cabelos pintados, piercings e tatuagens. Viagens para Miami e um diploma universitário (se for de uma universidade pública, bom, mas, se não der, pode ser de um curso à distância de alguma fábrica de diplomas situada nos pampas gaúchos).
Eles e elas, como todos nós, anseiam por reconhecimento. Algo que lhes esteve sempre negado. E descobriram que o dinheiro é o caminho mais curto – e talvez o único que lhes reste – para sair da invisibilidade a que estiveram até agora condenados. E aí fazem a farra e incomodam – e como! – as classes médias tradicionais. Estas não os suportam, mas, azar!, têm que dividir seus shoppings, praias e aviões com eles. Não raro, cenas de preconceito explícito emergem com as sutilezas de sempre nessa terra tão cordial. E aí emerge uma crítica burguesa aos novos consumidores.
Como as mudanças não ocorrem de forma isolada, os tradicionais (que sonham em ser burgueses ou burgueses mesmos que se sonham refinados e de estirpe e não netos de senhores de escravos) se redefinem. E aí Pierre Bourdieu, a referência de dez entre dez cientistas sociais que buscam apreender as diferenças culturais entre classes, comparece com as suas observações para dar conta dos processos de distinção abaixo da Linha do Equador. Mas os trópicos, mais do que demodés, como definiu em obra seminal o nosso santo padroeiro, são acima de tudo lisérgicos. Alucinam mesmo, até um Bourdieu...
Mais do que distinção, como teimaria em propor um passional leitor do sociólogo francês, o que temos é a universalização dessa nova estética. A estética do dinheiro. Uma estética cujo horizonte, como direi?, “ético” é a rapidez. Aí os tradicionais precisam construir, para ontem, uma distinção. E dá-lhe pedagogia do consumo chique. Em cada esquina, uma Glorinha Kalil nos espreita. Em cada tela, um Renato Machado a nos falar da maneira correta de degustar um vinho.
Em Natal, cidade orgulhosa de sua modernidade (“temos restaurantes de primeiro mundo por aqui..”, dizem-me, com incontida alegria, alguns dos meus interlocutores), surge uma revista especializada em gastronomia a cada lua cheia. E dá-lhe revistas especializadas em consumo conspícuo. Custeadas por restaurantes que ofertam comidas tão caras e pretensiosas quanto ruins...
Colunas de vinho? Todo jornaleco tem uma em Natal. E revistas especializadas, destinadas aos VIPs, são lançadas com mais freqüência do que foguetes na Barreira do Inferno.
O que eu escrevi acima também não é muito lisonjeiro, não é mesmo? Mas quem disse que eu tenho sempre que ser politicamente correto? Bom, deixemos considerações menores de lado e vamos ao principal: há uma nova classe média emergindo no espaço social e ela vem impondo uma nova estética nas nossas paisagens. Este o ponto!
Bom. Essa nova estética de classe média, que os de cima, e de forma um tanto quanto invertida, a reproduzem, alicerça-se em uma consigna tão simples que foge à compreensão de nossos experts em cultura formatados por Sorbonne ou Harvard: de que adianta ter algum dinheiro, se não for para todo mundo saber?
E o dinheiro traz o belo. E o que é belo no universo da nova classe média? Vejamos... Ora, ora, beleza é uma loira (mesmo que de farmácia) toda siliconada. Belo é um bad boy tatuado balançando as chaves de um off Road. Cultivo do espírito? Ah, isso é ouvir a Aline Barros ou Padre Fábio. Arte? Arte é Calcinha Preta cantando “Você não vale nada, mas eu gosto de você...”
E a TV LCD novinha em folha, comprada em 24 prestações, serve prá que? Prá adquirir um pacote promocional daquela TV paga. E TV paga, sabes bem, é para assistir a nova temporada de Prision Break...
Ler? Ler mesmo só a Bíblia e os livros de auto-ajuda. A nova classe média realiza a consigna da campanha de Lula em 1989: não tem medo de ser feliz... Não precisa se esforçar, como os tradicionais, para fazer caras e bocas e demonstrar que leu e entendeu “Kant e o Ornitorrico”, do Umberto Eco.
A nova classe média, ao seu modo, é sentimental. Vai às lágrimas com as lições de vida da Ana Maria Braga. E ri emocionada com as sandices do Louro José. E delira nos shows do Roberto Carlos, se der. Mas, acompanha com ódio e admiração, as tragedias familiares televisionadas pela Tvs Record e SBT. Que o diga a audiência alcançada pelos deslocamentos do casal Nardoni...
O que essa nova classe média vai fazer com o se voto no próximo ano? Quem decifrá-la pode evitar ser massacrado nas urnas por ela...
Crescimento econômico? Mas ele não foi pífio? Ora, você lê o mundo pelas lentes dos comentaristas econômicos? Crescimento, sim, claro. Não em índices chineses, por certo, mas ainda assim significativo. E por que significativo? Porque, nestas plagas, por um conjunto de demandas historicamente represadas (como aquelas expressas nos setores da construção civil e dos equipamentos domésticos básicos), um crescimento de 1% impacta tanto ou mais do que o crescimento de 6% em países nos quais o déficit de cidadania social é menor.
Que nova classe é essa? É constituída, em sua maioria, por ascendentes, pelos que ralaram muito. Pelos que foram adiante, em especial, por atividades desenvolvidas na iniciativa privada (em particular, naquela zona liminar entre a informalidade, a ilegalidade e a economia oficial). E eles invadiram a praia dos tradicionais e estão a perturbar o sono dos que se achavam garantidos em sua vã superioridade hierárquica.
Os membros da nova classe média querem coisas (artefatos, roupas, carros, celulares, etc.), casas remodeladas (olha aí o impacto na oferta de empregos) e alimentos para o corpo e para alma. Mas sem demora, tá? Como o cultivo do corpo em academia exige tempo, paciência e disciplina, algo que eles, com a pressa de conquistar um lugar ao sol, não têm, partem para as cirurgias plásticas nos açougues da nossa pujante medicina de mercado. E, para sufocar a culpa pela picanha do domingo e das pizzas e sandubas de todas as noites, dá-lhes iogurtes com danreguladores. Vá em qualquer supermercado e você irá notar a expansão desmedida das prateleiras destinadas aos “dans”...
Sim, sim, a nova classe média quer picanha e livro de auto-ajuda. Cerveja e CDs do Padre Fábio e da Aline Barros. Whisky e cirurgia plástica. Cabelos pintados, piercings e tatuagens. Viagens para Miami e um diploma universitário (se for de uma universidade pública, bom, mas, se não der, pode ser de um curso à distância de alguma fábrica de diplomas situada nos pampas gaúchos).
Eles e elas, como todos nós, anseiam por reconhecimento. Algo que lhes esteve sempre negado. E descobriram que o dinheiro é o caminho mais curto – e talvez o único que lhes reste – para sair da invisibilidade a que estiveram até agora condenados. E aí fazem a farra e incomodam – e como! – as classes médias tradicionais. Estas não os suportam, mas, azar!, têm que dividir seus shoppings, praias e aviões com eles. Não raro, cenas de preconceito explícito emergem com as sutilezas de sempre nessa terra tão cordial. E aí emerge uma crítica burguesa aos novos consumidores.
Como as mudanças não ocorrem de forma isolada, os tradicionais (que sonham em ser burgueses ou burgueses mesmos que se sonham refinados e de estirpe e não netos de senhores de escravos) se redefinem. E aí Pierre Bourdieu, a referência de dez entre dez cientistas sociais que buscam apreender as diferenças culturais entre classes, comparece com as suas observações para dar conta dos processos de distinção abaixo da Linha do Equador. Mas os trópicos, mais do que demodés, como definiu em obra seminal o nosso santo padroeiro, são acima de tudo lisérgicos. Alucinam mesmo, até um Bourdieu...
Mais do que distinção, como teimaria em propor um passional leitor do sociólogo francês, o que temos é a universalização dessa nova estética. A estética do dinheiro. Uma estética cujo horizonte, como direi?, “ético” é a rapidez. Aí os tradicionais precisam construir, para ontem, uma distinção. E dá-lhe pedagogia do consumo chique. Em cada esquina, uma Glorinha Kalil nos espreita. Em cada tela, um Renato Machado a nos falar da maneira correta de degustar um vinho.
Em Natal, cidade orgulhosa de sua modernidade (“temos restaurantes de primeiro mundo por aqui..”, dizem-me, com incontida alegria, alguns dos meus interlocutores), surge uma revista especializada em gastronomia a cada lua cheia. E dá-lhe revistas especializadas em consumo conspícuo. Custeadas por restaurantes que ofertam comidas tão caras e pretensiosas quanto ruins...
Colunas de vinho? Todo jornaleco tem uma em Natal. E revistas especializadas, destinadas aos VIPs, são lançadas com mais freqüência do que foguetes na Barreira do Inferno.
O que eu escrevi acima também não é muito lisonjeiro, não é mesmo? Mas quem disse que eu tenho sempre que ser politicamente correto? Bom, deixemos considerações menores de lado e vamos ao principal: há uma nova classe média emergindo no espaço social e ela vem impondo uma nova estética nas nossas paisagens. Este o ponto!
Bom. Essa nova estética de classe média, que os de cima, e de forma um tanto quanto invertida, a reproduzem, alicerça-se em uma consigna tão simples que foge à compreensão de nossos experts em cultura formatados por Sorbonne ou Harvard: de que adianta ter algum dinheiro, se não for para todo mundo saber?
E o dinheiro traz o belo. E o que é belo no universo da nova classe média? Vejamos... Ora, ora, beleza é uma loira (mesmo que de farmácia) toda siliconada. Belo é um bad boy tatuado balançando as chaves de um off Road. Cultivo do espírito? Ah, isso é ouvir a Aline Barros ou Padre Fábio. Arte? Arte é Calcinha Preta cantando “Você não vale nada, mas eu gosto de você...”
E a TV LCD novinha em folha, comprada em 24 prestações, serve prá que? Prá adquirir um pacote promocional daquela TV paga. E TV paga, sabes bem, é para assistir a nova temporada de Prision Break...
Ler? Ler mesmo só a Bíblia e os livros de auto-ajuda. A nova classe média realiza a consigna da campanha de Lula em 1989: não tem medo de ser feliz... Não precisa se esforçar, como os tradicionais, para fazer caras e bocas e demonstrar que leu e entendeu “Kant e o Ornitorrico”, do Umberto Eco.
A nova classe média, ao seu modo, é sentimental. Vai às lágrimas com as lições de vida da Ana Maria Braga. E ri emocionada com as sandices do Louro José. E delira nos shows do Roberto Carlos, se der. Mas, acompanha com ódio e admiração, as tragedias familiares televisionadas pela Tvs Record e SBT. Que o diga a audiência alcançada pelos deslocamentos do casal Nardoni...
O que essa nova classe média vai fazer com o se voto no próximo ano? Quem decifrá-la pode evitar ser massacrado nas urnas por ela...
Ainda sobre cessão de professor: a posição de Dennys Lucas
Os estudantes, distantes dos trâmites burocráticos, perdem e muito quando decisões que lhes afetam são tomadas sem a sua presença. Nessa história de cessão de professor de uma IES pública para servir a gabinete parlamentar por anos a fio, eles agora começam a tomar pé da situação (e do prejuízo). Dennys Lucas, estudante de Ciências Sociais e militante ativo do Movimento Estudantil da UFRN, deixa a sua posição:
"Já seria um absurdo esta tomada de decisão qndo ponderado o tempo e a necessidade que temos de professor, e mais ainda da linha de pesquisa que a professora levava a frente e sentimos falta, o que poderia somar à nossas vidas. Entretanto, parece termos ido além, procurei ter notícias, e recebi a informação da possibilidade dela não voltar a ser professora aqui, pq possivelmente já estaria em tempo de seu pedido de aposentadoria. Será que isto é possível de ser ponderado? Seria um erro mais grave... Enquanto isto, a prof. Dalcy Cruz - até onde eu sei - vem dando um exemplo significativo vindo a UFRN dar aula e prestar orientação..."
"Já seria um absurdo esta tomada de decisão qndo ponderado o tempo e a necessidade que temos de professor, e mais ainda da linha de pesquisa que a professora levava a frente e sentimos falta, o que poderia somar à nossas vidas. Entretanto, parece termos ido além, procurei ter notícias, e recebi a informação da possibilidade dela não voltar a ser professora aqui, pq possivelmente já estaria em tempo de seu pedido de aposentadoria. Será que isto é possível de ser ponderado? Seria um erro mais grave... Enquanto isto, a prof. Dalcy Cruz - até onde eu sei - vem dando um exemplo significativo vindo a UFRN dar aula e prestar orientação..."
Uma análise sociológica do Bolsa Família
Com competência analítica, a Professora Celia Lessa Kerstenetzky investiga o alcance do Programa Bolsa Família em um artigo publicado no número mais recente da revista DADOS, do IUPERJ. O título do artigo é "Redistribuição e desenvolvimento? A economia política do programa bolsa família*". Leia abaixo um trecho da introdução do referido texto.
