Do Ex-Blog do César Maia transcrevo a matéria abaixo. Fornece dados para uma análise mais profunda. Vale a pena conferir!
HOMICÍDIOS CAEM NO SUDESTE E SUL COM DESLOCAMENTO DA EXPORTAÇÃO DE COCAÍNA PELA ÁFRICA!
César Maia
1. O uso do índice de homicídios dolosos por cem mil habitantes como indicativo de violência deve ser analisado num contexto geral de criminalidade. Sempre que há um elemento exógeno aos níveis internos de violência e este se relaciona diretamente com os homicídios dolosos, há que se avaliar essa condição para não se cometer equívocos. Foi o caso das máfias antes e, nas últimas três décadas e meia, do tráfico de drogas na América Latina.
2. A correlação do tráfico de drogas com mortes violentas é direta e a correlação com outros tipos de criminalidade é indireta. E quanto maior o índice por habitantes, maior a correlação. Se algum fato novo alterar a dinâmica do tráfico de drogas, a análise da criminalidade deve ser mais abrangente que a circunscrita às mortes violentas. Incluindo, portando, os demais delitos e, em especial, Roubos e Furtos, que afetam a percepção de insegurança da população.
3. O índice de homicídios dolosos vem caindo nos últimos anos no sudeste e no sul do Brasil. Há um caso especial, que é o de S. Paulo, em que à razão geral se agrega a unificação das facções que operam no tráfico de drogas, o que acentuou a queda daquele índice. A razão geral mencionada é o deslocamento do corredor de exportação de cocaína para a Europa, que, em parte, saiu dos portos e aeroportos internacionais do Sudeste e Sul para o Nordeste.
4. Isso ocorre pela mudança da porta de entrada da cocaína na Europa, que sai da Península Ibérica e passa para a África Ocidental. Por exemplo: Guiné Bissau se transformou num narcoestado. Com isso, as plataformas por ar e por mar se deslocaram para o Nordeste, facilitadas por aeronaves e barcos de médio e pequeno porte atravessando o Atlântico.
5. Os índices de homicídios dolosos cresceram em geral no Nordeste, sendo exponenciados em cidades como Salvador e Maceió, que passaram a liderar as estatísticas entre as capitais. Recife mantém esta condição desde antes, pois seu aeroporto internacional e base portuária acompanhavam a lógica do Sudeste.
6. Por isso, ao se constatar a curva decrescente dos homicídios dolosos no Sudeste e Sul nos últimos anos, deve-se, antes de qualquer conclusão precipitada (como tem ocorrido), verificar outros indicadores, entre eles os Roubos e Furtos, que evidenciam, mais ainda que os homicídios, a exposição da população à violência e ao delito.
7. A secretaria de segurança do ERJ divulgou dias atrás, para publicação da imprensa, os números relativos a Homicídios Dolosos e mostrou a curva decrescente que vem desde quase 10 anos atrás, com oscilações eventuais. A tendência tem sido essa. De forma precipitada os números foram divulgados com manchetes favoráveis, como se houvesse uma reversão do quadro de violência. Infelizmente não foi assim. Faltaram cuidados e análise das razões e do conjunto dos indicadores
quinta-feira, 29 de abril de 2010
quarta-feira, 28 de abril de 2010
A morte de um mestre, a perda de um amigo
Eu assimilo as notícias trágicas devagar. Assim, ainda estou sob estado de choque. Devo chorar mais tarde, sei bem. Por ora é só um nó terrível na minha garganta... Morreu Daniel Joseph Hogan, um grande pesquisador, um gestor impecável e uma figura humana fantástica.
Daniel foi, para mim, muito mais que um orientador de tese. Respeitoso, cuidadoso e rigoroso, Daniel é, até hoje, o melhor modelo de professor universitário. Sabe aquele cara que você se orgulha de conhecer e partilhar algo com ele? Esse era o Daniel Hogan...
Devo o meu contato com Daniel ao grande amigo Haroldo Gama Torres. E creio que, como eu, o Haroldo deve estar sofrendo muito. E não apenas nós, óbvio. Todos os que conviveram mais de perto com ele, especialmente seus companheiros de pesquisa no NEPAM e NEPO devem estar sofrendo muito com essa perda.
No site da UNICAMP você encontra mais informações sobre essa notícia triste.
terça-feira, 27 de abril de 2010
E Ciro Gomes?
Leia abaixo artigo de autoria do jornalista Alon Feuerwerker abordando, com consistência e objetividade, a posição de Ciro Gomes nas próximas eleições presidenciais. Ou, de forma mais provinciana(do ponto de vista disciplina, of course!), uma análise sobre jogo, jogador e conseqüências não-intencionais.
O amigo dos inimigos
Alon Feuerwerker
Ciro não percebeu os sinais de que o segundo mandato marcaria uma flexão importante na política de alianças de Lula: o lugar à direita de sua excelência estaria reservado não para animar os dispostos a lhe fazer o bem, mas para demover quem ameaçasse fazer-lhe o mal
Ciro Gomes é a enésima vítima de um sistema eleitoral cuidadosamente concebido para transformar a política brasileira nesta confederação de cartórios esclerosados. Oferecido pelo PSB na mesa de câmbio das negociações paroquiais, das pequenas ambições e do apetite exacerbado pelas miudezas, o razoável seria Ciro concorrer à Presidência por outro partido, ou como independente.
Não vai acontecer, porque o monopólio da política por legendas desobrigadas de praticar qualquer democracia interna foi no Brasil transformado em virtude.
Prazos de desincompatibilização, prazos de filiação, fidelidade partidária, proibição de propaganda paga nos veículos de comunicação, proibição de arrecadar recursos se você não for dono de partido (antes do “início oficial” da campanha), exigência de filiação partidária para concorrer. Todos remédios certificados para curar, mas que vão levando à morte do paciente na mão do neocoronelismo.
Houvesse uma Anvisa para o setor, os alquimistas da politicagem nacional estariam em péssimos lençóis.
Mas esta coluna não é sobre reforma política, é sobre Ciro Gomes e suas circunstâncias. Até 1994 ele teve uma carreira política brilhante. Em pouco mais de uma década já percorrera as posições de deputado estadual, prefeito de Fortaleza, governador do Ceará e ministro da Fazenda. Rompeu com o PSDB no início do governo Fernando Henrique e foi para o PPS. Conseguiu 10% dos votos na eleição presidencial de 1998, garantindo fôlego para disputar quatro anos depois com chances no primeiro turno — e participando decisivamente da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno.
Ciro entrou no governo Lula e esteve na linha de frente da batalha da reeleição. Ali cometeu o primeiro erro realmente grave. Não percebeu os sinais de que o segundo mandato marcaria uma flexão importante na política de alianças do presidente: o lugar à direita de sua excelência estaria agora reservado não para animar os dispostos a lhe fazer o bem, mas para demover quem ameaçasse fazer-lhe o mal. O velho ditado de manter os inimigos mais por perto ainda.
Se a flexão era mesmo necessária, Lula operou-a de maneira tosca e amadora, detalhe surpreendente num profissional da política. O presidente vem deixando um a um os aliados históricos (uso aqui o termo com alguma flexibilidade) sucumbirem em batalhas desiguais e desmoralizantes contra os neoamigos, refregas sempre temperadas por convenientes vazamentos palacianos sobre as “preferências pessoais” e a “torcida” do presidente. E sobre a “tristeza” após cada infeliz desfecho.
São as únicas batalhas que Lula “perde”. Nas demais ele sempre tenta a vitória com a faca nos dentes.
Descartada a candidatura, o quase ex-presidenciável Ciro Gomes tem hoje dois problemas.
O PT ameaça colocar em marcha o projeto de demolir o grupo dele no Ceará, caso Ciro não se junte à operação para liquidar a carreira política de Tasso Jereissati. É uma das muitas metas de Lula nesta eleição. Como Tasso e Ciro são — aí sim — aliados históricos, ao ponto de o tucano Tasso ter largado a candidatura presidencial de José Serra em 2002 para apoiar o parceiro, é coisa que Ciro não fará.
O segundo problema de Ciro é ter dinamitado as pontes com o outro lado. Num sistema linear de pensamento, isso deveria ter engordado seu cacife com o presidente. Mas diminuiu. Ao menos por enquanto, Ciro só tem bala para fazer mal a Lula em discursos. Coisa que pode ser facilmente neutralizada com os vazamentos de sempre, difundindo-se como Lula está “triste”, “chateado” ou “irritado”.
Um belo cardápio de supostos estados de espírito.
Alienação
De todo modo, Ciro presta pelo menos um serviço ao país nesta saída, ao advertir para os riscos da situação cambial.
O Banco Central dá sinais de que vai subir para valer o juro básico nos próximos meses. A medida irá acelerar a deterioração das contas externas e agravar nossa dependência dos investimentos diretos do exterior. Ou seja, da alienação de ativos para o exterior.
Enquanto isso, Lula discursa sobre o patriotismo do seu governo e o chanceler cuida de produzir factoides para preencher o noticiário.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada neste domingo (25) no Correio Braziliense.
O amigo dos inimigos
Alon Feuerwerker
Ciro não percebeu os sinais de que o segundo mandato marcaria uma flexão importante na política de alianças de Lula: o lugar à direita de sua excelência estaria reservado não para animar os dispostos a lhe fazer o bem, mas para demover quem ameaçasse fazer-lhe o mal
Ciro Gomes é a enésima vítima de um sistema eleitoral cuidadosamente concebido para transformar a política brasileira nesta confederação de cartórios esclerosados. Oferecido pelo PSB na mesa de câmbio das negociações paroquiais, das pequenas ambições e do apetite exacerbado pelas miudezas, o razoável seria Ciro concorrer à Presidência por outro partido, ou como independente.