"Nos dias que correm, países em desenvolvimento vêm buscando estratégias que conciliem a redução da pobreza e da desigualdade com o desenvolvimento. Políticas sociais - em particular a nova geração de programas de garantia de renda implementados na América Latina e em países do continente africano nos últimos anos - integram pacotes de desenvolvimento comprometidos com esses objetivos. Nos programas de renda garantida, a conexão entre redistribuição e desenvolvimento se daria pela focalização nos mais pobres e pelo condicionamento dos benefícios à educação das crianças, o que aumentaria suas capacitações futuras.
O que se pode aprender com a experiência brasileira recente de redistribuição de renda? É esta claramente um caso de política de desenvolvimento? "
Leia o artigo completo. Acess-o aqui.
"Nos dias que correm, países em desenvolvimento vêm buscando estratégias que conciliem a redução da pobreza e da desigualdade com o desenvolvimento. Políticas sociais - em particular a nova geração de programas de garantia de renda implementados na América Latina e em países do continente africano nos últimos anos - integram pacotes de desenvolvimento comprometidos com esses objetivos. Nos programas de renda garantida, a conexão entre redistribuição e desenvolvimento se daria pela focalização nos mais pobres e pelo condicionamento dos benefícios à educação das crianças, o que aumentaria suas capacitações futuras.
O que se pode aprender com a experiência brasileira recente de redistribuição de renda? É esta claramente um caso de política de desenvolvimento? "
Leia o artigo completo. Acess-o aqui.
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Qual o lugar dos intelectuais na cena pública contemporânea?
A pergunta que encima este post te parece um tanto demodé? Paciência... Mas essa é uma daquelas questões, impostas como uma espécie de mantra para não poucos, que assombram o nosso "campo". A sociologia, não raro com incontida sofreguidão, tenta abordá-la. Algumas vezes, quando contam com os auxílios da ferramentas analíticas da sociologia de Pierre Bourdieu, analistas até produzem algo que valha a pena.
Caso tenhas disposição, clique aqui para ler, talvez pela enésima vez, um artigo sobre a questão. Mais abaixo coloco o resumo (em espanhol) do referido texto.
El estudio de los intelectuales: una reflexión
Autores:
JOSÉP PICÓ, JUAN PECOURT
El estudio de los intelectuales se ha formalizado como una disciplina autónoma, como un objeto de análisis diferenciado, que se encuentra en el cruce de caminos entre diversos campos académicos que van desde la historia hasta la sociología y la ciencia política. En este artículo hacemos un breve recorrido por las principales aportaciones teóricas y metodológicas que se han realizado sobre el tema, contextualizadas en el momento histórico en el que surgieron. Observaremos la aparición del intelectual dentro de la lógica del desarrollo de la modernidad, y cómo surgen las primeras aproximaciones teóricas que intentan comprender su configuración. Este fenómeno ha cruzado todo el siglo XX y ha llegado hasta los comienzos del nuevo milenio, donde, una vez más, se han desatado apasionados debates académicos sobre su continuidad o desaparición. La muerte del intelectual como actor social es debatible, pero la vigencia de los estudios sobre los intelectuales es hoy en día indudable.
Caso tenhas disposição, clique aqui para ler, talvez pela enésima vez, um artigo sobre a questão. Mais abaixo coloco o resumo (em espanhol) do referido texto.
El estudio de los intelectuales: una reflexión
Autores:
JOSÉP PICÓ, JUAN PECOURT
El estudio de los intelectuales se ha formalizado como una disciplina autónoma, como un objeto de análisis diferenciado, que se encuentra en el cruce de caminos entre diversos campos académicos que van desde la historia hasta la sociología y la ciencia política. En este artículo hacemos un breve recorrido por las principales aportaciones teóricas y metodológicas que se han realizado sobre el tema, contextualizadas en el momento histórico en el que surgieron. Observaremos la aparición del intelectual dentro de la lógica del desarrollo de la modernidad, y cómo surgen las primeras aproximaciones teóricas que intentan comprender su configuración. Este fenómeno ha cruzado todo el siglo XX y ha llegado hasta los comienzos del nuevo milenio, donde, una vez más, se han desatado apasionados debates académicos sobre su continuidad o desaparición. La muerte del intelectual como actor social es debatible, pero la vigencia de los estudios sobre los intelectuales es hoy en día indudable.
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terça-feira, 25 de agosto de 2009
De vagas legalidades e oscilantes moralidades
Vistes um comentário de autor(a) anônimo(a) colocado no post abaixo? Não? Então, para teres um idéia de como se joga o jogo aqui na esquina do Atlântico, destaco-o mais abaixo. Na íntegra. Depois o comento um pouco. Poderia não fazê-lo, mas, mesmo anônimo, o comentário expressa a posição de alguém que me concede o privilégio da visita a este blog. Por isso, o mínimo que eu possa fazer é comentá-lo.
Quer dizer que um professor universitário não pode ser cedido a um gabinete de um parlamentar. Caro professor se toda imoralidade fosse essa,bem dito Brasil.O senhor já se perguntou o porque dessa pendenga,se as normas permitem,é legal!Espero que o senhor não reze na cartilha de Alex Medeiros que vez por outra noticia essa fato com achincalhe e deboche como é do costume dele.Nada mais a dizer professor só meu desaponto e decepção com o senhor,minha ficha ainda não caiu com essa sua insistencia e pirraça com uma simples cessão.
1. "Quer dizer que um professor universitário não pode ser cedido a um gabinete de um parlamentar." Poder, até pode, por um breve período, como uma forma de ajuntar ao parlamento saberes e práticas construídas no universo acadêmico, embora existam fortes dúvidas sobre a legalidade dessa cessão. Mas, que fique claro!, por um período curto (um ano ou dois, por aí). O problema, no caso que comentei, é bem outro. Trata-se da cessão contínua de alguém com o salário de professor universitário (e mais os penduricalhos do cargo comissionado) para servir anos a fio a um gabinete parlamentar. Ora, ora, claro que esse tipo de situação configura desvio de função e prejuízo para uma instituição pública (no caso, a Universidade). E pior: o financiamento público indireto de ação partidária.
2. "Se as normas permitem, é legal!". Hum, sei. Não vou dizer ao terreno que isso nos leva. Mas há por aí algumas boas toneladas de obras questionando a relacão entre legalidade e moralidade.
3. Caro professor se toda imoralidade fosse essa,bem dito Brasil. Então, tá. Se há tanta bandalheira por aí, tudo está permitido, é isso?. Então, em nome de alguma causa nobre, a gente tá liberado para fazer tudo o que os outros faziam antes e a gente condenava.
4. Espero que o senhor não reze na cartilha de Alex Medeiros que vez por outra noticia essa fato com achincalhe e deboche como é do costume dele. Pronto! Se alguém critica algo que fere os interesses de alguns "companheiros", de imediato, é desqualificado. No caso, a minha desqualificação seria "seguir a cartilha de Alex Medeiros". Vive-se, no universo mental do meu (minha) comentador(a), em um "mundo de cartilhas". Isso me diverte pacas!
5. Por último, a decepção. Sem problemas! Nunca tive a expectativa de não decepcionar alguns. Ora, quem procura satisfazer a todos, termina traindo a si mesmo, não é? Se para não decepcionar, como no caso em tela, eu tiver que dizer sim a coisas que considero eticamente insustentáveis, prefiro ficar sozinho.
Quer dizer que um professor universitário não pode ser cedido a um gabinete de um parlamentar. Caro professor se toda imoralidade fosse essa,bem dito Brasil.O senhor já se perguntou o porque dessa pendenga,se as normas permitem,é legal!Espero que o senhor não reze na cartilha de Alex Medeiros que vez por outra noticia essa fato com achincalhe e deboche como é do costume dele.Nada mais a dizer professor só meu desaponto e decepção com o senhor,minha ficha ainda não caiu com essa sua insistencia e pirraça com uma simples cessão.
1. "Quer dizer que um professor universitário não pode ser cedido a um gabinete de um parlamentar." Poder, até pode, por um breve período, como uma forma de ajuntar ao parlamento saberes e práticas construídas no universo acadêmico, embora existam fortes dúvidas sobre a legalidade dessa cessão. Mas, que fique claro!, por um período curto (um ano ou dois, por aí). O problema, no caso que comentei, é bem outro. Trata-se da cessão contínua de alguém com o salário de professor universitário (e mais os penduricalhos do cargo comissionado) para servir anos a fio a um gabinete parlamentar. Ora, ora, claro que esse tipo de situação configura desvio de função e prejuízo para uma instituição pública (no caso, a Universidade). E pior: o financiamento público indireto de ação partidária.
2. "Se as normas permitem, é legal!". Hum, sei. Não vou dizer ao terreno que isso nos leva. Mas há por aí algumas boas toneladas de obras questionando a relacão entre legalidade e moralidade.
3. Caro professor se toda imoralidade fosse essa,bem dito Brasil. Então, tá. Se há tanta bandalheira por aí, tudo está permitido, é isso?. Então, em nome de alguma causa nobre, a gente tá liberado para fazer tudo o que os outros faziam antes e a gente condenava.
4. Espero que o senhor não reze na cartilha de Alex Medeiros que vez por outra noticia essa fato com achincalhe e deboche como é do costume dele. Pronto! Se alguém critica algo que fere os interesses de alguns "companheiros", de imediato, é desqualificado. No caso, a minha desqualificação seria "seguir a cartilha de Alex Medeiros". Vive-se, no universo mental do meu (minha) comentador(a), em um "mundo de cartilhas". Isso me diverte pacas!
5. Por último, a decepção. Sem problemas! Nunca tive a expectativa de não decepcionar alguns. Ora, quem procura satisfazer a todos, termina traindo a si mesmo, não é? Se para não decepcionar, como no caso em tela, eu tiver que dizer sim a coisas que considero eticamente insustentáveis, prefiro ficar sozinho.
segunda-feira, 24 de agosto de 2009
Será o tal do cansaço da meia idade?
Sim, tenho levado algumas porradinhas. Meio mixurucas, tá certo. Mas elas afetam um cadinho, não é? E você, chegando perto dos cinqüenta anos, percebe que vai se acostumando com muita coisa. Deixando prá lá um bocado de pequenas mesquinharias e penduricalhos que não te levarão para lugar nenhum. Ou, sim, te levarão para o lugar aonde te levam as mágoas acumuladas.
Decepções? De verdade, de verdade, não tenho muitas. Não, não sou cínico. É que, como não tenho grandes expectativas sobre mim, não me parece justo tê-las em exagero em relação aos outros.
Algumas vezes, raras, ainda bem, até me divirto um pouco (embora disfarce bem ou ache que faço isso...) com as intrigas em que tentam me envolver. Quando vejo, estou até acompanhando com alguma simpatia os contorcionismos verbais da infâmia. E, pior para mim, não movo uma palha para me defender. Diante da infâmia, penso eu, para quê mover montanhas?
Bueno, mas isso não significa que tenho deixado de comprar brigas. Pelo contrário, compro-as até em exagero. É que, parece-me, quanto mais eu quero ser bombeiro, conciliador e pacífico, mais querem-me apocalíptico. E aí o menino do sertão que mora em mim, meio adormecido pela moleza da vida urbana, acorda eufórico e toma conta do cavalo bestalhão que sou eu. E eis-me, de súbito, com a espada em punho, digladiando por coisas de antanho como a defesa da Universidade como instituição pública. E combatendo imoralidades como a cessão de um professor universitário, com ônus (e mais os penduricalhos oriundos de cargo de comissão), para servir a um gabinete parlamentar.
Sim, isso envelhece-nos um pouco. Você viveu para ver gente que ontem defendia com ardor religioso a ética como caminho para a afirmação de uma identidade política nos dias que correm brigar pela, como direi?, "flexibilização das regras" para garantir que um colega de departamento (ou de partido?) fique anos a fio aboletado em um cargo de comissão.
E o rídiculo do seu gesto se concretiza quando a cessão meio nebulosa é aprovada pela maioria. Não que essas coisas sejam derrotas, longe disso. Só em vê-las emergindo, como os corpos putrefatos de delitos tantas vezes negados que emergem nas águas do rio que atravessa alguma Tagentopólis, já te dá alguma sensação de que algo se move. Embora você faça, bela novidade!, um papel rídiculo...
Por tudo isso, e pelo cansaço desta tarde, ofereço-te o poema abaixo.
POEMA EM LINHA RETA
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
Álvaro de Campos
Decepções? De verdade, de verdade, não tenho muitas. Não, não sou cínico. É que, como não tenho grandes expectativas sobre mim, não me parece justo tê-las em exagero em relação aos outros.
Algumas vezes, raras, ainda bem, até me divirto um pouco (embora disfarce bem ou ache que faço isso...) com as intrigas em que tentam me envolver. Quando vejo, estou até acompanhando com alguma simpatia os contorcionismos verbais da infâmia. E, pior para mim, não movo uma palha para me defender. Diante da infâmia, penso eu, para quê mover montanhas?
Bueno, mas isso não significa que tenho deixado de comprar brigas. Pelo contrário, compro-as até em exagero. É que, parece-me, quanto mais eu quero ser bombeiro, conciliador e pacífico, mais querem-me apocalíptico. E aí o menino do sertão que mora em mim, meio adormecido pela moleza da vida urbana, acorda eufórico e toma conta do cavalo bestalhão que sou eu. E eis-me, de súbito, com a espada em punho, digladiando por coisas de antanho como a defesa da Universidade como instituição pública. E combatendo imoralidades como a cessão de um professor universitário, com ônus (e mais os penduricalhos oriundos de cargo de comissão), para servir a um gabinete parlamentar.
Sim, isso envelhece-nos um pouco. Você viveu para ver gente que ontem defendia com ardor religioso a ética como caminho para a afirmação de uma identidade política nos dias que correm brigar pela, como direi?, "flexibilização das regras" para garantir que um colega de departamento (ou de partido?) fique anos a fio aboletado em um cargo de comissão.
E o rídiculo do seu gesto se concretiza quando a cessão meio nebulosa é aprovada pela maioria. Não que essas coisas sejam derrotas, longe disso. Só em vê-las emergindo, como os corpos putrefatos de delitos tantas vezes negados que emergem nas águas do rio que atravessa alguma Tagentopólis, já te dá alguma sensação de que algo se move. Embora você faça, bela novidade!, um papel rídiculo...
Por tudo isso, e pelo cansaço desta tarde, ofereço-te o poema abaixo.
POEMA EM LINHA RETA
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
Álvaro de Campos
E quem chora por elas? O lugar das mulheres na sociedade afegã...
Há algum tempo assisti a um belo filme de Samira Makhmalbaf intitulado Osama (veja aqui um comentário sobre o mesmo). Um olhar perturbador sobre a era em que os talibã tinham o controle total do país (ainda controlam partes significativas dele). Na terra devastada do Afeganistão, vítima de incursões imperalistas desde antanho (quando os ingleses ainda pensavam que os mares eram deles...), as mulheres são condenadas a uma existência miserável. E não me venham falar de etnocentrismo e de olhar europeu! Samira é uma iraniana.
Mas o fato é que, mesmo agora, quando um obscuro processo eleitoral faz com que os olhos entediados do mundo se voltem para Kabul, mesmo agora, as mulheres afegãs continuam esquecidas. Por isso, peço-lhe, faça um esforço e leia a reportagem abaixo, publicada na edição de hoje do jornal espanhol El País.
Elecciones en Afganistán
Afganistán se olvida de las mujeres
Tras ocho años de intervención internacional, la discriminación de las afganas es similar a la época de los talibanes - Ocho de cada diez sufren violencia doméstica
RAMÓN LOBO (ENVIADO ESPECIAL) - Kabul - 24/08/2009
Las mujeres afganas son víctimas de una mentalidad medieval. No existen leyes ni justicia, sólo tradición y la voluntad inapelable de unos hombres embrutecidos por 30 años de guerras que se amparan en el nombre de Dios para ejercer la violencia. En muchas zonas rurales se rapa el pelo a los niños durante la celebración de las bodas con la esperanza de que su fealdad les salve de una violación, a menudo por parte de un familiar. Ocho de cada 10 mujeres sufren violencia doméstica y un 60% es obligada a contraer matrimonio antes de cumplir 18 años, según datos de Naciones Unidas y de la Asociación Revolucionaria de las Mujeres de Afganistán. El presidente Hamid Karzai, financiado por la comunidad internacional -incluida España-, aprueba leyes que permiten a los maridos chiíes castigar a sus esposas sin comida si éstas no les complacen sexualmente.
"El burka no es el problema si es ella quien decide libremente llevarlo", afirma Fatana Ishaq Gailani, premio Príncipe de Asturias de la Concordia de 1998 y presidenta de una ONG que defiende sus derechos. "El gran problema de las mujeres afganas es el trato inhumano que reciben. Nadie las protege de la violencia. Ni el Gobierno ni la comunidad internacional han hecho nada en ocho años por cambiar la situación. Es imposible condenar a nadie por violación; los jueces liberan a los acusados tras el pago de un soborno. La mujer afgana apenas tiene acceso a la educación y en las zonas rurales vive en condiciones de extrema pobreza".
Faima tiene 23 años, es de Kabul y afortunada: pudo terminar la enseñaza secundaria, algo vedado al 95% de las niñas que inician la escuela. Aguarda su turno en una sala del centro ortopédico que el Comité Internacional de la Cruz Roja tiene en la capital desde 1988. Es por su hijo Rahnan, con una malformación en el pie. "No me gusta el burka. Me siento en una cárcel y debajo hace mucho calor. El hiyab es la prenda que exige mi religión y es la que llevo sobre la cabeza. Mucha gente piensa así en Kabul, pero sé que en las provincias es diferente. Allí, muchas mujeres tienen que llevar el burka por fuerza".
Salima es una de ellas. Procede de la norteña provincia de Takhan y lleva el burka levantado sobre la frente. Al principio se niega a conversar. Dice que necesita el permiso de su marido. Con la ayuda de una de las fisioterapeutas accede cubriéndose la boca con los pliegues: "Nadie me obliga a llevarlo. Debajo de él me siento más segura. No me gusta que los hombres me miren en la calle".
Malalai Joya tiene 35 años y es una de las 64 diputadas del Parlamento, pero no puede acudir a su escaño porque fue expulsada pese a que la ley no contempla esa posibilidad. Está amenazada de muerte y vive en la clandestinidad. En su caso, el burka es un seguro de vida. "La mayoría de nuestros políticos y parlamentarios son unos narcotraficantes y criminales de guerra que deberían ser detenidos y llevados ante la Corte Internacional de Justicia de La Haya", explica en uno de sus refugios. Opiniones como ésta, que expresó en la Loya Jirga (Gran Asamblea) en 2003, le han colocado en la mira de demasiadas armas.
"La situación de la mujer en Afganistán es un infierno", prosigue. "Muchas optan por el suicidio para escapar de la violación legalizada en la que se han convertido muchos matrimonios. No pueden salir sin permiso de sus maridos. Tampoco educarse. Vivo en un país de misóginos que temen a la otra mitad. Dicen que somos el 25% de los diputados, pero es mentira: las mujeres apenas pueden hablar en el Parlamento, son insultadas y atacadas. A mí, por ejemplo, me intentaron violar. Las cosas no han cambiado desde que se fueron los talibanes y el país fue ocupado por tropas extranjeras". Malalai maneja papeles y muestra fotografías; es una mujer entregada a una causa. "Sé que un día me matarán. Ya lo han intentado cinco veces, pero no me voy a rendir", dice.
Sdika tiene 12 años. Se levanta a las seis de la mañana. Una hora después entra en el colegio pero a las diez debe regresar a su casa para ayudar y hacer la comida. Le gustaría ser pintora. Dibuja jardines y casas grandes. Deben ser sus sueños desde un Kabul envuelto en una neblina de polvo y arena que daña los ojos. Dice que no le gusta el burka. "No me lo pondré hasta que me case. Después dependerá de lo que decida mi marido".
La diputada Fawzeja Kofi se queja de que los candidatos a la presidencia no han dedicado su atención a los problemas de la mujer. También cree que el burka no es el problema, sino la representación del problema. Confía en que los jóvenes y las nuevas tecnologías rompan el cerco. "Poco ha cambiado la calidad de vida de las mujeres desde la salida de los talibanes. Aquí se mata a la mujer por ser mujer. Sólo en Kabul hay 60.000 viudas que deben llevar el peso de la casa y que carecen de derechos. La única vía es la educación, que el 85% de mujeres analfabetas aprenda a leer y a exigir sus derechos. Tenemos un Gobierno corrupto que lo único que ha hecho es legalizar la tradición. Vivimos en una cultura de la impunidad que nada tiene que ver con la sharia [ley islámica]".
Para você pensar e sonhar...
Este vídeo já foi postado antes aqui. É tão belo que eu não consegui deixar de fazê-lo de novo. Aproveite!
Deleuze e o desejo
Gozar das leis
Ao repensar a obra de Sacher-Masoch, Deleuze associa o sadismo à ironia, e o masoquismo ao humor ante as regras, aceitando-as para melhor subvertê-las
VLADIMIR SAFATLE
Sacher-Masoch: o Frio e o Cruel”, de Gilles Deleuze [1925-95], poderia parecer uma obra menor no interior de uma experiência intelectual que nos deixou livros da envergadura de “Diferença e Repetição”, “Mil Platôs” e “O Anti-Édipo”, além de comentários fundamentais sobre filósofos como Hume, Nietzsche, Spinoza, Bergson e Kant.
Lançado na França como uma grande introdução à tradução de “A Vênus das Peles”, de Leopold von Sacher-Masoch [1836-95], o texto de Deleuze, que aparece agora ao público brasileiro, pode parecer preencher apenas duas funções.
Por um lado, trata-se de reconhecer o lugar de Sacher-Masoch como grande escritor, e não apenas como aquele que forneceu seu nome a uma perversão (o masoquismo) graças ao psiquiatra Richard von Krafft-Ebing, responsável pelo mais influente tratado de desvios sexuais do final do século 19 (”Psychophatia Sexualis”, de 1886).
Deleuze insiste na importância de sua obra, composta, em larga medida, de contos baseados em material folclórico de minorias que habitavam a Galícia [no Leste Europeu], como judeus, russos, húngaros, prussianos. Da mesma forma, ele não deixará de exaltar as qualidades literárias de “A Vênus das Peles” e do outro volume que compõe o ciclo “O Legado de Caim”.
A ironia e o humor
Mas Deleuze também aproveitará o comentário de Sacher-Masoch para mobilizar um amplo aparato psicanalítico a fim de discutir a natureza do masoquismo e a incongruência de pensar uma relação de complementaridade com seu oposto, criando com isso a categoria do sadomasoquismo.
Não se trataria apenas de duas perversões distintas, mas de duas lógicas completamente diferentes na constituição do objeto do desejo e na relação à lei moral. Essas duas lógicas são descritas por Deleuze por meio de uma associação que se mostrará plena de consequências. Ela consiste em afirmar que, no interior do sadismo, encontramos uma lógica que o associa à ironia, isso enquanto o masoquismo seria a encarnação mais evidente do humor. A princípio, essas associações podem parecer gratuitas.
No entanto, elas consistem em dizer que uma perversão não é simplesmente a descrição de alguma forma de desvio em relação a um padrão de conduta sexual socialmente partilhado. Ela é uma maneira de distorcer uma lei moral da qual o próprio perverso reconhece a existência. Neste sentido, Deleuze poderá dizer que, dada uma lei que reconhecemos, há duas maneiras de não a seguir.
A primeira é através da ironia. Deleuze pode afirmar isso por lembrar do conceito romântico de ironia, onde este aparece como uma posição na qual o sujeito sempre está para além de seus enunciados. Enunciar uma lei de maneira irônica significa mostrar que seu enunciador não está lá onde seu dizer aponta. Esse recurso a um lugar transcendente seria uma maneira de evidenciar que sigo um princípio para além da lei que enuncio.
Todo o esforço de Deleuze no livro será mostrar como a posição de Sade [escritor francês, 1740-1814] em relação à lei moral pode ser compreendida a partir desse esquema.
A segunda seria através do humor. O humor visaria torcer a lei por meio do aprofundamento de suas consequências.
Não colocamos nenhum princípio de significação para além da lei moral. Mas os efeitos da lei são invertidos devido à possibilidade de torções nas designações: “a mais estrita aplicação da lei tem o efeito oposto a este que normalmente esperávamos (por exemplo, os golpes de chicote, longe de punir ou prevenir uma ereção, a provocam, a asseguram)”. Isto é Deleuze falando de Sacher-Masoch, este mesmo Sacher-Masoch em quem o filósofo vê uma insolência por obsequiosidade, uma revolta por submissão.
A paródia do desejo
Essa maneira de torcer a lei fará Deleuze insistir em que só podemos compreender o masoquismo por meio de conceitos como a paródia. Afinal, que nome poderíamos dar ao ato de firmar um contrato onde abro mão, livremente, de minha autonomia para me tornar escravo de uma dominatrix, ato absolutamente necessário no interior do cenário masoquista?
Mas, para além da descrição de uma perversão, Deleuze age como quem acredita que por meio do humor, da paródia, da passividade simulada, abre-se uma possibilidade de desdobrar a relação com o desejo, com a lei talvez mais próxima de nossa situação contemporânea. Só não esperávamos nos descobrir todos contemporâneos de Sacher-Masoch.
VLADIMIR SAFATLE é professor no departamento de filosofia da USP.
Ao repensar a obra de Sacher-Masoch, Deleuze associa o sadismo à ironia, e o masoquismo ao humor ante as regras, aceitando-as para melhor subvertê-las
VLADIMIR SAFATLE
Sacher-Masoch: o Frio e o Cruel”, de Gilles Deleuze [1925-95], poderia parecer uma obra menor no interior de uma experiência intelectual que nos deixou livros da envergadura de “Diferença e Repetição”, “Mil Platôs” e “O Anti-Édipo”, além de comentários fundamentais sobre filósofos como Hume, Nietzsche, Spinoza, Bergson e Kant.