Não vai acontecer, porque o monopólio da política por legendas desobrigadas de praticar qualquer democracia interna foi no Brasil transformado em virtude.
Prazos de desincompatibilização, prazos de filiação, fidelidade partidária, proibição de propaganda paga nos veículos de comunicação, proibição de arrecadar recursos se você não for dono de partido (antes do “início oficial” da campanha), exigência de filiação partidária para concorrer. Todos remédios certificados para curar, mas que vão levando à morte do paciente na mão do neocoronelismo.
Houvesse uma Anvisa para o setor, os alquimistas da politicagem nacional estariam em péssimos lençóis.
Mas esta coluna não é sobre reforma política, é sobre Ciro Gomes e suas circunstâncias. Até 1994 ele teve uma carreira política brilhante. Em pouco mais de uma década já percorrera as posições de deputado estadual, prefeito de Fortaleza, governador do Ceará e ministro da Fazenda. Rompeu com o PSDB no início do governo Fernando Henrique e foi para o PPS. Conseguiu 10% dos votos na eleição presidencial de 1998, garantindo fôlego para disputar quatro anos depois com chances no primeiro turno — e participando decisivamente da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno.
Ciro entrou no governo Lula e esteve na linha de frente da batalha da reeleição. Ali cometeu o primeiro erro realmente grave. Não percebeu os sinais de que o segundo mandato marcaria uma flexão importante na política de alianças do presidente: o lugar à direita de sua excelência estaria agora reservado não para animar os dispostos a lhe fazer o bem, mas para demover quem ameaçasse fazer-lhe o mal. O velho ditado de manter os inimigos mais por perto ainda.
Se a flexão era mesmo necessária, Lula operou-a de maneira tosca e amadora, detalhe surpreendente num profissional da política. O presidente vem deixando um a um os aliados históricos (uso aqui o termo com alguma flexibilidade) sucumbirem em batalhas desiguais e desmoralizantes contra os neoamigos, refregas sempre temperadas por convenientes vazamentos palacianos sobre as “preferências pessoais” e a “torcida” do presidente. E sobre a “tristeza” após cada infeliz desfecho.
São as únicas batalhas que Lula “perde”. Nas demais ele sempre tenta a vitória com a faca nos dentes.
Descartada a candidatura, o quase ex-presidenciável Ciro Gomes tem hoje dois problemas.
O PT ameaça colocar em marcha o projeto de demolir o grupo dele no Ceará, caso Ciro não se junte à operação para liquidar a carreira política de Tasso Jereissati. É uma das muitas metas de Lula nesta eleição. Como Tasso e Ciro são — aí sim — aliados históricos, ao ponto de o tucano Tasso ter largado a candidatura presidencial de José Serra em 2002 para apoiar o parceiro, é coisa que Ciro não fará.
O segundo problema de Ciro é ter dinamitado as pontes com o outro lado. Num sistema linear de pensamento, isso deveria ter engordado seu cacife com o presidente. Mas diminuiu. Ao menos por enquanto, Ciro só tem bala para fazer mal a Lula em discursos. Coisa que pode ser facilmente neutralizada com os vazamentos de sempre, difundindo-se como Lula está “triste”, “chateado” ou “irritado”.
Um belo cardápio de supostos estados de espírito.
Alienação
De todo modo, Ciro presta pelo menos um serviço ao país nesta saída, ao advertir para os riscos da situação cambial.
O Banco Central dá sinais de que vai subir para valer o juro básico nos próximos meses. A medida irá acelerar a deterioração das contas externas e agravar nossa dependência dos investimentos diretos do exterior. Ou seja, da alienação de ativos para o exterior.
Enquanto isso, Lula discursa sobre o patriotismo do seu governo e o chanceler cuida de produzir factoides para preencher o noticiário.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada neste domingo (25) no Correio Braziliense.
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segunda-feira, 26 de abril de 2010
Qual o referente?
Uma trilogia que seduz tanto quanto Tolkien
Tá, tá, é uma obra que cativa mais os adolescentes. Minha enteada, por exemplo, não consegue desgrudar dos livros. Devorou as quase quinhentas páginas do primeiro volume em três dias. Agora, está me cobrando que eu termine logo o segundo volume.
O negócio vicia tanto que você, quando começa a ler, não consegue mais abandonar a leitura. O autor, já falecido, infelizmente, devia ser uma espécie de bruxo... Só pode ser isso...
Estou me referindo, claro!, à trilogia millenium. Com mil coisas prá fazer, mas não consigo desgrudar da leitura... Eu estou me sentindo com quando comecei a devorar, há muitos anos, "O Senhor dos Anéis". Olha, tem uma edição econômica (29 pila cada volume...). Sei não, mas acho díficil você parar de ler após começar... Quer se livrar do tédio e da chateação? Entre no mundo da hacker Lisbeth Salander. De quebra, tenha uma aula sobre cibercriminalidade, violência e crime organizado na Suécia contemporânea.
O negócio vicia tanto que você, quando começa a ler, não consegue mais abandonar a leitura. O autor, já falecido, infelizmente, devia ser uma espécie de bruxo... Só pode ser isso...
Estou me referindo, claro!, à trilogia millenium. Com mil coisas prá fazer, mas não consigo desgrudar da leitura... Eu estou me sentindo com quando comecei a devorar, há muitos anos, "O Senhor dos Anéis". Olha, tem uma edição econômica (29 pila cada volume...). Sei não, mas acho díficil você parar de ler após começar... Quer se livrar do tédio e da chateação? Entre no mundo da hacker Lisbeth Salander. De quebra, tenha uma aula sobre cibercriminalidade, violência e crime organizado na Suécia contemporânea.
sexta-feira, 23 de abril de 2010
O plágio em debate na UFRN
Na próxima terça-feira, dia 27 de abril, em dois horários (8h30 e 19h30), teremos, na UFRN, um importante (e oportuno) debate sobre o plágio na produção acadêmica.
Confira abaixo os dados do debate:
Plágio: Crise ética ou crise da noção de autoria? Reflexões sobre formação acadêmica, novas tecnologias de informação e Direito.
Participantes:
Prof. Dr. Zéu Palmeira (Dep. de Direito Privado)
Prof. Dr. Alípio de Souza Filho (Dep. de Ciências Sociais)
Prof. Dr. Edmundo Pereira (Dep. de Antropologia)
Coordenação: Prof. Dr. Gabriel Vitullo (Dep. de Ciências Sociais)
Dia 27/048:30 hs, Auditório da Biblioteca Central
19:00 hs, Auditório B do CCHLA
Confira abaixo os dados do debate:
Plágio: Crise ética ou crise da noção de autoria? Reflexões sobre formação acadêmica, novas tecnologias de informação e Direito.
Participantes:
Prof. Dr. Zéu Palmeira (Dep. de Direito Privado)
Prof. Dr. Alípio de Souza Filho (Dep. de Ciências Sociais)
Prof. Dr. Edmundo Pereira (Dep. de Antropologia)
Coordenação: Prof. Dr. Gabriel Vitullo (Dep. de Ciências Sociais)
Dia 27/048:30 hs, Auditório da Biblioteca Central
19:00 hs, Auditório B do CCHLA
Ainda a consulta plebistária da ADURN
Volto ao plebiscito sobre a saída da ADURN do ANDES. Socorro-me, uma vez mais, de um escrito do Profº Roberto Hugo. Confira abaixo!
Falácias I
Roberto Hugo Bielschowsky
Há algumas falácias recorrentes neste debate que precede o plebiscito (consulta plebiscitária, se preferirem) convocado pela assembléia da ADURN de 20/01/2010. A primeira delas é a pregação de voto nulo no plebiscito sob a justificativa que o plebiscito convocado pela assembléia da ADURN de 20/01/2010 seria ilegal.
Meu ponto aí é que NINGUÉM na UFRN pode questionar que no artigo 75 do regimento da ADURN haja a exigência legal de convocação de uma assembléia com quorum de 20% dos filiados da ADURN para qualquer alteração regimental na entidade. Portanto, do ponto de vista jurídico, não pode haver dúvidas que o plebiscito convocado pela assembléia da ADURN tem o valor de uma consulta plebiscitária a ser ainda ratificada numa assembléia com 20% dos filiados. E isto tem sido reafirmado por todos os que se manifestaram sobre este aspecto do plebiscito. Ou consulta plebiscitária, se você assim o prefere.
Na verdade, em 1991, a consulta plebiscitária então realizada na gestão da professora Maria Cristina de Morais teve o peso político de um plebiscito pois foi o instrumento que legitimou a transformação da ADURN em seção sindical do ANDES, ao receber perto de 600 votos em urna. Mas acabou também sendo o instrumento de validação de todo o processo, apesar do regimento da ADURN prever, na ocasião, que qualquer mudança regimental da ADURN se fizesse em assembléia geral com um quórum de 1/3 dos associados mas, todavia, a assembléia convocada para ratificar a consulta plebiscitária contou com a presença de apenas 41 professores. Ou seja, como havia consenso na época, ninguém questionou que o rito jurídico de convocar uma assembléia com 1/3 de associados se cumprisse e o veredito das urnas se confirmou sem o cumprimento dos ritos jurídicos legalmente exigidos. Ao pé da palavra, foi ilegal, mas foi legítimo.