Lançado na França como uma grande introdução à tradução de “A Vênus das Peles”, de Leopold von Sacher-Masoch [1836-95], o texto de Deleuze, que aparece agora ao público brasileiro, pode parecer preencher apenas duas funções.
Por um lado, trata-se de reconhecer o lugar de Sacher-Masoch como grande escritor, e não apenas como aquele que forneceu seu nome a uma perversão (o masoquismo) graças ao psiquiatra Richard von Krafft-Ebing, responsável pelo mais influente tratado de desvios sexuais do final do século 19 (”Psychophatia Sexualis”, de 1886).
Deleuze insiste na importância de sua obra, composta, em larga medida, de contos baseados em material folclórico de minorias que habitavam a Galícia [no Leste Europeu], como judeus, russos, húngaros, prussianos. Da mesma forma, ele não deixará de exaltar as qualidades literárias de “A Vênus das Peles” e do outro volume que compõe o ciclo “O Legado de Caim”.
A ironia e o humor
Mas Deleuze também aproveitará o comentário de Sacher-Masoch para mobilizar um amplo aparato psicanalítico a fim de discutir a natureza do masoquismo e a incongruência de pensar uma relação de complementaridade com seu oposto, criando com isso a categoria do sadomasoquismo.
Não se trataria apenas de duas perversões distintas, mas de duas lógicas completamente diferentes na constituição do objeto do desejo e na relação à lei moral. Essas duas lógicas são descritas por Deleuze por meio de uma associação que se mostrará plena de consequências. Ela consiste em afirmar que, no interior do sadismo, encontramos uma lógica que o associa à ironia, isso enquanto o masoquismo seria a encarnação mais evidente do humor. A princípio, essas associações podem parecer gratuitas.
No entanto, elas consistem em dizer que uma perversão não é simplesmente a descrição de alguma forma de desvio em relação a um padrão de conduta sexual socialmente partilhado. Ela é uma maneira de distorcer uma lei moral da qual o próprio perverso reconhece a existência. Neste sentido, Deleuze poderá dizer que, dada uma lei que reconhecemos, há duas maneiras de não a seguir.
A primeira é através da ironia. Deleuze pode afirmar isso por lembrar do conceito romântico de ironia, onde este aparece como uma posição na qual o sujeito sempre está para além de seus enunciados. Enunciar uma lei de maneira irônica significa mostrar que seu enunciador não está lá onde seu dizer aponta. Esse recurso a um lugar transcendente seria uma maneira de evidenciar que sigo um princípio para além da lei que enuncio.
Todo o esforço de Deleuze no livro será mostrar como a posição de Sade [escritor francês, 1740-1814] em relação à lei moral pode ser compreendida a partir desse esquema.
A segunda seria através do humor. O humor visaria torcer a lei por meio do aprofundamento de suas consequências.
Não colocamos nenhum princípio de significação para além da lei moral. Mas os efeitos da lei são invertidos devido à possibilidade de torções nas designações: “a mais estrita aplicação da lei tem o efeito oposto a este que normalmente esperávamos (por exemplo, os golpes de chicote, longe de punir ou prevenir uma ereção, a provocam, a asseguram)”. Isto é Deleuze falando de Sacher-Masoch, este mesmo Sacher-Masoch em quem o filósofo vê uma insolência por obsequiosidade, uma revolta por submissão.
A paródia do desejo
Essa maneira de torcer a lei fará Deleuze insistir em que só podemos compreender o masoquismo por meio de conceitos como a paródia. Afinal, que nome poderíamos dar ao ato de firmar um contrato onde abro mão, livremente, de minha autonomia para me tornar escravo de uma dominatrix, ato absolutamente necessário no interior do cenário masoquista?
Mas, para além da descrição de uma perversão, Deleuze age como quem acredita que por meio do humor, da paródia, da passividade simulada, abre-se uma possibilidade de desdobrar a relação com o desejo, com a lei talvez mais próxima de nossa situação contemporânea. Só não esperávamos nos descobrir todos contemporâneos de Sacher-Masoch.
VLADIMIR SAFATLE é professor no departamento de filosofia da USP.
Música para um começo de jornada...
Chegando no roçado? Muita coisa prá fazer pela frente? Relaxe um pouco. Pare e assista ao vídeo abaixo. Foi postado para você.
sexta-feira, 21 de agosto de 2009
Semana passada, pesada...
Uma semana daquelas...
Na política nacional, DEM e PSDB, jogando bem, colocaram no colo do PT a criança que eles criaram e agora rejeitam, o Sarney. O PT, emparedado por um jogo sucessório que já foi iniciado desde o começo do ano, teve que arcar com o prejuízo de ser o fiador do PMDB. Não é uma fatura pequena.
Marina é novidade. A sua candidatura pelos verdes aviva emoções incontidas. Mas nós já vimos isso antes, não? Setores das nossas classes médias adoram idealizar a pureza e a força da natureza de alguns atores oriundos das classes populares. Especialmente quanto estes não têm possibilidade de chegar ao quadrangular decisivo do campeonato (a uma vistosa conquista eleitoral, por exemplo). Foi assim com o PT nos anos oitenta, não esqueçamos.
Como era lindo o PT que não ameaçava abocanhar fatias do poder!
Entretanto, não dá para fazer como muitos petistas que já estão mirando, e mirando baixo, na ex-ministra Marina Silva. Se ela não é tudo isso que está sendo pintado, convenhamos, também não é alguém parecido com a Heloisa Helena. Marina está a léguas de distância do histrionismo e das infâmias pseudo-esquerdista dessa fusão entre fundamentalista religiosa, líder da Liga das Senhoras Católicas e sindicalista do ANDES que é a melhor tradução da atual vereadora do PSOL de Maceió.
Agora, sejamos francos, se Marina tem positividade e tem uma personalidade que pode fazer a diferença, o balaio de gatos que é o Partido Verde não inspira a menor credibilidade como força inovadora dos costumes políticos brasileiros. Que o digam os moradores de Natal, cidade na qual a Prefeita verde tem na bancada da chamada "Operação Impacto" (os vereadores pegos em flagrante recebendo propinas) a sua verdadeira base de sustentação.
E Dilma? Olha, vinda do PDT, com uma militância política histórica, a presidenciável aprendeu o pior do PT: a capacidade de se enrolar em teias tecidas por ela própria. Esse o caso do (não) encontro com a Lina Vieira. Como os petistas têm a enorme capacidade de enfiar os pés pelas mãos, especialmente com besteiras pequenas, só me falta, amanhã, a revista Veja trazer partes de uma filmagem da Sala da Ministra na qual ela e a ex-secretária da Receita apareçam batendo papo.
Alguma coisa não bate bem nessa conversa, não é mesmo?Se Lina mente, por que o faz? E a ministra? Mesmo se não estiver mentindo, já perdeu muito porque não consegue ser convicente. Pois é, infelizmente, em política, nem sempre o ônus da prova cabe ao acusador. Alguém que entra na disputa contra grupos fortes (e o arco de forças que está se formando em torno do Zé Serra o é efetivamente) deve saber que precisa, sim, provar que as acusações que lhes são impingidas são falsas. Não dá para ficar lamentando isso... É o jogo pesado. Acordem, please!
E por aqui? Bueno, tem a Reunião Equatoria de Antropologia, um bom encontro de pesquisadores. Com discussões produtivas e GT nos quais temáticas instigantes são abordadas.´
Eu coordeno um GT, sobre Crime, violência e segurança pública. A primeira seção foi hoje. E foi boa.
Estive assitindo a alguns debates. O que mais me chamou a atenção foi um sobre a monumental obra de Euclides da Cunha. Debatedores qualificados abordaram, sob diversos ângulos, a contribuição do autor de "Os Sertões" ao pensamento social brasileiro.
Na política nacional, DEM e PSDB, jogando bem, colocaram no colo do PT a criança que eles criaram e agora rejeitam, o Sarney. O PT, emparedado por um jogo sucessório que já foi iniciado desde o começo do ano, teve que arcar com o prejuízo de ser o fiador do PMDB. Não é uma fatura pequena.
Marina é novidade. A sua candidatura pelos verdes aviva emoções incontidas. Mas nós já vimos isso antes, não? Setores das nossas classes médias adoram idealizar a pureza e a força da natureza de alguns atores oriundos das classes populares. Especialmente quanto estes não têm possibilidade de chegar ao quadrangular decisivo do campeonato (a uma vistosa conquista eleitoral, por exemplo). Foi assim com o PT nos anos oitenta, não esqueçamos.
Como era lindo o PT que não ameaçava abocanhar fatias do poder!
Entretanto, não dá para fazer como muitos petistas que já estão mirando, e mirando baixo, na ex-ministra Marina Silva. Se ela não é tudo isso que está sendo pintado, convenhamos, também não é alguém parecido com a Heloisa Helena. Marina está a léguas de distância do histrionismo e das infâmias pseudo-esquerdista dessa fusão entre fundamentalista religiosa, líder da Liga das Senhoras Católicas e sindicalista do ANDES que é a melhor tradução da atual vereadora do PSOL de Maceió.
Agora, sejamos francos, se Marina tem positividade e tem uma personalidade que pode fazer a diferença, o balaio de gatos que é o Partido Verde não inspira a menor credibilidade como força inovadora dos costumes políticos brasileiros. Que o digam os moradores de Natal, cidade na qual a Prefeita verde tem na bancada da chamada "Operação Impacto" (os vereadores pegos em flagrante recebendo propinas) a sua verdadeira base de sustentação.
E Dilma? Olha, vinda do PDT, com uma militância política histórica, a presidenciável aprendeu o pior do PT: a capacidade de se enrolar em teias tecidas por ela própria. Esse o caso do (não) encontro com a Lina Vieira. Como os petistas têm a enorme capacidade de enfiar os pés pelas mãos, especialmente com besteiras pequenas, só me falta, amanhã, a revista Veja trazer partes de uma filmagem da Sala da Ministra na qual ela e a ex-secretária da Receita apareçam batendo papo.
Alguma coisa não bate bem nessa conversa, não é mesmo?Se Lina mente, por que o faz? E a ministra? Mesmo se não estiver mentindo, já perdeu muito porque não consegue ser convicente. Pois é, infelizmente, em política, nem sempre o ônus da prova cabe ao acusador. Alguém que entra na disputa contra grupos fortes (e o arco de forças que está se formando em torno do Zé Serra o é efetivamente) deve saber que precisa, sim, provar que as acusações que lhes são impingidas são falsas. Não dá para ficar lamentando isso... É o jogo pesado. Acordem, please!
E por aqui? Bueno, tem a Reunião Equatoria de Antropologia, um bom encontro de pesquisadores. Com discussões produtivas e GT nos quais temáticas instigantes são abordadas.´
Eu coordeno um GT, sobre Crime, violência e segurança pública. A primeira seção foi hoje. E foi boa.
Estive assitindo a alguns debates. O que mais me chamou a atenção foi um sobre a monumental obra de Euclides da Cunha. Debatedores qualificados abordaram, sob diversos ângulos, a contribuição do autor de "Os Sertões" ao pensamento social brasileiro.
quinta-feira, 20 de agosto de 2009
Cerimônia do Adeus. Leia aqui a carta de despedida do PT da Senadora Marina Silva.
A Marina é um grande ser humano e uma grande política. Mais discordei do que concordei com ela nos últimos anos, mas, neste momento, isso é o de menos. O que vale a pena é ressaltar uma alma que não é pequena. A sua carta de desfiliação do PT é um documento a ser guardado. Gente como Marina faz-nos acreditar que, sim, embora existam Sarneys e apaniguados dominando a cena e corrompendo corações e mentes, exite também quem faz da arena política um palco para a disputa e para a construção de um outro tipo de grandeza.
20 de agosto de 2009
Brasília, 19 de agosto de 2009
Caro companheiro Ricardo Berzoini,
Tornou-se pública nas últimas semanas, tendo sido objeto de conversa fraterna entre nós, a reflexão política em que me encontro há algum tempo e que passou a exigir de mim definições, diante do convite do Partido Verde para uma construção programática capaz de apresentar ao Brasil um projeto nacional que expresse os conhecimentos, experiências e propostas voltados para um modelo de desenvolvimento em cujo cerne esteja a sustentabilidade ambiental, social e econômica.
O que antes era tratado em pequeno círculo de familiares, amigos e companheiros de trajetória política, foi muito ampliado pelo diálogo com lideranças e militantes do Partido dos Trabalhadores, a cujos argumentos e questionamentos me expus com lealdade e atenção. Não foi para mim um processo fácil. Ao contrário, foi intenso, profundamente marcado pela emoção e pela vinda à tona de cada momento significativo de uma trajetória de quase trinta anos, na qual ajudei a construir o sonho de um Brasil democrático, com justiça e inclusão social, com indubitáveis avanços materializados na eleição do Presidente Lula, em 2002.
Hoje lhe comunico minha decisão de deixar o Partido dos Trabalhadores. É uma decisão que exigiu de mim coragem para sair daquela que foi até agora a minha casa política e pela qual tenho tanto respeito, mas estou certa de que o faço numa inflexão necessária à coerência com o que acredito ser necessário alcançar como novo patamar de conquistas para os brasileiros e para a humanidade. Tenho certeza de que enfrentarei muitas dificuldades, mas a busca do novo, mesmo quando cercada de cuidados para não desconstituir os avanços a duras penas alcançados, nunca é isenta de riscos.
Tenho a firme convicção de que essa decisão vai ao encontro do pensamento de milhares de pessoas no Brasil e no mundo, que há muitas décadas apontam objetivamente os equívocos da concepção do desenvolvimento centrada no crescimento material a qualquer custo, com ganhos exacerbados para poucos e resultados perversos para a maioria, ao custo, principalmente para os mais pobres, da destruição de recursos naturais e da qualidade de vida.
Tive a honra de ser ministra do Meio Ambiente do governo Lula e participei de importantes conquistas, das quais poderia citar, a título de exemplo, a queda do desmatamento na Amazônia, a estruturação e fortalecimento do sistema de licenciamento ambiental, a criação de 24 milhões de hectares de unidades de conservação federal, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e do Serviço Florestal Brasileiro. Entendo, porém, que faltaram condições políticas para avançar no campo da visão estratégica, ou seja, de fazer a questão ambiental alojar-se no coração do governo e do conjunto das políticas públicas.
É evidente que a resistência a essa mudança de enfoque não é exclusiva de governos. Ela está presente nos partidos políticos em geral e em vários setores da sociedade, que reagem a sair de suas práticas insustentáveis e pressionam as estruturas públicas para mantê-las.
Uma parte das pessoas com quem dialoguei nas últimas semanas perguntou-me por que não continuar fazendo esse embate dentro do PT. E chego à conclusão de que, após 30 anos de luta socioambiental no Brasil – com importantes experiências em curso, que deveriam ganhar escala nacional, provindas de governos locais e estaduais, agências federais, academia, movimentos sociais, empresas, comunidades locais e as organizações não-governamentais – é o momento não mais de continuar fazendo o embate para convencer o partido político do qual fiz parte por quase trinta anos, mas sim o do encontro com os diferentes setores da sociedade dispostos a se assumir, inteira e claramente, como agentes da luta por um Brasil justo e sustentável, a fazer prosperar a mudança de valores e paradigmas que sinalizará um novo padrão de desenvolvimento para o País. Assim como vem sendo feito pelo próprio Partido dos Trabalhadores, desde sua origem, no que diz respeito à defesa da democracia com participação popular, da justiça social e dos direitos humanos.
Finalmente, agradeço a forma acolhedora e respeitosa com que me ouviu, estendendo a mesma gratidão a todos os militantes e dirigentes com quem dialoguei nesse período, particularmente a Aloizio Mercadante e a meus companheiros da bancada do Senado, que sempre me acolheram em todos esses momentos. E, de modo muito especial, quero me referir aos companheiros do Acre, de quem não me despedi, porque acredito firmemente que temos uma parceria indestrutível, acima de filiações partidárias. Não fiz nenhum movimento para que outros me acompanhassem na saída do PT, respeitando o espaço de exercício da cidadania política de cada militante. Não estou negando os imprescindíveis frutos das searas já plantadas, estou apenas me dispondo a continuar as semeaduras em outras searas.
Que Deus continue abençoando e guardando nossos caminhos.
Saudações fraternas, Marina Silva
20 de agosto de 2009
Brasília, 19 de agosto de 2009
Caro companheiro Ricardo Berzoini,
Tornou-se pública nas últimas semanas, tendo sido objeto de conversa fraterna entre nós, a reflexão política em que me encontro há algum tempo e que passou a exigir de mim definições, diante do convite do Partido Verde para uma construção programática capaz de apresentar ao Brasil um projeto nacional que expresse os conhecimentos, experiências e propostas voltados para um modelo de desenvolvimento em cujo cerne esteja a sustentabilidade ambiental, social e econômica.
O que antes era tratado em pequeno círculo de familiares, amigos e companheiros de trajetória política, foi muito ampliado pelo diálogo com lideranças e militantes do Partido dos Trabalhadores, a cujos argumentos e questionamentos me expus com lealdade e atenção. Não foi para mim um processo fácil. Ao contrário, foi intenso, profundamente marcado pela emoção e pela vinda à tona de cada momento significativo de uma trajetória de quase trinta anos, na qual ajudei a construir o sonho de um Brasil democrático, com justiça e inclusão social, com indubitáveis avanços materializados na eleição do Presidente Lula, em 2002.
Hoje lhe comunico minha decisão de deixar o Partido dos Trabalhadores. É uma decisão que exigiu de mim coragem para sair daquela que foi até agora a minha casa política e pela qual tenho tanto respeito, mas estou certa de que o faço numa inflexão necessária à coerência com o que acredito ser necessário alcançar como novo patamar de conquistas para os brasileiros e para a humanidade. Tenho certeza de que enfrentarei muitas dificuldades, mas a busca do novo, mesmo quando cercada de cuidados para não desconstituir os avanços a duras penas alcançados, nunca é isenta de riscos.
Tenho a firme convicção de que essa decisão vai ao encontro do pensamento de milhares de pessoas no Brasil e no mundo, que há muitas décadas apontam objetivamente os equívocos da concepção do desenvolvimento centrada no crescimento material a qualquer custo, com ganhos exacerbados para poucos e resultados perversos para a maioria, ao custo, principalmente para os mais pobres, da destruição de recursos naturais e da qualidade de vida.
Tive a honra de ser ministra do Meio Ambiente do governo Lula e participei de importantes conquistas, das quais poderia citar, a título de exemplo, a queda do desmatamento na Amazônia, a estruturação e fortalecimento do sistema de licenciamento ambiental, a criação de 24 milhões de hectares de unidades de conservação federal, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e do Serviço Florestal Brasileiro. Entendo, porém, que faltaram condições políticas para avançar no campo da visão estratégica, ou seja, de fazer a questão ambiental alojar-se no coração do governo e do conjunto das políticas públicas.
É evidente que a resistência a essa mudança de enfoque não é exclusiva de governos. Ela está presente nos partidos políticos em geral e em vários setores da sociedade, que reagem a sair de suas práticas insustentáveis e pressionam as estruturas públicas para mantê-las.
Uma parte das pessoas com quem dialoguei nas últimas semanas perguntou-me por que não continuar fazendo esse embate dentro do PT. E chego à conclusão de que, após 30 anos de luta socioambiental no Brasil – com importantes experiências em curso, que deveriam ganhar escala nacional, provindas de governos locais e estaduais, agências federais, academia, movimentos sociais, empresas, comunidades locais e as organizações não-governamentais – é o momento não mais de continuar fazendo o embate para convencer o partido político do qual fiz parte por quase trinta anos, mas sim o do encontro com os diferentes setores da sociedade dispostos a se assumir, inteira e claramente, como agentes da luta por um Brasil justo e sustentável, a fazer prosperar a mudança de valores e paradigmas que sinalizará um novo padrão de desenvolvimento para o País. Assim como vem sendo feito pelo próprio Partido dos Trabalhadores, desde sua origem, no que diz respeito à defesa da democracia com participação popular, da justiça social e dos direitos humanos.
Finalmente, agradeço a forma acolhedora e respeitosa com que me ouviu, estendendo a mesma gratidão a todos os militantes e dirigentes com quem dialoguei nesse período, particularmente a Aloizio Mercadante e a meus companheiros da bancada do Senado, que sempre me acolheram em todos esses momentos. E, de modo muito especial, quero me referir aos companheiros do Acre, de quem não me despedi, porque acredito firmemente que temos uma parceria indestrutível, acima de filiações partidárias. Não fiz nenhum movimento para que outros me acompanhassem na saída do PT, respeitando o espaço de exercício da cidadania política de cada militante. Não estou negando os imprescindíveis frutos das searas já plantadas, estou apenas me dispondo a continuar as semeaduras em outras searas.
Que Deus continue abençoando e guardando nossos caminhos.
Saudações fraternas, Marina Silva
Mercandante sai maior do que entrou na crise do Senado.
Senador Aloísio Mercadante. Eis aí alguém que sai maior (como político e como persoalidade pública) do que entrou na crise do Senado produzida pelos escândalos envolvendo o ex-presidente Sarney e sua família. Confira abaixo notícia sobre o senador petista.
Sete senadores pedem que Mercadante permaneça líder
O líder do PT e do Bloco de Apoio ao Governo, Aloizio Mercadante (PT-SP) recebeu pedido de sete dos dez senadores petistas para que não deixe o comando da bancada, uma vez que esta é sua pretensão. O apoio a Mercadante foi manifestado agora à noite, durante reunião da bancada, realizada logo após a reunião do Conselho de Ética.
"Não reivindico essa posição e estou aqui hoje para cumprir um papel. Não fosse por isso, voltaria a ser um senador da base", afirmou Mercadante em entrevista coletiva no Gabinete da Liderança. "A minha vontade hoje, verdadeira, era sair da liderança do PT. Só não vou contribuir para agravar a crise da bancada. Não reivindico continuar líder. Não pleiteio. Só não sou uma pessoa de deixar a minha bancada em um momento tão difícil", ressaltou.O senador paulista não concordou com a orientação dada pelo presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), de votar pelo arquivamento das denúncias e representações contra Sarney. "No que diz respeito aos atos secretos a responsabilidade de investigar era nossa, dos senadores, para o bem do Senado. Propus que fizéssemos uma análise seletiva dos processos e não o arquivamento. Por isso acredito que a crise no Senado não acabou", disse ele. Mercadante reafirmou o posicionamento da bancada pela licença do presidente José Sarney desde o início da crise para garantir a transparência do Senado, que necessita passar por uma profunda reforma e modernizar-se. O líder petista se recusou a ler a nota do presidente do partido, porque ela não expressa a vontade da bancada conforme nota divulgada no dia 8 de julho.O senador disse, ainda, que cumpriu seu papel de líder ao não substituir do conselho os senadores João Pedro (PT-AM), Ideli Salvatti (PT-SC) e Delcídio Amaral (PT-MS) por parlamentares que não integram o partido. A medida seria uma alternativa para facilitar o arquivamento das denúncias e representações contra Sarney."No início da crise, a bancada defendia, majoritariamente, o afastamento de Sarney, só que a orientação partidária não foi esta e foi seguida pelos parlamentares, de acordo com a disciplina partidária", explicou.Para o senador, seria uma hipocrisia encaminhar o pedido para arquivar os processos contrariando a decisão da bancada. "Afirmei que pref eria deixar a liderança do PT no Senado porque contrariava nossa posição e também porque não queria deixar os colegas que estiveram comigo desamparados. Continuarei se eles assim decidirem. Caso apresentem uma sugestão, farei o encaminhamento de nova eleição para líder", admitiu.Para ele, a bancada e o partido se encontram num momento difícil. "Em 37 anos de militância política, sendo 30 anos no PT, já enfrentamos muitas tempestades e saímos fortalecidos", afirmou. Mercadante sustentou ainda que o Senado vive hoje uma crise, assim como a própria bancada do PT, porque o presidente Sarney não quis se licenciar para dar o espaço necessário às investigações.Mercadante falou aos repórteres logo após a reunião da bancada por ele convocada. Sete dos onze senadores compareceram. A líder do Governo no Congresso, Ideli Salvatti (SC), o senador Delcídio Amaral (MS), a senadora Fát ima Cleide (RO) e Flávio Arns não quiseram comparecer. O parlamentar paranaense chegou a anunciar o seu desligamento do partido ao líder da bancada. Quando integrada por Marina Silva (AC), a bancada petista tinha 12 integrantes.
paulista não concordou com a orientação dada pelo presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), de votar pelo arquivamento das denúncias e representações contra Sarney. "No que diz respeito aos atos secretos a responsabilidade de investigar era nossa, dos senadores, para o bem do Senado. Propus que fizéssemos uma análise seletiva dos processos e não o arquivamento. Por isso acredito que a crise no Senado não acabou", disse ele. Mercadante reafirmou o posicionamento da bancada pela licença do presidente José Sarney desde o início da crise para garantir a transparência do Senado, que necessita passar por uma profunda reforma e modernizar-se. O líder petista se recusou a ler a nota do presidente do partido, porque ela não expressa a vontade da bancada conforme nota divulgada no dia 8 de julho.O senador disse, ainda, que cumpriu seu papel de líder ao não substituir do conselho os senadores João Pedro (PT-AM), Ideli Salvatti (PT-SC) e Delcídio Amaral (PT-MS) por parlamentares que não integram o partido. A medida seria uma alternativa para facilitar o arquivamento das denúncias e representações contra Sarney."No início da crise, a bancada defendia, majoritariamente, o afastamento de Sarney, só que a orientação partidária não foi esta e foi seguida pelos parlamentares, de acordo com a disciplina partidária", explicou.Para o senador, seria uma hipocrisia encaminhar o pedido para arquivar os processos contrariando a decisão da bancada. "Afirmei que pref eria deixar a liderança do PT no Senado porque contrariava nossa posição e também porque não queria deixar os colegas que estiveram comigo desamparados. Continuarei se eles assim decidirem. Caso apresentem uma sugestão, farei o encaminhamento de nova eleição para líder", admitiu.Para ele, a bancada e o partido se encontram num momento difícil. "Em 37 anos de militância política, sendo 30 anos no PT, já enfrentamos muitas tempestades e saímos fortalecidos", afirmou. Mercadante sustentou ainda que o Senado vive hoje uma crise, assim como a própria bancada do PT, porque o presidente Sarney não quis se licenciar para dar o espaço necessário às investigações.Mercadante falou aos repórteres logo após a reunião da bancada por ele convocada. Sete dos onze senadores compareceram. A líder do Governo no Congresso, Ideli Salvatti (SC), o senador Delcídio Amaral (MS), a senadora Fát ima Cleide (RO) e Flávio Arns não quiseram comparecer. O parlamentar paranaense chegou a anunciar o seu desligamento do partido ao líder da bancada. Quando integrada por Marina Silva (AC), a bancada petista tinha 12 integrantes.