Neste caso agora tem uma diferença importante. O rito jurídico de convocação da assembléia com 20% dos associados terá de ser cumprido pois o questionamento jurídico existirá, com toda a certeza, até por que este é um direito incontestável aos que se opõem à transformação ora pretendida. Embora, do ponto de vista jurídico, a consulta em curso tenha, na prática, apenas o valor de uma consulta a ser ainda ratificada por uma assembléia com o quorum exigido pelo regimento, ainda assim entendo que o nome de plebiscito dado pela Assembléia da ADURN de 20/01 à consulta seja politicamente adequado, pois entendo que é nesta consulta que a comunidade universitária manifestará sua vontade efetiva em urna, da forma a mais ampla possível, através do debate que está ocorrendo e polarizado entre duas chapas que simultaneamente concorrem à direção da ADURN. Muito mais representativo do que seria possível em qualquer assembléia específica convocada para este fim. Mesmo sendo alto o quorum de 20% exigido para a assembléia, ainda assim este quorum é bem inferior a presença que teremos em urna nesta consulta e, do nosso ponto de vista, com a possibilidade de um debate sem os vícios que temos visto em assembléias raivosamente polarizadas. De minha parte, não tenho a menor dúvida que o SIM sairá da urna consolidado no seio da comunidade universitária, de forma que as batalhas jurídicas posteriores pela confirmação deste SIM deixarão os defensores do NÃO e do voto Nulo em maus lençóis. Confesso um certo otimismo quanto ao resultado que sairá das urnas no plebiscito, na medida que vejo os argumentos pelo voto nulo no plebiscito. Contudo, devo confessar igualmente que, observando como se deu o processo nas demais ADs, bem como a forma como se explicitam os argumentos do voto NULO no plebiscito, provenientes dos mesmo atores que promoveram a transformação da ADURN em seção sindical do ANDES em 1991, mediante uma consulta semelhante em urna, fico sem entender direito por que jogaram a toalha tão cedo. No dia 30/04/2010 veremos...
Falácias I
Roberto Hugo Bielschowsky
Há algumas falácias recorrentes neste debate que precede o plebiscito (consulta plebiscitária, se preferirem) convocado pela assembléia da ADURN de 20/01/2010. A primeira delas é a pregação de voto nulo no plebiscito sob a justificativa que o plebiscito convocado pela assembléia da ADURN de 20/01/2010 seria ilegal.
Meu ponto aí é que NINGUÉM na UFRN pode questionar que no artigo 75 do regimento da ADURN haja a exigência legal de convocação de uma assembléia com quorum de 20% dos filiados da ADURN para qualquer alteração regimental na entidade. Portanto, do ponto de vista jurídico, não pode haver dúvidas que o plebiscito convocado pela assembléia da ADURN tem o valor de uma consulta plebiscitária a ser ainda ratificada numa assembléia com 20% dos filiados. E isto tem sido reafirmado por todos os que se manifestaram sobre este aspecto do plebiscito. Ou consulta plebiscitária, se você assim o prefere.
Na verdade, em 1991, a consulta plebiscitária então realizada na gestão da professora Maria Cristina de Morais teve o peso político de um plebiscito pois foi o instrumento que legitimou a transformação da ADURN em seção sindical do ANDES, ao receber perto de 600 votos em urna. Mas acabou também sendo o instrumento de validação de todo o processo, apesar do regimento da ADURN prever, na ocasião, que qualquer mudança regimental da ADURN se fizesse em assembléia geral com um quórum de 1/3 dos associados mas, todavia, a assembléia convocada para ratificar a consulta plebiscitária contou com a presença de apenas 41 professores. Ou seja, como havia consenso na época, ninguém questionou que o rito jurídico de convocar uma assembléia com 1/3 de associados se cumprisse e o veredito das urnas se confirmou sem o cumprimento dos ritos jurídicos legalmente exigidos. Ao pé da palavra, foi ilegal, mas foi legítimo.
Neste caso agora tem uma diferença importante. O rito jurídico de convocação da assembléia com 20% dos associados terá de ser cumprido pois o questionamento jurídico existirá, com toda a certeza, até por que este é um direito incontestável aos que se opõem à transformação ora pretendida. Embora, do ponto de vista jurídico, a consulta em curso tenha, na prática, apenas o valor de uma consulta a ser ainda ratificada por uma assembléia com o quorum exigido pelo regimento, ainda assim entendo que o nome de plebiscito dado pela Assembléia da ADURN de 20/01 à consulta seja politicamente adequado, pois entendo que é nesta consulta que a comunidade universitária manifestará sua vontade efetiva em urna, da forma a mais ampla possível, através do debate que está ocorrendo e polarizado entre duas chapas que simultaneamente concorrem à direção da ADURN. Muito mais representativo do que seria possível em qualquer assembléia específica convocada para este fim. Mesmo sendo alto o quorum de 20% exigido para a assembléia, ainda assim este quorum é bem inferior a presença que teremos em urna nesta consulta e, do nosso ponto de vista, com a possibilidade de um debate sem os vícios que temos visto em assembléias raivosamente polarizadas. De minha parte, não tenho a menor dúvida que o SIM sairá da urna consolidado no seio da comunidade universitária, de forma que as batalhas jurídicas posteriores pela confirmação deste SIM deixarão os defensores do NÃO e do voto Nulo em maus lençóis. Confesso um certo otimismo quanto ao resultado que sairá das urnas no plebiscito, na medida que vejo os argumentos pelo voto nulo no plebiscito. Contudo, devo confessar igualmente que, observando como se deu o processo nas demais ADs, bem como a forma como se explicitam os argumentos do voto NULO no plebiscito, provenientes dos mesmo atores que promoveram a transformação da ADURN em seção sindical do ANDES em 1991, mediante uma consulta semelhante em urna, fico sem entender direito por que jogaram a toalha tão cedo. No dia 30/04/2010 veremos...
Uma semana daquelas...
A semana que hoje chega ao fim foi cheia de atropelos, o que me impediu de blogar diariamente, como sempre faço. Além do ritmo de trabalho, que só aumenta, tive problemas com máquinas - computadores quebrados. Na próxima, aguardem!, voltarei, como de costume, com todo o gás. Agradeço-lhes pela paciência dispensada.
terça-feira, 20 de abril de 2010
As classes populares no novo capitalismo brasileiro
Este o título da palestra que o Professor Jessé Sousa (UFJF) ministrará na UFRN no dia 03 de maio próximo. O horário? 9:00 horas. O local? Auditório B do NAPP/CCHLA. Compareça e convide colegas, amigos e vizinhos para a atividade. Logo depois, as 11h00, teremos o lançamento de livro organizado pelo palestrante, na Cooperativa Cultural.
segunda-feira, 19 de abril de 2010
Potencialidades e limites da candidatura Dilma, por César Maia
Vale a pena conferir a avaliação, sempre muito interessada, claro!, do ex-Prefeito César Maia (DEM-RJ).
LULA FEZ O QUE PODIA FAZER. AGORA É COM DILMA!
César Maia
1. Este Ex-Blog, em fevereiro de 2009, fez uma análise do personagem Dilma Rousseff, lembrando que a transferência de votos entre políticos, de personagens muito diferentes, é muito difícil. Deu exemplos de candidatos do próprio PT em nível regional, que encarnando personagens distintos, terminaram por ter sua votação em locais muito diferentes. Não foi difícil a Brizola, em 1989, transferir todos os seus votos no RJ e RS a Lula: encarnavam personagens semelhantes, pelo estilo e base social de votos e dicotômicos a Collor.
2. No caso de Lula e Dilma, trata-se de personagens antípodas. Aliás, o personagem Dilma -séria, tecnocrática, vertical, inflexível- foi criado pelo próprio Lula pós-mensalão. Jacques Séguelá, assessor de imagem de Mitterrand, dizia: "Política e Teatro são semelhantes. Mas há uma grande diferença. No Teatro o ator muda de personagem e continua a provocar emoções. Na Política... não!"
3. Elas por elas, as pesquisas mostram que 20% dos eleitores votam em qualquer candidato de Lula, que 20% dos eleitores não votam em nenhum, 20% não estão nem aí e serão a abstenção/brancos/nulos na eleição e 60% dizem que podem ou não votar, dependendo do candidato. É nesse espaço que entra a dúvida sobre a capacidade de transferência de Lula. Mas nesse espaço, 2/3 já se definiram por Serra e Marina. Sobram outros 20%.
4. Lula, do ponto de vista da psicologia social, é um personagem feminino, próximo, amigo, "acarinhável", "vitimizável". Dilma é um personagem, do ponto de vista da psicologia social, masculino, distante, vertical. Desta forma, a partir dos eleitores que votam em qualquer um que Lula indique, ou 20%, o processo de transferência de votos começa a ser complexo. Aqueles, que por alguma razão rejeitam Serra, são objeto de atração mais fácil. E assim por diante se vai deslocando o eleitor para Dilma, até atingir seu teto de recepção dos votos de Lula. E aí..., é com ela.
5. As pesquisas em 2010 mostram Dilma patinando nesses 30%, um pouquinho mais, ou menos. Mas mostram também que ela está sempre mais abaixo entre as mulheres. No último DataFolha ela cai da média de 28% (todos) para 22% entre as mulheres. De nada adianta que um publicitário queira corrigir isso. Por um lado, não dá mais tempo. Por outro, cai na máxima de Séguelá: se descaracterizaria. Talvez Patrus fosse um personagem com perfil mais próximo a Lula. Agora é tarde... Inês é morta!
LULA FEZ O QUE PODIA FAZER. AGORA É COM DILMA!