Sete senadores pedem que Mercadante permaneça líder
O líder do PT e do Bloco de Apoio ao Governo, Aloizio Mercadante (PT-SP) recebeu pedido de sete dos dez senadores petistas para que não deixe o comando da bancada, uma vez que esta é sua pretensão. O apoio a Mercadante foi manifestado agora à noite, durante reunião da bancada, realizada logo após a reunião do Conselho de Ética.
"Não reivindico essa posição e estou aqui hoje para cumprir um papel. Não fosse por isso, voltaria a ser um senador da base", afirmou Mercadante em entrevista coletiva no Gabinete da Liderança. "A minha vontade hoje, verdadeira, era sair da liderança do PT. Só não vou contribuir para agravar a crise da bancada. Não reivindico continuar líder. Não pleiteio. Só não sou uma pessoa de deixar a minha bancada em um momento tão difícil", ressaltou.O senador paulista não concordou com a orientação dada pelo presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), de votar pelo arquivamento das denúncias e representações contra Sarney. "No que diz respeito aos atos secretos a responsabilidade de investigar era nossa, dos senadores, para o bem do Senado. Propus que fizéssemos uma análise seletiva dos processos e não o arquivamento. Por isso acredito que a crise no Senado não acabou", disse ele. Mercadante reafirmou o posicionamento da bancada pela licença do presidente José Sarney desde o início da crise para garantir a transparência do Senado, que necessita passar por uma profunda reforma e modernizar-se. O líder petista se recusou a ler a nota do presidente do partido, porque ela não expressa a vontade da bancada conforme nota divulgada no dia 8 de julho.O senador disse, ainda, que cumpriu seu papel de líder ao não substituir do conselho os senadores João Pedro (PT-AM), Ideli Salvatti (PT-SC) e Delcídio Amaral (PT-MS) por parlamentares que não integram o partido. A medida seria uma alternativa para facilitar o arquivamento das denúncias e representações contra Sarney."No início da crise, a bancada defendia, majoritariamente, o afastamento de Sarney, só que a orientação partidária não foi esta e foi seguida pelos parlamentares, de acordo com a disciplina partidária", explicou.Para o senador, seria uma hipocrisia encaminhar o pedido para arquivar os processos contrariando a decisão da bancada. "Afirmei que pref eria deixar a liderança do PT no Senado porque contrariava nossa posição e também porque não queria deixar os colegas que estiveram comigo desamparados. Continuarei se eles assim decidirem. Caso apresentem uma sugestão, farei o encaminhamento de nova eleição para líder", admitiu.Para ele, a bancada e o partido se encontram num momento difícil. "Em 37 anos de militância política, sendo 30 anos no PT, já enfrentamos muitas tempestades e saímos fortalecidos", afirmou. Mercadante sustentou ainda que o Senado vive hoje uma crise, assim como a própria bancada do PT, porque o presidente Sarney não quis se licenciar para dar o espaço necessário às investigações.Mercadante falou aos repórteres logo após a reunião da bancada por ele convocada. Sete dos onze senadores compareceram. A líder do Governo no Congresso, Ideli Salvatti (SC), o senador Delcídio Amaral (MS), a senadora Fát ima Cleide (RO) e Flávio Arns não quiseram comparecer. O parlamentar paranaense chegou a anunciar o seu desligamento do partido ao líder da bancada. Quando integrada por Marina Silva (AC), a bancada petista tinha 12 integrantes.
paulista não concordou com a orientação dada pelo presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), de votar pelo arquivamento das denúncias e representações contra Sarney. "No que diz respeito aos atos secretos a responsabilidade de investigar era nossa, dos senadores, para o bem do Senado. Propus que fizéssemos uma análise seletiva dos processos e não o arquivamento. Por isso acredito que a crise no Senado não acabou", disse ele. Mercadante reafirmou o posicionamento da bancada pela licença do presidente José Sarney desde o início da crise para garantir a transparência do Senado, que necessita passar por uma profunda reforma e modernizar-se. O líder petista se recusou a ler a nota do presidente do partido, porque ela não expressa a vontade da bancada conforme nota divulgada no dia 8 de julho.O senador disse, ainda, que cumpriu seu papel de líder ao não substituir do conselho os senadores João Pedro (PT-AM), Ideli Salvatti (PT-SC) e Delcídio Amaral (PT-MS) por parlamentares que não integram o partido. A medida seria uma alternativa para facilitar o arquivamento das denúncias e representações contra Sarney."No início da crise, a bancada defendia, majoritariamente, o afastamento de Sarney, só que a orientação partidária não foi esta e foi seguida pelos parlamentares, de acordo com a disciplina partidária", explicou.Para o senador, seria uma hipocrisia encaminhar o pedido para arquivar os processos contrariando a decisão da bancada. "Afirmei que pref eria deixar a liderança do PT no Senado porque contrariava nossa posição e também porque não queria deixar os colegas que estiveram comigo desamparados. Continuarei se eles assim decidirem. Caso apresentem uma sugestão, farei o encaminhamento de nova eleição para líder", admitiu.Para ele, a bancada e o partido se encontram num momento difícil. "Em 37 anos de militância política, sendo 30 anos no PT, já enfrentamos muitas tempestades e saímos fortalecidos", afirmou. Mercadante sustentou ainda que o Senado vive hoje uma crise, assim como a própria bancada do PT, porque o presidente Sarney não quis se licenciar para dar o espaço necessário às investigações.Mercadante falou aos repórteres logo após a reunião da bancada por ele convocada. Sete dos onze senadores compareceram. A líder do Governo no Congresso, Ideli Salvatti (SC), o senador Delcídio Amaral (MS), a senadora Fát ima Cleide (RO) e Flávio Arns não quiseram comparecer. O parlamentar paranaense chegou a anunciar o seu desligamento do partido ao líder da bancada. Quando integrada por Marina Silva (AC), a bancada petista tinha 12 integrantes.
Pavara de ordem... Direto do túnel do tempo.
Há vinte e quatro anos, em um Congresso da UNE, os estudantes ligados ao PT provocavam as militâncias do então PCB e do PCdoB, forças políticas alinhadas com a chamada "Aliança Democrática". Os petistas gritavam:
Reformista, reformista,
eu bem que te avisei:
dormistes com Tancredo e acordastes com Sarney.
Vale a pena lembrar!
Reformista, reformista,
eu bem que te avisei:
dormistes com Tancredo e acordastes com Sarney.
Vale a pena lembrar!
O custo Sarney
Como de costume, transcrevo mais abaixo a coluna de hoje do jornalista Alon Feuerwerker. Confira!
Fatura remetida ao Planalto
Alon Feuerwerker
O PT está ficando com uma cara de coisa antiga. Menos do que a do tucanato associado a FHC, mas ainda assim antiga. Um eventual governo Dilma corre o risco de nascer velho? O que o eleitor vai achar disso?
A bancada do PT no Senado tem uma dívida com o líder, Aloizio Mercadante (SP). Ao insistir que José Sarney (PMDB-AP) devia explicações ao Conselho de Ética, Mercadante ajudou a proteger os colegas, deixando mais que claro de onde vinham as pressões pelo arquivamento sumário: do Palácio do Planalto. O senador João Pedro (PT-AM) também contribuiu, quando leu no conselho um texto com a posição pública do presidente do PT, deputado federal Ricardo Berzoini (SP).
Assim, se manter Sarney na Presidência do Senado interessava antes de tudo ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o próprio assumisse o ônus. A posição de Mercadante serviu também de escudo a dois colegas em particular, Delcídio Amaral (MS) e Ideli Salvatti (SC). Ambos candidatos ano que vem poderão dizer que votaram com o partido, com o presidente Lula, que fizeram esse sacrifício em nome do projeto maior. A única coisa que não pode faltar a um político é o discurso. Se o líder não consegue oferecer aos liderados a vitória, que pelo menos dê o discurso.
Lula desenvolveu ao longo dos anos uma tecnologia. É a história do técnico de futebol para quem “eu ganhei, nós empatamos, eles perderam”. Tudo vai se desenhando para que 2010 represente o ápice da estratégia. Será a eleição do tudo ou nada. A cúpula do PT opera para não ter candidatos viáveis nos maiores colégios eleitorais. Uma exceção será o ministro da Justiça, Tarso Genro, que deu o drible da vaca na direção nacional do partido e foi também beneficiado pelo desastre político do tucanato no Rio Grande do Sul.
A tese predominante no PT é abrir mão de tudo que possa representar risco para a montagem de um palanque invencível na sucessão presidencial. Teoricamente faz sentido. O tempo de televisão do PMDB dará um belo trunfo a Dilma Rousseff, ainda mais se houver mesmo o desgarramento de outros pedaços da base do governo. O problema, de novo, é o discurso. Ao PT resta hoje a tese de que fez um governo melhor do que fizera o PSDB. É verdade. Se for só por isso, Dilma pode preparar o tailleur.
Eleições são apostas sobre o futuro. O presente pode ganhar, desde que dispute com o passado, já que em relação ao passado o presente é o futuro. Fernando Henrique Cardoso reelegeu-se em 1998 porque as pessoas não queriam de volta o passado de inflação. E Lula venceu em 2006 porque os eleitores não desejavam a volta do passado representado por FHC.
Aliás, talvez os tucanos nunca tenham entendido como a história das privatizações rendeu tanto ao PT naquele ano. Não foi porque o brasileiro se tornou um estatista fanático, mas talvez porque o ambiente de polarização ideológica tenha reavivado as brasas adormecidas da péssima memória popular sobre o segundo quadriênio do PSDB no Planalto. Que persiste até hoje. Basta olhar para as pesquisas, nas quais invariavelmente o campo político tucano-democrata aparece em minoria quando se pergunta sobre o sucessor de Lula.
Mas o discurso da continuidade encontra o limite quando se vê diante do apelo do futuro. Não qualquer futuro. Um viável. Esse é o risco do caminho pelo qual o situacionismo conduz a guerra. O PT está ficando com uma cara de coisa antiga. Menos do que a do tucanato associado a FHC, mas ainda assim antiga. Um eventual governo Dilma corre o risco de nascer velho? O que o eleitor vai achar disso? E qual é a liderança partidária que poderia encarnar hoje o sentimento de renovação política?
Não é à toa que Lula se movimenta para matar as alternativas. Ele sabe o que faz.
Homenagem
Um último detalhe. O PMDB que representou contra o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) votou no Conselho de Ética para arquivar sumariamente o mesmo processo que o partido havia apresentado. Foi uma posição transparente, a admissão de que a coisa se reduzia apenas à política. O PMDB poderia ter votado para abrir o processo contra o líder tucano. Não mudaria o desfecho. Mas preferiu dar os votos que garantiram a unanimidade a favor de Virgílio. Talvez tenha sido uma homenagem.
Sofisticado
Como foi notado ao longo do dia, e finalmente verbalizado pelo senador Pedro Simon (PMDB-RS), a senadora Marina Silva (sem partido-AC) escolheu deixar o PT no dia em que a legenda votou para impedir qualquer investigação sobre o presidente do Senado. Talvez agora os que a reduzem a uma “candidata temática” percebam que estão diante de algo mais sofisticado.Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje no Correio Braziliense.
Fatura remetida ao Planalto
Alon Feuerwerker
O PT está ficando com uma cara de coisa antiga. Menos do que a do tucanato associado a FHC, mas ainda assim antiga. Um eventual governo Dilma corre o risco de nascer velho? O que o eleitor vai achar disso?
A bancada do PT no Senado tem uma dívida com o líder, Aloizio Mercadante (SP). Ao insistir que José Sarney (PMDB-AP) devia explicações ao Conselho de Ética, Mercadante ajudou a proteger os colegas, deixando mais que claro de onde vinham as pressões pelo arquivamento sumário: do Palácio do Planalto. O senador João Pedro (PT-AM) também contribuiu, quando leu no conselho um texto com a posição pública do presidente do PT, deputado federal Ricardo Berzoini (SP).