César Maia
1. Este Ex-Blog, em fevereiro de 2009, fez uma análise do personagem Dilma Rousseff, lembrando que a transferência de votos entre políticos, de personagens muito diferentes, é muito difícil. Deu exemplos de candidatos do próprio PT em nível regional, que encarnando personagens distintos, terminaram por ter sua votação em locais muito diferentes. Não foi difícil a Brizola, em 1989, transferir todos os seus votos no RJ e RS a Lula: encarnavam personagens semelhantes, pelo estilo e base social de votos e dicotômicos a Collor.
2. No caso de Lula e Dilma, trata-se de personagens antípodas. Aliás, o personagem Dilma -séria, tecnocrática, vertical, inflexível- foi criado pelo próprio Lula pós-mensalão. Jacques Séguelá, assessor de imagem de Mitterrand, dizia: "Política e Teatro são semelhantes. Mas há uma grande diferença. No Teatro o ator muda de personagem e continua a provocar emoções. Na Política... não!"
3. Elas por elas, as pesquisas mostram que 20% dos eleitores votam em qualquer candidato de Lula, que 20% dos eleitores não votam em nenhum, 20% não estão nem aí e serão a abstenção/brancos/nulos na eleição e 60% dizem que podem ou não votar, dependendo do candidato. É nesse espaço que entra a dúvida sobre a capacidade de transferência de Lula. Mas nesse espaço, 2/3 já se definiram por Serra e Marina. Sobram outros 20%.
4. Lula, do ponto de vista da psicologia social, é um personagem feminino, próximo, amigo, "acarinhável", "vitimizável". Dilma é um personagem, do ponto de vista da psicologia social, masculino, distante, vertical. Desta forma, a partir dos eleitores que votam em qualquer um que Lula indique, ou 20%, o processo de transferência de votos começa a ser complexo. Aqueles, que por alguma razão rejeitam Serra, são objeto de atração mais fácil. E assim por diante se vai deslocando o eleitor para Dilma, até atingir seu teto de recepção dos votos de Lula. E aí..., é com ela.
5. As pesquisas em 2010 mostram Dilma patinando nesses 30%, um pouquinho mais, ou menos. Mas mostram também que ela está sempre mais abaixo entre as mulheres. No último DataFolha ela cai da média de 28% (todos) para 22% entre as mulheres. De nada adianta que um publicitário queira corrigir isso. Por um lado, não dá mais tempo. Por outro, cai na máxima de Séguelá: se descaracterizaria. Talvez Patrus fosse um personagem com perfil mais próximo a Lula. Agora é tarde... Inês é morta!
O fenômeno Paulo Vagner
Daniel Menezes
1. Fico tentando entender a força do "gordinho fenômeno" no RN. Penso, primeiro, na força vir do fato dele ser apresentador de Tv. Isto, apesar de ajudar, não tem validade heurística. Não há nenhuma lei mecânica que apresenta a correlação entre liderar um programa de Tv e se tornar um campeão de votos. Este argumento parece coisa do tipo: "olha, esses ignorantes se deixam enganar pelas imagens de Tv".Acho que as classes que dão sustentação ao obeso político estão a procura de algo novo. Algo que não passe pela escassez, que é hoje o mercado político no RN.Na impossibilidade deste novo aparecer, eis que o gordinho ocupa o lugar. Um cara, como já escutei aplicando questionários em Natal e Grande Natal, que “anima a política”, “que muda as coisas”. Parece que essas pessoas estão cansadas dos mesmos nomes e dos mesmos rostos. Isto traz um quadro de apatia e tristeza.
2. O que me impressiona nisso tudo é ver o preconceito de classe em quase todas as análises que tentam capturar esta novidade política. Não vejo ninguém discutir as iniciativas políticas de Paulo Vagner ou o que ele vem representando. Só há espaço para repudiar o modo como ele se veste ou a maneira como se expressa na TV.Além disso, os eleitores de Paulo Vagner são, freqüentemente, enquadrados como alienados e/ou ignorantes. No entanto, fico refletindo e acho que o que, de fato, leva as pessoas a votarem nele não tem nenhuma relação com ignorância ou alienação. Será que só é inteligente e consciente quem vota na dita “esquerda”?! Ou, o que é ainda pior, nos candidatos portadores de diplomas acadêmicos, que se vestem bem e falam com o típico ar bacharelesco que Machado de Assis tão bem denunciou?Para mim, Paulo Vagner, Micarla de Sousa e agora Rosalba Ciarlini parecem, lembrando de guardar as devidas especificidades de cada um deles, responder a um cansaço generalizado por parte da sociedade com relação aos mesmos nomes que figuram nas disputas eleitorais.A impressão que fica é que, ao contrário do que dizem os formadores de opinião, são as classes menos abastadas que vem tentando operar algum tipo de mudança. O mercado da política é escasso e as pessoas tendem a ver mudança em pessoas “novas”, o que pode não significar, necessariamente, “alteração” do status quo político. Este efeito de luz é o que dá sentido a esses novos nomes.O negócio todinho é que este "novo" não pode ser enxergado como a "aparência" que esconde, na verdade, uma essência conservadora. Mesmo partindo de um ponto de vista retórico, ele se torna real. Além disso, não adianta dizer que o povo é ignorante e burro, pois a classe média e as classes mais abastadas são as que menos votam preocupadas em buscar o bem comum. Geralmente estão mais preocupadas em resguardar os cargos de confiança que têm na prefeitura ou a boquinha contratual de prestação de serviço junto ao estado.Posso estar errado, mas vejo um movimento de mudança política no RN, principalmente na maneira como determinados estratos de classe vêm se posicionando politicamente. Uma real tentativa de compreender o caso do gordinho fenômeno ajudaria bastante na explicação.
PS. Parece que o mais inteligente nessa história todinha é o próprio PAulo Vagner porque, mesmo recebendo inúmeras sugestões para "melhorar o visual", conforme uma assessora dele me disse com um certo ar de decepção no rosto, o vereador mais votado de Natal continua a falar, gesticular e a se relacionar com os seus eleitores da mesma maneira. O que a assessora dele não percebe é que não foi Vicente Serejo, Cassiano Arruda ou Woden Madruga que colocaram ele na condição em que se encontra.
1. Fico tentando entender a força do "gordinho fenômeno" no RN. Penso, primeiro, na força vir do fato dele ser apresentador de Tv. Isto, apesar de ajudar, não tem validade heurística. Não há nenhuma lei mecânica que apresenta a correlação entre liderar um programa de Tv e se tornar um campeão de votos. Este argumento parece coisa do tipo: "olha, esses ignorantes se deixam enganar pelas imagens de Tv".Acho que as classes que dão sustentação ao obeso político estão a procura de algo novo. Algo que não passe pela escassez, que é hoje o mercado político no RN.Na impossibilidade deste novo aparecer, eis que o gordinho ocupa o lugar. Um cara, como já escutei aplicando questionários em Natal e Grande Natal, que “anima a política”, “que muda as coisas”. Parece que essas pessoas estão cansadas dos mesmos nomes e dos mesmos rostos. Isto traz um quadro de apatia e tristeza.
2. O que me impressiona nisso tudo é ver o preconceito de classe em quase todas as análises que tentam capturar esta novidade política. Não vejo ninguém discutir as iniciativas políticas de Paulo Vagner ou o que ele vem representando. Só há espaço para repudiar o modo como ele se veste ou a maneira como se expressa na TV.Além disso, os eleitores de Paulo Vagner são, freqüentemente, enquadrados como alienados e/ou ignorantes. No entanto, fico refletindo e acho que o que, de fato, leva as pessoas a votarem nele não tem nenhuma relação com ignorância ou alienação. Será que só é inteligente e consciente quem vota na dita “esquerda”?! Ou, o que é ainda pior, nos candidatos portadores de diplomas acadêmicos, que se vestem bem e falam com o típico ar bacharelesco que Machado de Assis tão bem denunciou?Para mim, Paulo Vagner, Micarla de Sousa e agora Rosalba Ciarlini parecem, lembrando de guardar as devidas especificidades de cada um deles, responder a um cansaço generalizado por parte da sociedade com relação aos mesmos nomes que figuram nas disputas eleitorais.A impressão que fica é que, ao contrário do que dizem os formadores de opinião, são as classes menos abastadas que vem tentando operar algum tipo de mudança. O mercado da política é escasso e as pessoas tendem a ver mudança em pessoas “novas”, o que pode não significar, necessariamente, “alteração” do status quo político. Este efeito de luz é o que dá sentido a esses novos nomes.O negócio todinho é que este "novo" não pode ser enxergado como a "aparência" que esconde, na verdade, uma essência conservadora. Mesmo partindo de um ponto de vista retórico, ele se torna real. Além disso, não adianta dizer que o povo é ignorante e burro, pois a classe média e as classes mais abastadas são as que menos votam preocupadas em buscar o bem comum. Geralmente estão mais preocupadas em resguardar os cargos de confiança que têm na prefeitura ou a boquinha contratual de prestação de serviço junto ao estado.Posso estar errado, mas vejo um movimento de mudança política no RN, principalmente na maneira como determinados estratos de classe vêm se posicionando politicamente. Uma real tentativa de compreender o caso do gordinho fenômeno ajudaria bastante na explicação.
PS. Parece que o mais inteligente nessa história todinha é o próprio PAulo Vagner porque, mesmo recebendo inúmeras sugestões para "melhorar o visual", conforme uma assessora dele me disse com um certo ar de decepção no rosto, o vereador mais votado de Natal continua a falar, gesticular e a se relacionar com os seus eleitores da mesma maneira. O que a assessora dele não percebe é que não foi Vicente Serejo, Cassiano Arruda ou Woden Madruga que colocaram ele na condição em que se encontra.
Plebiscito sobre a saída do ANDES
Nos 28 e 29 de abril teremos eleições para a diretoria da ADURN (Associação dos Docentes da UFRN). No mesma ocasião, os associados da entidade deverão votar, em um plebiscito, sobre a transformação da ADURN em sindicato autônomo e desfiliado da ANDES. O debate, ainda restrito aos que navegam bem nas disputas sindicais, deve começar a esquentar nesta semana. Vou postar aqui as diversas posições em jogo. Para começo de conversa, transcrevo abaixo artigo de autoria do Professor Roberto Hugo.
Sair ou não sair do canto, that's the question...
Roberto Hugo Bielschowsky
Pelo que pude perceber nas conversas pelos corredores do CCET, o ANDES-SN é hoje um monumento tão distanciado do dia a dia do professor, já há tantos anos, que boa parte dos professores da UFRN se sente pouco motivada para sequer tentar entender o que está acontecendo com o movimento sindical nacional de professores universitários. O plebiscito convocado pela assembléia da ADURN de 20/01/2010, a ser realizado junto com as eleições para a diretoria da ADURN em 28/04 e 29/04, nos coloca, essencialmente, frente a duas alternativas:
1 - Deixarmos de ser uma seção sindical do ANDES-SN e nos tornarmos um sindicato local independente, com o objetivo de tentarmos uma nova forma de articulação sindical nacional, via federação de sindicatos só de professores de IFES, sem a abrangência do ANDES que pretende representar todos os professores de ensino superior, inclusive os professores de universidades particulares, estaduais, municipais e comunitárias.
2 – Continuarmos como seção sindical do ANDES
De uns dois ou três anos para cá, seis Ads realizaram plebiscitos que indicaram a saída do ANDES de forma inequívoca, todas em IFES grandes e com forte presença no MD desde seu início: UFMG, UFSC, UFRGS, UFSCar, UFBA e UFC . O SIM ganhou bem em todos, com significativa participação dos professores destas IFES. Na grande maioria delas, o ANDES resistiu mais ou menos como faz aqui, tentando amedrontar os professores com inseguranças jurídicas e políticas essencialmente improcedentes, bem como apelando para a História do ANDES, com seu importante passado de glórias, agora sendo dilapidado por “pelegos governistas safados”. O último plebiscito foi no Ceará, na semana passada, e os argumentos e estratégias empregados na UFC pelo voto NÃO no plebiscito eram bem parecidos com os que vemos por cá, como seria natural de acontecer. Num total de 1136 votantes, 67% votaram pelo SIM e 33% pelo NÃO.
Evidentemente, a questão não é simplesmente organizativa. Há questões de fundo importantes, que eclodiram de forma aguda na greve de 1998. Daí para cá abriu-se um fosso crescente entre dois campos opostos que coexistiam dentro do ANDES. Havia uma corrente hegemônica chamada ANDES-AD e a de oposição que estava se estruturando por ali e viria a se chamar ANDESSIND a partir de 2001. A eleição realizada durante a greve de 1998 foi, paradoxalmente, o primeiro e único momento no qual este campo de oposição à ANDES-AD conseguiu chegar a diretoria do ANDES, apesar da eleição ter se dado na única greve dos últimos quinze anos que evoluiu com uma força considerável. O motor da disputa era a crescente incapacidade da ANDES-AD de representar os professores das IFES, que se traduzia numa invariável sobrepolitização nos processos de greve. Elas sempre eclodiam em cima de uma bandeira de reajuste linear de salários visando uma greve unificada com os demais Servidores Públicos Federais que nunca ocorria, eram conduzidas com mão de ferro pela corrente ANDES-AD, sob a capa de um CNG que ficava a maior parte do tempo enviando torpedos para a lua, quase que invariavelmente endurecendo os termos de negociação e passando uma convicção que não havia como negociar com o governo, mesmo nas situações nas quais o governo se mostrava disposto a negociar uma saída.
A diretoria de oposição eleita em 1998 sofreu um ataque tão articulado, determinado e quotidiano por parte da corrente perdedora, sob diversos mecanismos, que para além de inviabilizar a sua gestão, levantou a lebre se fazia sentido disputar aquele espaço já tão viciado em seus mecanismos. A cada nova greve o fosso mais e mais se ampliava, com características bem específicas. O processo de ruptura foi longo e penoso e os que se articulavam em torno da corrente ANDESSIND, em 2004 fundaram o PROIFES-Fórum. O governo abriu frentes de negociação com várias categorias de SPF desde 2005 para cá, entre as quais a FASUBRA, que obteve ganhos importantes no processo. O PROIFES terminou ocupando um espaço importante neste processo de negociações salariais e de carreira com o governo, dado o vazio aberto pela obstinação do ANDES em secundarizar processos de negociação fora de greve e de se fixar numa eterna estratégia de articulação visando uma greve ampla de SPFs que nunca acontece. A alternativa de organização sindical ora proposta pelo PROIFES é de uma federação só de IFES para ser fundada em agosto deste ano.
A discussão de como se chegou a um divórcio litigioso como o que ora se processa é penosa e desgastante. O tom acalorado e repleto de adjetivos e acusações de parte a parte é mais um elemento de desmotivação à participação de profissionais da vida acadêmica, para os quais a razão e os fatos se constituem como suporte de eventuais polêmicas, por mais apaixonantes que sejam. De modo que, na medida do possível, procuro evitar cair nesta armadilha da paixão ao discutir o tema, até por achar que as duas correntes que ora disputam o espaço para a representação sindical nas IFES são bem representativas de um processo que ocorre em várias partes deste nosso planeta, nas correntes de opinião política que se situam do centro-esquerda mais para a esquerda, e que há vícios e riscos políticos importantes em cada uma das correntes, muito embora de naturezas diversas. Contudo tenho uma posição neste momento. Meu ponto é que governos passam, o Estado pode até se modificar em alguns aspectos, ao longo de décadas, mas acredito que as universidades públicas dentro dele continuem precisando do instrumento Sindicato capaz de representar os interesses de seus professores. Para mim, a imensa maioria dos professores da UFRN que, de uma forma ou de outra, acompanharam o MD com alguma atenção nestes últimos 15 anos, nem que tenha sido apenas ao longo de algumas das greves de 1996, 1998, 2000, 2001, 2003, nas eleições para o ANDES de 2002 e 2004, ou nos processos de negociação com o governo de 2005 para cá, provavelmente já percebeu que a corrente ANDES-AD esgotou seu ciclo, mas que amarrou os mecanismos de organização dentro do ANDES de forma a inviabilizar qualquer mudança significativa em sua forma de agir. Pode até ser que o projeto de criar uma federação de IFES não dê certo, mas acho bem pior ficar sempre martelando um mesmo teclado que me parece não estar mais em condições de responder, só para evitar correr o risco de procurar alternativas. E vamos a um debate qualificado sobre o MD, pois o momento é este...
Sair ou não sair do canto, that's the question...
Roberto Hugo Bielschowsky
Pelo que pude perceber nas conversas pelos corredores do CCET, o ANDES-SN é hoje um monumento tão distanciado do dia a dia do professor, já há tantos anos, que boa parte dos professores da UFRN se sente pouco motivada para sequer tentar entender o que está acontecendo com o movimento sindical nacional de professores universitários. O plebiscito convocado pela assembléia da ADURN de 20/01/2010, a ser realizado junto com as eleições para a diretoria da ADURN em 28/04 e 29/04, nos coloca, essencialmente, frente a duas alternativas:
1 - Deixarmos de ser uma seção sindical do ANDES-SN e nos tornarmos um sindicato local independente, com o objetivo de tentarmos uma nova forma de articulação sindical nacional, via federação de sindicatos só de professores de IFES, sem a abrangência do ANDES que pretende representar todos os professores de ensino superior, inclusive os professores de universidades particulares, estaduais, municipais e comunitárias.
2 – Continuarmos como seção sindical do ANDES
De uns dois ou três anos para cá, seis Ads realizaram plebiscitos que indicaram a saída do ANDES de forma inequívoca, todas em IFES grandes e com forte presença no MD desde seu início: UFMG, UFSC, UFRGS, UFSCar, UFBA e UFC . O SIM ganhou bem em todos, com significativa participação dos professores destas IFES. Na grande maioria delas, o ANDES resistiu mais ou menos como faz aqui, tentando amedrontar os professores com inseguranças jurídicas e políticas essencialmente improcedentes, bem como apelando para a História do ANDES, com seu importante passado de glórias, agora sendo dilapidado por “pelegos governistas safados”. O último plebiscito foi no Ceará, na semana passada, e os argumentos e estratégias empregados na UFC pelo voto NÃO no plebiscito eram bem parecidos com os que vemos por cá, como seria natural de acontecer. Num total de 1136 votantes, 67% votaram pelo SIM e 33% pelo NÃO.
Evidentemente, a questão não é simplesmente organizativa. Há questões de fundo importantes, que eclodiram de forma aguda na greve de 1998. Daí para cá abriu-se um fosso crescente entre dois campos opostos que coexistiam dentro do ANDES. Havia uma corrente hegemônica chamada ANDES-AD e a de oposição que estava se estruturando por ali e viria a se chamar ANDESSIND a partir de 2001. A eleição realizada durante a greve de 1998 foi, paradoxalmente, o primeiro e único momento no qual este campo de oposição à ANDES-AD conseguiu chegar a diretoria do ANDES, apesar da eleição ter se dado na única greve dos últimos quinze anos que evoluiu com uma força considerável. O motor da disputa era a crescente incapacidade da ANDES-AD de representar os professores das IFES, que se traduzia numa invariável sobrepolitização nos processos de greve. Elas sempre eclodiam em cima de uma bandeira de reajuste linear de salários visando uma greve unificada com os demais Servidores Públicos Federais que nunca ocorria, eram conduzidas com mão de ferro pela corrente ANDES-AD, sob a capa de um CNG que ficava a maior parte do tempo enviando torpedos para a lua, quase que invariavelmente endurecendo os termos de negociação e passando uma convicção que não havia como negociar com o governo, mesmo nas situações nas quais o governo se mostrava disposto a negociar uma saída.