Assim, se manter Sarney na Presidência do Senado interessava antes de tudo ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o próprio assumisse o ônus. A posição de Mercadante serviu também de escudo a dois colegas em particular, Delcídio Amaral (MS) e Ideli Salvatti (SC). Ambos candidatos ano que vem poderão dizer que votaram com o partido, com o presidente Lula, que fizeram esse sacrifício em nome do projeto maior. A única coisa que não pode faltar a um político é o discurso. Se o líder não consegue oferecer aos liderados a vitória, que pelo menos dê o discurso.
Lula desenvolveu ao longo dos anos uma tecnologia. É a história do técnico de futebol para quem “eu ganhei, nós empatamos, eles perderam”. Tudo vai se desenhando para que 2010 represente o ápice da estratégia. Será a eleição do tudo ou nada. A cúpula do PT opera para não ter candidatos viáveis nos maiores colégios eleitorais. Uma exceção será o ministro da Justiça, Tarso Genro, que deu o drible da vaca na direção nacional do partido e foi também beneficiado pelo desastre político do tucanato no Rio Grande do Sul.
A tese predominante no PT é abrir mão de tudo que possa representar risco para a montagem de um palanque invencível na sucessão presidencial. Teoricamente faz sentido. O tempo de televisão do PMDB dará um belo trunfo a Dilma Rousseff, ainda mais se houver mesmo o desgarramento de outros pedaços da base do governo. O problema, de novo, é o discurso. Ao PT resta hoje a tese de que fez um governo melhor do que fizera o PSDB. É verdade. Se for só por isso, Dilma pode preparar o tailleur.
Eleições são apostas sobre o futuro. O presente pode ganhar, desde que dispute com o passado, já que em relação ao passado o presente é o futuro. Fernando Henrique Cardoso reelegeu-se em 1998 porque as pessoas não queriam de volta o passado de inflação. E Lula venceu em 2006 porque os eleitores não desejavam a volta do passado representado por FHC.
Aliás, talvez os tucanos nunca tenham entendido como a história das privatizações rendeu tanto ao PT naquele ano. Não foi porque o brasileiro se tornou um estatista fanático, mas talvez porque o ambiente de polarização ideológica tenha reavivado as brasas adormecidas da péssima memória popular sobre o segundo quadriênio do PSDB no Planalto. Que persiste até hoje. Basta olhar para as pesquisas, nas quais invariavelmente o campo político tucano-democrata aparece em minoria quando se pergunta sobre o sucessor de Lula.
Mas o discurso da continuidade encontra o limite quando se vê diante do apelo do futuro. Não qualquer futuro. Um viável. Esse é o risco do caminho pelo qual o situacionismo conduz a guerra. O PT está ficando com uma cara de coisa antiga. Menos do que a do tucanato associado a FHC, mas ainda assim antiga. Um eventual governo Dilma corre o risco de nascer velho? O que o eleitor vai achar disso? E qual é a liderança partidária que poderia encarnar hoje o sentimento de renovação política?
Não é à toa que Lula se movimenta para matar as alternativas. Ele sabe o que faz.
Homenagem
Um último detalhe. O PMDB que representou contra o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) votou no Conselho de Ética para arquivar sumariamente o mesmo processo que o partido havia apresentado. Foi uma posição transparente, a admissão de que a coisa se reduzia apenas à política. O PMDB poderia ter votado para abrir o processo contra o líder tucano. Não mudaria o desfecho. Mas preferiu dar os votos que garantiram a unanimidade a favor de Virgílio. Talvez tenha sido uma homenagem.
Sofisticado
Como foi notado ao longo do dia, e finalmente verbalizado pelo senador Pedro Simon (PMDB-RS), a senadora Marina Silva (sem partido-AC) escolheu deixar o PT no dia em que a legenda votou para impedir qualquer investigação sobre o presidente do Senado. Talvez agora os que a reduzem a uma “candidata temática” percebam que estão diante de algo mais sofisticado.Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje no Correio Braziliense.
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quarta-feira, 19 de agosto de 2009
2010: quais as perspectivas da oposição? A análise de César Maia
Você não precisa concordar com as posições do César Maia (eu raramente estou em acordo com elas!), mas o ex-Prefeito do Rio é alguém que, em suas análises, desenvolve raciocínios inteligentes e com sentido, mesmo que parciais (como seria de se esperar). Por isso mesmo, vale a pena conferir a análise feita pelo político a respeito do quadro eleitoral de 2010.
2010: UM AMBIENTE FAVORÁVEL À OPOSIÇÃO!
César Maia
1. A popularidade de Lula está completamente descolada de seus candidatos a governador, senador e deputados federais. Isso se deve a seu exibicionismo populista e auto-adoração, que termina destacando-o como personagem ímpar. Ao tempo que isso lhe dá satisfação, o descola dos demais. As pesquisas pré-eleitorais, pelo Brasil todo, vêm informando exaustivamente isso. O caso do Senado, apesar das declarações de Lula, não cola nele: a popularidade o blinda. Mas cola nos demais -companheiras e companheiros- e gera exaustivo material de mídia para ser usado em campanha. O caso do Senado reativa a memória de outros fatos, entre eles o mensalão, cujos desdobramentos estarão em cima da mesa em 2010.
2. A crise econômica afetou a receita dos Estados e Municípios. Mais grave, porque a curva 2007-2008 era fortemente ascendente. Isso provoca um freio de arrumação e retardamento nas ações e obras dos governos no penúltimo ano dos governos, com reflexos que irão até o primeiro semestre de 2010. Lembre-se que abril é o mês limite para abrir novos gastos que repercutam sobre 2011, segundo a LRF - lei de responsabilidade fiscal. A política é também a arte de administrar expectativas. Lula espertamente tenta transferir a culpa à burocracia, sete anos depois de assumir. Mas o eleitor imPACtado pelas promessas de 2007 e 2008 frustra-se em 2009 e 2010. As vaias de Nova Iguaçu, ontem, só confirmam isso.
3. As eleições presidenciais sempre concentram as atenções da imprensa, sobrando pouco para os candidatos a governador, o que reforçará o descolamento citado. Por outro lado, a candidatura presidencial forte e competitiva da oposição alavanca na colagem os candidatos majoritários e as bancadas proporcionais. Em alguns estados funcionalmente desarrumados, como Rio Grande do Sul, Estado do Rio, Alagoas; ou politicamente estressados como São Paulo, Minas, Brasília, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraná, Mato Grosso... pela força dos candidatos das oposições, a sinergia com a candidatura presidencial opositora será automática.
4. Não há milagre que faça Lula ser mais orgânico (Globo-on, 18/08: - Na campanha eleitoral de 2006 inventaram um tal de formador de opinião pública. Mas o povo não quer intermediário. O povo para votar não precisa de intermediário - disse Lula), e cada vez se descola mais de todos.
5. E se não bastasse, o campo eleitoral se complicou com Ciro Gomes, o que deixa Dilma (uma estreante em campanhas) acuada. E o PMDB, aliado do peito, terá fortes candidatos a governador associados à oposição, seus ou de partidos de oposição.
2010: UM AMBIENTE FAVORÁVEL À OPOSIÇÃO!
César Maia
1. A popularidade de Lula está completamente descolada de seus candidatos a governador, senador e deputados federais. Isso se deve a seu exibicionismo populista e auto-adoração, que termina destacando-o como personagem ímpar. Ao tempo que isso lhe dá satisfação, o descola dos demais. As pesquisas pré-eleitorais, pelo Brasil todo, vêm informando exaustivamente isso. O caso do Senado, apesar das declarações de Lula, não cola nele: a popularidade o blinda. Mas cola nos demais -companheiras e companheiros- e gera exaustivo material de mídia para ser usado em campanha. O caso do Senado reativa a memória de outros fatos, entre eles o mensalão, cujos desdobramentos estarão em cima da mesa em 2010.
2. A crise econômica afetou a receita dos Estados e Municípios. Mais grave, porque a curva 2007-2008 era fortemente ascendente. Isso provoca um freio de arrumação e retardamento nas ações e obras dos governos no penúltimo ano dos governos, com reflexos que irão até o primeiro semestre de 2010. Lembre-se que abril é o mês limite para abrir novos gastos que repercutam sobre 2011, segundo a LRF - lei de responsabilidade fiscal. A política é também a arte de administrar expectativas. Lula espertamente tenta transferir a culpa à burocracia, sete anos depois de assumir. Mas o eleitor imPACtado pelas promessas de 2007 e 2008 frustra-se em 2009 e 2010. As vaias de Nova Iguaçu, ontem, só confirmam isso.
3. As eleições presidenciais sempre concentram as atenções da imprensa, sobrando pouco para os candidatos a governador, o que reforçará o descolamento citado. Por outro lado, a candidatura presidencial forte e competitiva da oposição alavanca na colagem os candidatos majoritários e as bancadas proporcionais. Em alguns estados funcionalmente desarrumados, como Rio Grande do Sul, Estado do Rio, Alagoas; ou politicamente estressados como São Paulo, Minas, Brasília, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraná, Mato Grosso... pela força dos candidatos das oposições, a sinergia com a candidatura presidencial opositora será automática.
4. Não há milagre que faça Lula ser mais orgânico (Globo-on, 18/08: - Na campanha eleitoral de 2006 inventaram um tal de formador de opinião pública. Mas o povo não quer intermediário. O povo para votar não precisa de intermediário - disse Lula), e cada vez se descola mais de todos.
5. E se não bastasse, o campo eleitoral se complicou com Ciro Gomes, o que deixa Dilma (uma estreante em campanhas) acuada. E o PMDB, aliado do peito, terá fortes candidatos a governador associados à oposição, seus ou de partidos de oposição.
Querem rifar o Mercandante
Como se nega a mudar nomes na Comissão de Justiça, o Senador Aloísio Mercandante (PT-SP) está para ser afastado da liderança do PT. Tudo em nome da defesa de José Sarney. Pelo Sarney, o PT está disposto a humilhar publicamente o seu mais competente parlamentar. Só Dante nos salva...
Quem vos guiou alumiando os passos
Para a profunda noite haver deixado
Que enluta sempre os infernais espaços?
Quem vos guiou alumiando os passos
Para a profunda noite haver deixado
Que enluta sempre os infernais espaços?
A candidatura Marina na avaliação de Marcos Rolim
Marcos Rolim foi, de longe, um dos melhores deputados que o parlamento brasileiro já teve. E o parlamentar do PT que mais deu contribuições substantivas aos debates sobre segurança pública, homofobia, violência de gênero e racismo. Articulado, corajoso e com uma grande sensibilidade crítica, como era de se esperar, Rolim foi tratorado pelas máquinas mobilizadas por "companheiros" mais flexíveis do ponto de vista moral. Mas ele continua por aí, trabalhando e defendendo de cabeça erguida o que pensa. Algo raro, nesses tempos de vale tudo. Para alguns amigos petistas, ele é demodé e não entende o que "está em jogo". C'est la vie. Eu continuo levando muito a sério o que Rolim escreve. Por isso, coloco mais aí abaixo a sua posição sobre a possível candidatura da ex-ministra e Senadora Marina Silva.
MARINA
Marcos Rolim
Conheci Marina Silva no início dos anos 80. Havia, ainda, uma ditadura no país e sonhávamos com a revolução socialista.
Muito jovens e totalmente dedicados à militância, nos encontramos em reuniões onde usávamos codinomes. Fui saber que Marina era Marina, alguns anos depois. Com ela, havia um baixinho de bigode, figura cativante, de olhar compenetrado e voz pausada, que organizava a luta dos seringueiros no Acre. Os dois nos falavam da defesa “dos povos da floresta”. Ele foi assassinado em 1988 e seu nome verdadeiro era Chico Mendes. Desde aquela época, acompanho a trajetória de Marina com respeito e admiração. Se aceitar o convite do PV, Marina será candidata à Presidência da República, o que seria a melhor notícia da política brasileira nos últimos anos.
Consta que o PT está empenhado em convencer Marina a permanecer no Partido. Compreensível. Para o PT, o cenário ideal da campanha presidencial seria aquele onde houvesse uma dinâmica plebiscitária. Dilma seria, então, apresentada como a continuidade das políticas sociais do governo contra os riscos de um retrocesso. O que é bom para um partido, entretanto, nem sempre é bom para o país. Uma campanha presidencial confinada à polarização entre o PT e o PSDB será também uma campanha pequena diante dos desafios que precisamos superar. Marina representa a possibilidade de se colocar no centro da discussão política o tema do desenvolvimento sustentável, o que permitiria sintonizar o País com o debate sobre a utopia final, aquela que envolve a sobrevivência da espécie humana.
Ainda que a maioria de seus políticos não perceba, o Brasil já está no centro da polêmica mundial por conta da Amazônia. Nossos governos têm sido incapazes de formular projetos de desenvolvimento que não sejam devastadores do ponto de vista ambiental. A simples presença de Marina na disputa obrigará os demais candidatos a se posicionar com mais clareza sobre estes temas. Mas Marina pode – melhor do que ninguém – pautar questões difíceis para os partidos tradicionais, a começar pelo enfrentamento da barafunda ética em que a política brasileira se meteu – especialmente desde que seu mais importante partido de esquerda foi “reformado” pela tradição. Dilma e Serra não podem apresentar qualquer proposta de reforma política. Suas candidaturas são já a expressão de poderosas coalisões conservadoras e de máquinas eleitorais financiadas precisamente pelos interessados na manutenção do status quo. Não são iguais, por óbvio. Por aquilo que representam, Dilma e Serra estão em uma relação equivalente ao que expressam na política norte-americana democratas e republicanos. Mas se há alguém que pode ser o que Obama representou para os EUA, este alguém é Marina Silva.
Posso estar completamente enganado e não temos sequer pesquisas que permitam qualquer prognóstico. Penso, entretanto, que há um imenso vazio na política brasileira. Um espaço que nunca será preenchido por outro vazio, como com a idéia irresponsável do voto nulo que só piora as coisas, deixando a decisão nas mãos de quem tem menor senso crítico. O Brasil precisa de um projeto moderno e ético e do retorno da paixão à política, o que só pode ser traduzido por candidaturas muito especiais, dessas que fazem a gente se orgulhar ao votar. Anotem aí: Marina é a cara!
MARINA
Marcos Rolim
Conheci Marina Silva no início dos anos 80. Havia, ainda, uma ditadura no país e sonhávamos com a revolução socialista.
Muito jovens e totalmente dedicados à militância, nos encontramos em reuniões onde usávamos codinomes. Fui saber que Marina era Marina, alguns anos depois. Com ela, havia um baixinho de bigode, figura cativante, de olhar compenetrado e voz pausada, que organizava a luta dos seringueiros no Acre. Os dois nos falavam da defesa “dos povos da floresta”. Ele foi assassinado em 1988 e seu nome verdadeiro era Chico Mendes. Desde aquela época, acompanho a trajetória de Marina com respeito e admiração. Se aceitar o convite do PV, Marina será candidata à Presidência da República, o que seria a melhor notícia da política brasileira nos últimos anos.
Consta que o PT está empenhado em convencer Marina a permanecer no Partido. Compreensível. Para o PT, o cenário ideal da campanha presidencial seria aquele onde houvesse uma dinâmica plebiscitária. Dilma seria, então, apresentada como a continuidade das políticas sociais do governo contra os riscos de um retrocesso. O que é bom para um partido, entretanto, nem sempre é bom para o país. Uma campanha presidencial confinada à polarização entre o PT e o PSDB será também uma campanha pequena diante dos desafios que precisamos superar. Marina representa a possibilidade de se colocar no centro da discussão política o tema do desenvolvimento sustentável, o que permitiria sintonizar o País com o debate sobre a utopia final, aquela que envolve a sobrevivência da espécie humana.
Ainda que a maioria de seus políticos não perceba, o Brasil já está no centro da polêmica mundial por conta da Amazônia. Nossos governos têm sido incapazes de formular projetos de desenvolvimento que não sejam devastadores do ponto de vista ambiental. A simples presença de Marina na disputa obrigará os demais candidatos a se posicionar com mais clareza sobre estes temas. Mas Marina pode – melhor do que ninguém – pautar questões difíceis para os partidos tradicionais, a começar pelo enfrentamento da barafunda ética em que a política brasileira se meteu – especialmente desde que seu mais importante partido de esquerda foi “reformado” pela tradição. Dilma e Serra não podem apresentar qualquer proposta de reforma política. Suas candidaturas são já a expressão de poderosas coalisões conservadoras e de máquinas eleitorais financiadas precisamente pelos interessados na manutenção do status quo. Não são iguais, por óbvio. Por aquilo que representam, Dilma e Serra estão em uma relação equivalente ao que expressam na política norte-americana democratas e republicanos. Mas se há alguém que pode ser o que Obama representou para os EUA, este alguém é Marina Silva.
Posso estar completamente enganado e não temos sequer pesquisas que permitam qualquer prognóstico. Penso, entretanto, que há um imenso vazio na política brasileira. Um espaço que nunca será preenchido por outro vazio, como com a idéia irresponsável do voto nulo que só piora as coisas, deixando a decisão nas mãos de quem tem menor senso crítico. O Brasil precisa de um projeto moderno e ético e do retorno da paixão à política, o que só pode ser traduzido por candidaturas muito especiais, dessas que fazem a gente se orgulhar ao votar. Anotem aí: Marina é a cara!
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Eleições de 2010: uma disputa político-ideológica
O que está em jogo nas eleições de 2010? Esta questão deve se constituir em um dos eixos do debate político neste resto de ano e durante todo o ano vindouro. Por isso, de vez em quando, postarei aqui posições a respeito. Hoje, disponibilizo um artigo do Deputado José Genoíno (PT-SP) sobre qual deve ser a posição do PT. Acesse aqui o artigo.
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terça-feira, 18 de agosto de 2009
Fátima Bezerra me fez chorar
Eu estava em Apodi, há alguns dias, visitando familiares. Fui, com alguns deles, conhecer a unidade do IFET do município. Uma estrutura e tanto. Com capacidade para o bom desenvolvimento de atividades de ensino profissionalizante. Algo que, pelo impacto positivo que pode causar na juventude local, pode ser considerado revolucionário.
Lembrei-me, então, que quase uma dezena de unidades iguais aquela estão sendo inauguradas no RN. E, reconheçamos, esse resultado foi possível, em parte, pelo trabalho abnegado da Deputada Fátima Bezerra. A parlamentar tem feito da defesa da expansão dos antigos CEFETs mais do que uma bandeira de luta, muito mais!, tem tomado essa questão o centro de sua atuação nos últimos anos. E os ganhos serão colhidos nos próximos.
Não sou ingênuo - não tenho mais idade para isso! -, essa atuação, em parte, resvala para o que eu definiria como um certo "clientelismo de esquerda" - o parlamentar faz uma "parceria" com determinados setores e/ou instituições e passa a ser o seu "defensor". Em uma situação efetivamente republicana, convenhamos, essa intermediação seria não apenas dispensável, mas condenável do ponto de vista da construção da cidadania. Mas ainda estamos, por aqui, profundamente imersos nas relações de dádivas para que alcancemos aquele estado de coisas. Assim sendo, atuações focadas e "parcerias" como essas são justificadas.
Bom. Voltando ao IFET de Apodi, lembrei-me de um tempo, três décadas atrás, em que eu enfrentava diariamente vinte e quatro quilómetros de estrada de barro (e, em conseqüência, muita lama e atoleiro durante o inverno) e atravessava dois rios para chegar em uma escola que, no ensino médio, iria me formar como "técnico em escritório" (pois é, acredite!, sou técnico em escritório). A escola não possuía uma única máquina de escrever para os alunos treinarem algo que tivesse relação com a sua formação, como direi?, técnica. Três décadas depois, um IFET receberá os alunos do município e da redondeza com toda uma infra-estrutua para dar-lhes uma boa formação técnica. Nem nos meios devaneios, e confesso que os tive (e ainda tenho) muitos, pensei em algo assim.
Há umas duas semanas, recebo a notícia que me levou às lágrimas. Meu irmão mais novo (meu pai é um velho sertanejo que continuou a ter filhos até os setenta anos...), Evanildo, fora aprovado para o curso de Zootecnia do IFET de Apodi. A revolução que Fátima Bezerra ajudou a construir já começou e, para o meu regozijo, atingiu minha família. Chorei, sim. E agradeço a Deputada por isso.
PS: O post acima estava na minha máquina. Deixei-o salvo em word e fui para uma reunião em certo colegiado do qual participo por dever de ofício. Nessa reunião entrou em pauta um assunto que me colocou em choque com alguns "fatimistas". Tudo se passou, então, como se eu fosse um combatente anti-Fátima (coisa que efetivamente não sou, embora seja um crítico velado da sua desastrosa atuação nas eleições de Natal em 2008). Mas o que mais me chamou a atenção foi o comportamento da sua "militância". Nessas horas, para alguns deles, o insustentável torna-se "politicamente defensável". E defender princípios se torna "moralismo". E quem defende valores morais, claro!, vai para a caldeirinha fervente para onde devem ir todos os direitistas e conservadores.
Mas o melhor vem depois: de uma hora para outra, você se torna alvo de gente que mobiliza qualquer argumento para garantir a "vitória". Refiro-me a um questionamento meio velado a respeito de consultorias que eu teria feito para prefeitos corruptos (quem é o prefeito corrupto? Será que é quem eu estou pensando? Bueno, mas não é um aliado dos companheiros?). Em realidade, nunca trabalhei para prefeitura nenhuma. Prestei consultoria, sim, mas para empresas de consultoria que eram contratadas por prefeituras. Pensei em retrucar, mas deixei prá lá... Não estou em nenhuma cruzada e estava apenas questionando algo com que eu tinha minhas discordâncias. Não me moveu nenhuma bandeira, mas apenas uma questão de saúde e bem-estar pessoal: caso não o fizesse, iria ter ânsias de vômito depois...
Bom, o post está aí. E eu, cá no meu canto, ainda acho Fátima uma grande deputada. Com certeza, bem melhor do que a "política" Fátima revelada pelas eleições municipais do ano passado.
Lembrei-me, então, que quase uma dezena de unidades iguais aquela estão sendo inauguradas no RN. E, reconheçamos, esse resultado foi possível, em parte, pelo trabalho abnegado da Deputada Fátima Bezerra. A parlamentar tem feito da defesa da expansão dos antigos CEFETs mais do que uma bandeira de luta, muito mais!, tem tomado essa questão o centro de sua atuação nos últimos anos. E os ganhos serão colhidos nos próximos.
Não sou ingênuo - não tenho mais idade para isso! -, essa atuação, em parte, resvala para o que eu definiria como um certo "clientelismo de esquerda" - o parlamentar faz uma "parceria" com determinados setores e/ou instituições e passa a ser o seu "defensor". Em uma situação efetivamente republicana, convenhamos, essa intermediação seria não apenas dispensável, mas condenável do ponto de vista da construção da cidadania. Mas ainda estamos, por aqui, profundamente imersos nas relações de dádivas para que alcancemos aquele estado de coisas. Assim sendo, atuações focadas e "parcerias" como essas são justificadas.
Bom. Voltando ao IFET de Apodi, lembrei-me de um tempo, três décadas atrás, em que eu enfrentava diariamente vinte e quatro quilómetros de estrada de barro (e, em conseqüência, muita lama e atoleiro durante o inverno) e atravessava dois rios para chegar em uma escola que, no ensino médio, iria me formar como "técnico em escritório" (pois é, acredite!, sou técnico em escritório). A escola não possuía uma única máquina de escrever para os alunos treinarem algo que tivesse relação com a sua formação, como direi?, técnica. Três décadas depois, um IFET receberá os alunos do município e da redondeza com toda uma infra-estrutua para dar-lhes uma boa formação técnica. Nem nos meios devaneios, e confesso que os tive (e ainda tenho) muitos, pensei em algo assim.
Há umas duas semanas, recebo a notícia que me levou às lágrimas. Meu irmão mais novo (meu pai é um velho sertanejo que continuou a ter filhos até os setenta anos...), Evanildo, fora aprovado para o curso de Zootecnia do IFET de Apodi. A revolução que Fátima Bezerra ajudou a construir já começou e, para o meu regozijo, atingiu minha família. Chorei, sim. E agradeço a Deputada por isso.
PS: O post acima estava na minha máquina. Deixei-o salvo em word e fui para uma reunião em certo colegiado do qual participo por dever de ofício. Nessa reunião entrou em pauta um assunto que me colocou em choque com alguns "fatimistas". Tudo se passou, então, como se eu fosse um combatente anti-Fátima (coisa que efetivamente não sou, embora seja um crítico velado da sua desastrosa atuação nas eleições de Natal em 2008). Mas o que mais me chamou a atenção foi o comportamento da sua "militância". Nessas horas, para alguns deles, o insustentável torna-se "politicamente defensável". E defender princípios se torna "moralismo". E quem defende valores morais, claro!, vai para a caldeirinha fervente para onde devem ir todos os direitistas e conservadores.
Mas o melhor vem depois: de uma hora para outra, você se torna alvo de gente que mobiliza qualquer argumento para garantir a "vitória". Refiro-me a um questionamento meio velado a respeito de consultorias que eu teria feito para prefeitos corruptos (quem é o prefeito corrupto? Será que é quem eu estou pensando? Bueno, mas não é um aliado dos companheiros?). Em realidade, nunca trabalhei para prefeitura nenhuma. Prestei consultoria, sim, mas para empresas de consultoria que eram contratadas por prefeituras. Pensei em retrucar, mas deixei prá lá... Não estou em nenhuma cruzada e estava apenas questionando algo com que eu tinha minhas discordâncias. Não me moveu nenhuma bandeira, mas apenas uma questão de saúde e bem-estar pessoal: caso não o fizesse, iria ter ânsias de vômito depois...
Bom, o post está aí. E eu, cá no meu canto, ainda acho Fátima uma grande deputada. Com certeza, bem melhor do que a "política" Fátima revelada pelas eleições municipais do ano passado.
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