A diretoria de oposição eleita em 1998 sofreu um ataque tão articulado, determinado e quotidiano por parte da corrente perdedora, sob diversos mecanismos, que para além de inviabilizar a sua gestão, levantou a lebre se fazia sentido disputar aquele espaço já tão viciado em seus mecanismos. A cada nova greve o fosso mais e mais se ampliava, com características bem específicas. O processo de ruptura foi longo e penoso e os que se articulavam em torno da corrente ANDESSIND, em 2004 fundaram o PROIFES-Fórum. O governo abriu frentes de negociação com várias categorias de SPF desde 2005 para cá, entre as quais a FASUBRA, que obteve ganhos importantes no processo. O PROIFES terminou ocupando um espaço importante neste processo de negociações salariais e de carreira com o governo, dado o vazio aberto pela obstinação do ANDES em secundarizar processos de negociação fora de greve e de se fixar numa eterna estratégia de articulação visando uma greve ampla de SPFs que nunca acontece. A alternativa de organização sindical ora proposta pelo PROIFES é de uma federação só de IFES para ser fundada em agosto deste ano.
A discussão de como se chegou a um divórcio litigioso como o que ora se processa é penosa e desgastante. O tom acalorado e repleto de adjetivos e acusações de parte a parte é mais um elemento de desmotivação à participação de profissionais da vida acadêmica, para os quais a razão e os fatos se constituem como suporte de eventuais polêmicas, por mais apaixonantes que sejam. De modo que, na medida do possível, procuro evitar cair nesta armadilha da paixão ao discutir o tema, até por achar que as duas correntes que ora disputam o espaço para a representação sindical nas IFES são bem representativas de um processo que ocorre em várias partes deste nosso planeta, nas correntes de opinião política que se situam do centro-esquerda mais para a esquerda, e que há vícios e riscos políticos importantes em cada uma das correntes, muito embora de naturezas diversas. Contudo tenho uma posição neste momento. Meu ponto é que governos passam, o Estado pode até se modificar em alguns aspectos, ao longo de décadas, mas acredito que as universidades públicas dentro dele continuem precisando do instrumento Sindicato capaz de representar os interesses de seus professores. Para mim, a imensa maioria dos professores da UFRN que, de uma forma ou de outra, acompanharam o MD com alguma atenção nestes últimos 15 anos, nem que tenha sido apenas ao longo de algumas das greves de 1996, 1998, 2000, 2001, 2003, nas eleições para o ANDES de 2002 e 2004, ou nos processos de negociação com o governo de 2005 para cá, provavelmente já percebeu que a corrente ANDES-AD esgotou seu ciclo, mas que amarrou os mecanismos de organização dentro do ANDES de forma a inviabilizar qualquer mudança significativa em sua forma de agir. Pode até ser que o projeto de criar uma federação de IFES não dê certo, mas acho bem pior ficar sempre martelando um mesmo teclado que me parece não estar mais em condições de responder, só para evitar correr o risco de procurar alternativas. E vamos a um debate qualificado sobre o MD, pois o momento é este...
quinta-feira, 15 de abril de 2010
Uma canção d'além mar...
A voz de Misia (saiba mais sobre ela aqui) é como uma chave-mágica para abrir a alma. Clique no vídeo abaixo e confira!
Ainda sobre os "fichas sujas"
Transcrevo mais abaixo um texto de autoria de Marcos Rolim a respeito do projeto que tenta impedir os "fichas sujas" de se candidarem. Vale a pena conferir!
BOA INTENÇÃO, MÁ SOLUÇÃO
Marcos Rolim
A votação do projeto que exige “ficha limpa” aos candidatos a cargos eletivos no Brasil foi, novamente, adiada no Congresso Nacional. Por certo, muitos dos parlamentares que se opõe ao projeto o fazem em interesse próprio, porque os critérios de inegibilidade propostos poderiam atingi-los.
Só por isso, é simples e extremamente popular atacar o Congresso em defesa do projeto “moralizador”. Charge de Iotti em Zero Hora de sexta-feira sintetiza esta apreensão: políticos retratados como animais peçonhentos, roedores, aracnídeos e felinos exclamam: “-precisamos pensar mais sobre o assunto”. Ato falho ou não, a legenda escolhida pelo chargista expressa um desafio verdadeiro para o qual a imprensa deveria estar atenta. De fato, é preciso pensar mais sobre o assunto. O projeto “ficha limpa” recebeu 1,5 milhão de assinaturas e expressa um movimento sério de luta pela decência na política. O que importa saber, entretanto, é se o que está sendo proposto constitui medida eficaz e justa. Chamo a atenção, de início, para um fato histórico: a ideia da “ficha limpa” já foi apresentada no Brasil uma vez. Foi a ditadura militar que, com a Emenda Constitucional nº 1 e a Lei Complementar nº 5, estabeleceu a cassação dos direitos políticos e a inegibilidade por “vida pregressa”; vale dizer: sem sentença condenatória com trânsito em julgado.
A Constituição Brasileira, em seu artigo 5º, inciso LVII, assegura que: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória". Este é o princípio da presunção da inocência, uma das garantias basilares do Estado de Direito. O que o “projeto ficha limpa” pretende é estabelecer o “princípio de presunção de culpa”. Em seus termos originais, o projeto apresentou como inelegíveis “os condenados em primeira instância ou que tiverem contra si denúncia recebida por órgão colegiado”, o que – com o perdão da sinceridade – assinala uma das ideias mais autoritárias já apresentadas na democracia brasileira. A nova redação do projeto ameniza este ponto, ao falar em “condenação em 2º instância ou órgão colegiado”, mas o problema de fundo permanece o mesmo: condenados em 2º instância, sem trânsito em julgado da sentença, seguem sendo inocentes. O risco, aqui, é o de excluir do processo eleitoral quem tenha sido alvo de processos por motivação política, o que constitui perigoso precedente. No mais, o conceito de “ficha suja” não é apropriado para definir quem quer que seja. Muitos dos corruptos brasileiros possuem “ficha limpa” – especialmente os mais espertos, que não deixam rastros. Por outro lado, uma lei do tipo na África do Sul não teria permitido a eleição de Nelson Mandela, cuja “ficha suja” envolvia condenação por “terrorismo”. Várias lideranças sindicais brasileiras possuem condenações em segunda instância por “crimes” que envolveram participação em greves ou em lutas populares; devemos impedir que se candidatem? Mas se pessoas com “ficha suja” não podem se candidatar, por que mesmo poderiam votar? Nos EUA, condenados perdem em definitivo o direito de votar, o que tem sido muito funcional para excluir do processo democrático milhões de pobres e negros, lá como aqui, “opções preferenciais” do direito penal. E a imprensa? Condenações em segunda instância assinalam uma “mídia ficha suja” no Brasil? Se a moda pega....
BOA INTENÇÃO, MÁ SOLUÇÃO
Marcos Rolim
A votação do projeto que exige “ficha limpa” aos candidatos a cargos eletivos no Brasil foi, novamente, adiada no Congresso Nacional. Por certo, muitos dos parlamentares que se opõe ao projeto o fazem em interesse próprio, porque os critérios de inegibilidade propostos poderiam atingi-los.
Só por isso, é simples e extremamente popular atacar o Congresso em defesa do projeto “moralizador”. Charge de Iotti em Zero Hora de sexta-feira sintetiza esta apreensão: políticos retratados como animais peçonhentos, roedores, aracnídeos e felinos exclamam: “-precisamos pensar mais sobre o assunto”. Ato falho ou não, a legenda escolhida pelo chargista expressa um desafio verdadeiro para o qual a imprensa deveria estar atenta. De fato, é preciso pensar mais sobre o assunto. O projeto “ficha limpa” recebeu 1,5 milhão de assinaturas e expressa um movimento sério de luta pela decência na política. O que importa saber, entretanto, é se o que está sendo proposto constitui medida eficaz e justa. Chamo a atenção, de início, para um fato histórico: a ideia da “ficha limpa” já foi apresentada no Brasil uma vez. Foi a ditadura militar que, com a Emenda Constitucional nº 1 e a Lei Complementar nº 5, estabeleceu a cassação dos direitos políticos e a inegibilidade por “vida pregressa”; vale dizer: sem sentença condenatória com trânsito em julgado.
A Constituição Brasileira, em seu artigo 5º, inciso LVII, assegura que: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória". Este é o princípio da presunção da inocência, uma das garantias basilares do Estado de Direito. O que o “projeto ficha limpa” pretende é estabelecer o “princípio de presunção de culpa”. Em seus termos originais, o projeto apresentou como inelegíveis “os condenados em primeira instância ou que tiverem contra si denúncia recebida por órgão colegiado”, o que – com o perdão da sinceridade – assinala uma das ideias mais autoritárias já apresentadas na democracia brasileira. A nova redação do projeto ameniza este ponto, ao falar em “condenação em 2º instância ou órgão colegiado”, mas o problema de fundo permanece o mesmo: condenados em 2º instância, sem trânsito em julgado da sentença, seguem sendo inocentes. O risco, aqui, é o de excluir do processo eleitoral quem tenha sido alvo de processos por motivação política, o que constitui perigoso precedente. No mais, o conceito de “ficha suja” não é apropriado para definir quem quer que seja. Muitos dos corruptos brasileiros possuem “ficha limpa” – especialmente os mais espertos, que não deixam rastros. Por outro lado, uma lei do tipo na África do Sul não teria permitido a eleição de Nelson Mandela, cuja “ficha suja” envolvia condenação por “terrorismo”. Várias lideranças sindicais brasileiras possuem condenações em segunda instância por “crimes” que envolveram participação em greves ou em lutas populares; devemos impedir que se candidatem? Mas se pessoas com “ficha suja” não podem se candidatar, por que mesmo poderiam votar? Nos EUA, condenados perdem em definitivo o direito de votar, o que tem sido muito funcional para excluir do processo democrático milhões de pobres e negros, lá como aqui, “opções preferenciais” do direito penal. E a imprensa? Condenações em segunda instância assinalam uma “mídia ficha suja” no Brasil? Se a moda pega....
O paternalismo enrustido dos que querem impedir os "fichas sujas" de se candidatarem
A nossa classe média sempre foi meio udenista. Prega moral e bons costumes, mas patrões e filhos, não raro, assediam as empregadas domésticas. Esbraveja contra a corrupção, mas requer sempre um "tratamento diferenciado". E quando fala em corrupção, claro!, está se referindo aos "outros". No seu etnocentrismo de classe, os bem pensantes da classe média acham que só mesmo tutelando a choldra é que garantiremos a "nossa democracia". Do contrário, a patuléia ira votar em "fichas sujas". Não por acaso, após as primeiras doses do uisquito gringo, ao nos aproximarmos da mesa onde bem o "tipo ideal da classe média" brasileira, ouvimos expressões como "o problema é esse povo, que é ignorante..."
Qual a saída que os bem pensantes apontam? Tutelar a choldra. Daí o nosso paternalismo jurídico. Os bons filhos de classe média que saem das nossas faculdades de direito, aboletados nos seus altos salários, sentem-se como uma casta superior. E saem arrotando lições e regras para a patuléia...
É esse o caso do projeto que tenta impedir os políticos "fichas sujas" de se candidatarem. O projeto e a produção discursiva em sua defesa não conseguem esconder a idéia, digamos, "desconfiada" que os setores que se supõe "esclarecidos" têm a respeito do "povo". O sub-texto é: ora, como a massa ignara é que vota nos corruptos, vamos "ajudá-la" nas suas escolhas eleitorais retirando de cena os políticos que nos achamos que não merecem estar "lá".
É a velha concepção de tutela das massas! Com uma roupagem nova. Mas, por sob as vestes coloridos dos moralistas do século XXI, o mesmo corpo e alma dos que, ainda ontem, defendiam a exclusão dos analfabetos do processo eleitoral.
Campanha a favor da lei dos "fichas limpas"? Que coisa chique e inodora, não é? As pessoas que a fazem, não por acaso capitaneadas pela CNBB, sentem-se do "bem". Sei, sei, gente do bem que pode passar por cima de você na próxima esquina se deres bobeira. Como diria o Macaco Simão, "vão indo, que eu não vou..."
Qual a saída que os bem pensantes apontam? Tutelar a choldra. Daí o nosso paternalismo jurídico. Os bons filhos de classe média que saem das nossas faculdades de direito, aboletados nos seus altos salários, sentem-se como uma casta superior. E saem arrotando lições e regras para a patuléia...
É esse o caso do projeto que tenta impedir os políticos "fichas sujas" de se candidatarem. O projeto e a produção discursiva em sua defesa não conseguem esconder a idéia, digamos, "desconfiada" que os setores que se supõe "esclarecidos" têm a respeito do "povo". O sub-texto é: ora, como a massa ignara é que vota nos corruptos, vamos "ajudá-la" nas suas escolhas eleitorais retirando de cena os políticos que nos achamos que não merecem estar "lá".
É a velha concepção de tutela das massas! Com uma roupagem nova. Mas, por sob as vestes coloridos dos moralistas do século XXI, o mesmo corpo e alma dos que, ainda ontem, defendiam a exclusão dos analfabetos do processo eleitoral.
Campanha a favor da lei dos "fichas limpas"? Que coisa chique e inodora, não é? As pessoas que a fazem, não por acaso capitaneadas pela CNBB, sentem-se do "bem". Sei, sei, gente do bem que pode passar por cima de você na próxima esquina se deres bobeira. Como diria o Macaco Simão, "vão indo, que eu não vou..."
quarta-feira, 14 de abril de 2010
A Prefeita Micarla segundo Ana Tânia
"Você tem sido uma prefeita ausente; quando nós procuramos para despachar, não encontramos e temos que conversar com assessores. A senhora deveria mudar"
Ana Tânia, ex-Secretária da Saúde do Município de Natal, comentando a relação dos secretários municipais com a sua chefe.
Ana Tânia, ex-Secretária da Saúde do Município de Natal, comentando a relação dos secretários municipais com a sua chefe.
Crise na Prefeitura do Natal: a situação dos CMEIs
Sem nenhum ator político que aborde seriamente a crise na Prefeitura da Cidade do Natal, esta vai aparecendo de forma fragmentada. Até porque não dá para se proteger do sol com peneira, não é? Sobre o post anterior, leia abaixo matéria publicada ontem no site da Tribuna do Norte.
CMEIs param atividades por falta de funcionários
Os Centros Municipais de Educação Infantil sofrem, desde a última semana, com dificuldades para continuar com as aulas. Alguns CMEIs estão paralisando total ou parcialmente as suas atividades por falta de funcionários. O motivo é o atraso no pagamento de funcionários terceirizados da rede municipal de educação, vinculados à empresa SS Construções, Serviços e Empreendimentos LTDA. Segundo informações de pais e diretores dos Centros, a Prefeitura de Natal não faz o repasse dos recursos para a empresa desde outubro e por isso a SS Construções não tem mais como bancar os seus funcionários.
O problema de pagamento atinge o chamado “pessoal de apoio”, em outras palavras vigias, porteiros, merendeiras, assistentes de secretaria, entre outros. Apesar de atuarem no apoio, esses funcionários são essenciais para o funcionamento das escolas e, por isso, o trabalho está comprometido. Um dos Centros com maior dificuldade de funcionamento é o de Mirassol. Como a maioria dos terceirizados moram longe da escola, a falta de pagamento tanto de salário quanto de vale-transporte impede o deslocamento e a chegada ao trabalho. Lá, não há aula desde quarta-feira da semana passada.
Os pais dos alunos do CMEI de Mirassol estão se articulando para enfrentar o problema. Para que o patrimônio da escola não seja depredado, o Conselho Escolar do CMEI está custeando as passagens de ônibus de dois vigias, um diurno e outro noturno. “Não gosto de usar essa palavra, mas temos uma escola que é referência. Deixar isso aqui abandonado é pedir pra perder o que conquistamos”, diz Jalmira Damasceno, que é avô de uma criança da escola.
O desespero atinge não somente os pais de alunos, mas principalmente os próprios funcionários com salários atrasados. No CMEI Vilma de Faria, localizado no bairro de Morro Branco, o vigia Antônio Santana, vinculado à SS Construções, está revoltado com a situação. “Estamos sem vale-transporte, vale-alimentação e sem salário. Meu aluguel está atrasado e tenho medo das consequências desse atraso. Não posso correr o risco de ser despejado”, afirma. Antônio mora próximo ao CMEI, mas outros funcionários, que preferiram não se identificar, estão pegando dinheiro emprestado para ir trabalhar. Uma merendeira do Vilma de Faria afirmou que, caso o assunto não fosse resolvido, não haveria merenda hoje. O CMEI Vilma de Faria está funcionando somente meio período, apesar da necessidade dos pais, que trabalham o dia inteiro, de um local para deixar suas crianças.
A reportagem da TRIBUNA DO NORTE entrou em contato com a empresa SS Construções, Serviços e Empreendimentos, que pertence ao Grupo Interforte, mas não houve resposta em tempo hábil. A Secretaria Municipal de Educação informou que estaria normalizando a situação até amanhã.
Como se pode depreender, a fatura do caos administrativo vai ser debitada na conta dos de sempre: os cidadãos. No caso, pais e alunos.
CMEIs param atividades por falta de funcionários
Os Centros Municipais de Educação Infantil sofrem, desde a última semana, com dificuldades para continuar com as aulas. Alguns CMEIs estão paralisando total ou parcialmente as suas atividades por falta de funcionários. O motivo é o atraso no pagamento de funcionários terceirizados da rede municipal de educação, vinculados à empresa SS Construções, Serviços e Empreendimentos LTDA. Segundo informações de pais e diretores dos Centros, a Prefeitura de Natal não faz o repasse dos recursos para a empresa desde outubro e por isso a SS Construções não tem mais como bancar os seus funcionários.
O problema de pagamento atinge o chamado “pessoal de apoio”, em outras palavras vigias, porteiros, merendeiras, assistentes de secretaria, entre outros. Apesar de atuarem no apoio, esses funcionários são essenciais para o funcionamento das escolas e, por isso, o trabalho está comprometido. Um dos Centros com maior dificuldade de funcionamento é o de Mirassol. Como a maioria dos terceirizados moram longe da escola, a falta de pagamento tanto de salário quanto de vale-transporte impede o deslocamento e a chegada ao trabalho. Lá, não há aula desde quarta-feira da semana passada.
Os pais dos alunos do CMEI de Mirassol estão se articulando para enfrentar o problema. Para que o patrimônio da escola não seja depredado, o Conselho Escolar do CMEI está custeando as passagens de ônibus de dois vigias, um diurno e outro noturno. “Não gosto de usar essa palavra, mas temos uma escola que é referência. Deixar isso aqui abandonado é pedir pra perder o que conquistamos”, diz Jalmira Damasceno, que é avô de uma criança da escola.
O desespero atinge não somente os pais de alunos, mas principalmente os próprios funcionários com salários atrasados. No CMEI Vilma de Faria, localizado no bairro de Morro Branco, o vigia Antônio Santana, vinculado à SS Construções, está revoltado com a situação. “Estamos sem vale-transporte, vale-alimentação e sem salário. Meu aluguel está atrasado e tenho medo das consequências desse atraso. Não posso correr o risco de ser despejado”, afirma. Antônio mora próximo ao CMEI, mas outros funcionários, que preferiram não se identificar, estão pegando dinheiro emprestado para ir trabalhar. Uma merendeira do Vilma de Faria afirmou que, caso o assunto não fosse resolvido, não haveria merenda hoje. O CMEI Vilma de Faria está funcionando somente meio período, apesar da necessidade dos pais, que trabalham o dia inteiro, de um local para deixar suas crianças.
A reportagem da TRIBUNA DO NORTE entrou em contato com a empresa SS Construções, Serviços e Empreendimentos, que pertence ao Grupo Interforte, mas não houve resposta em tempo hábil. A Secretaria Municipal de Educação informou que estaria normalizando a situação até amanhã.
A crise na prefeitura da cidade do Natal (quase) não aparece na imprensa local
A Prefeitura da Cidade do Natal está afundando em uma crise administrativa e financeira. Secretários foram defenestrados após a publicação de diálogos não muito amistosos entre eles (especialmente a ocupante da pasta da saúde) com a prefeita Micarla. Mas a cobertura da imprensa local sobre o caos que começa a tomar conta da prefeitura municipal é mínima. Nos blogs políticos locais, prá variar, fofocas e comentários sobre as filhas estilistas de alguns políticos. É de chorar!
E a crise é brava! A prefeitura, por falta de planejamento, segredo de polichinelo constatado pela FGV em consultoria recentemente realizada, está tendo dificuldades em garantir o funcionamento de serviços básicos. Só para citar um exemplo: os funcionários de empresas terceirizadas de algumas áreas estratégicas, como a saúde e a educação, estão sem receber os seus pagamentos, e, por causa disso, os CMEIs (Centros Municipais de Educação Infantil) estão paralisados.
No caso dos CMEIS, diga-se de passagem, a Prefeita Micarla deve agradecer (e muito) à cooperação que teve por parte do SINTE. A greve extemporânea convocada pelo sindicato, no início do semestre letivo, impediu que aquelas unidades educacionais parassem de funcionar por falta de recursos humanos (os trabalhadores das terceirizadas, que as sustentam, foram mandados prá casa porque, sem pagamento, nem vale-transporte eles têm mais...) e ã prefeita arcasse com os custos políticos do descalabro. Neste anos de 2010, o SINTE fez mais por Micarla do que o Senador José Agripino...
Mas quase nada disso é abordado na imprensa local. Silêncio absoluto. As fofocas, por outro lado, pululam. E todo mundo querendo encontrar um meio de agradar à Senadora Rosalba, que, imaginam, é a "governadora de férias" da província. É tanta bajulação que dá náuseas...
E a crise é brava! A prefeitura, por falta de planejamento, segredo de polichinelo constatado pela FGV em consultoria recentemente realizada, está tendo dificuldades em garantir o funcionamento de serviços básicos. Só para citar um exemplo: os funcionários de empresas terceirizadas de algumas áreas estratégicas, como a saúde e a educação, estão sem receber os seus pagamentos, e, por causa disso, os CMEIs (Centros Municipais de Educação Infantil) estão paralisados.
No caso dos CMEIS, diga-se de passagem, a Prefeita Micarla deve agradecer (e muito) à cooperação que teve por parte do SINTE. A greve extemporânea convocada pelo sindicato, no início do semestre letivo, impediu que aquelas unidades educacionais parassem de funcionar por falta de recursos humanos (os trabalhadores das terceirizadas, que as sustentam, foram mandados prá casa porque, sem pagamento, nem vale-transporte eles têm mais...) e ã prefeita arcasse com os custos políticos do descalabro. Neste anos de 2010, o SINTE fez mais por Micarla do que o Senador José Agripino...
Mas quase nada disso é abordado na imprensa local. Silêncio absoluto. As fofocas, por outro lado, pululam. E todo mundo querendo encontrar um meio de agradar à Senadora Rosalba, que, imaginam, é a "governadora de férias" da província. É tanta bajulação que dá náuseas...
terça-feira, 13 de abril de 2010
Filmes que eu quero rever I
Alguns ficam gravados na memória. Você planeja vê-los novamente. Mas, sabe-se lá o porquê, vai adiando o projeto. Vou listar alguns aqui. Quem sabe, depois, eu não os procure na locadora.
Ministério Público: Cadu vai no alvo
Gostei do comentário de Cadu sobre o post abaixo. Tanto assim que o destaco aí embaixo.
O MP E O BATMAN
Carlos Freitas
Essa inclinação do MP (não somente, mas também a PF) para atuar como “justiceiros” se explica também pela composição do seu corpo de agentes especialistas. Em sua maioria, perfis individuais oriundos das frações de classe média educada no Brasil, portadoras de um código moral altamente sensível a temas como corrupção e com “disposições fortes” “anti-política”. É no “ethos guerreiro” (agora aburguesado) que esses estratos superiores da sociedade vão encontrar o suporte moral (objetivo) ideal, entendido enquanto quadro de referência da agência dos mesmos. É interessante, por exemplo, o fascínio que especialistas nos aparelhos de repressão estatal cultivam por personagens como “Batman” e mesmo o famoso juiz italiano Giovanni Falcone - “ícones pop” para muitos agentes do MP e da PF. A natureza social e de classe da pré-disposição para bancar os "guardiões da democracia" (característica dos agentes do MP), é algo que Marcos Nobre, pelo menos no seu artigo, não explicita.
O MP E O BATMAN
Carlos Freitas
Essa inclinação do MP (não somente, mas também a PF) para atuar como “justiceiros” se explica também pela composição do seu corpo de agentes especialistas. Em sua maioria, perfis individuais oriundos das frações de classe média educada no Brasil, portadoras de um código moral altamente sensível a temas como corrupção e com “disposições fortes” “anti-política”. É no “ethos guerreiro” (agora aburguesado) que esses estratos superiores da sociedade vão encontrar o suporte moral (objetivo) ideal, entendido enquanto quadro de referência da agência dos mesmos. É interessante, por exemplo, o fascínio que especialistas nos aparelhos de repressão estatal cultivam por personagens como “Batman” e mesmo o famoso juiz italiano Giovanni Falcone - “ícones pop” para muitos agentes do MP e da PF. A natureza social e de classe da pré-disposição para bancar os "guardiões da democracia" (característica dos agentes do MP), é algo que Marcos Nobre, pelo menos no seu artigo, não explicita.
Ministério Público: uma análise para além dos esquematismos fáceis
O Professor Marcos Nobre, na sua coluna semanal publicada na Folha de São Paulo, aborda hoje o papel do Ministério Público. Trata-se de uma análise a ser levada em conta. Vivemos tempos nos quais jovens promotores, não raramente, agem (e se pensam) como os "guardiães da democracia", para usar aqui uma expressão cara ao jurista francês Antoine Garopan. Confira abaixo alguns trechos do artigo.
MARCOS NOBRE
Nem bandido nem mocinho
A DEMOCRACIA BRASILEIRA não teria avançado tanto desde 1988 se a Constituição não tivesse dado ao Ministério Público (MP) as atribuições e prerrogativas que deu. O MP se interessou sempre por aquilo por que ninguém se interessa. Em um país sem educação, procurou fazer cumprir as leis e falar por quem não recebeu condições para exercer plenamente seus direitos.
É contra tudo isso que se volta a chamada "Lei Maluf", atualmente em tramitação no Congresso.
A simples ideia de que um insigne capacho da ditadura militar possa dar nome a uma lei já é infame por si mesma. Sim, trata-se de legítimo representante do povo.
(...)
Dito isso, não cabe fazer da discussão sobre o papel do MP um pastelão em que só há bandidos e mocinhos. Uma discussão em que só se pode ser contra ou a favor não permite discutir nada a sério.
O atual espírito de corpo do MP se formou na luta contra o autoritarismo, o preconceito e a ignorância. A impressão que se tem, no entanto, é a de que o MP continua a se colocar em posição de vanguarda, como se o Estado de Direito estivesse em perigo como antes, como se todos os demais órgãos do Estado fossem inimigos da democracia.
O resultado é que o MP corre hoje o risco de se isolar e mesmo de se tornar um freio a possíveis avanços institucionais. Isso porque seu ímpeto transformador pode acabar se revertendo em mero paternalismo.
Pode ajudar a perpetuar a situação que pretende combater, mantendo cidadãs e cidadãos na posição de incapazes de exercer por si próprios seus direitos, de discernir por si mesmos seus verdadeiros interesses. Riscos que se tornam ainda maiores em vista da atual tentativa de rever a sábia proibição de que integrantes do MP que ingressaram depois de 1988 possam se candidatar a cargos eletivos no exercício do cargo.
(...)
E o MP como um todo deveria estar coeso no apoio a esse órgão de controle democrático de sua atuação, dando o exemplo de transparência que, com legitimidade e rigor, exige de qualquer agente público ou privado.
nobre.a2@uol.com.br
Assinante UOL lê a matéria completa aqui.
MARCOS NOBRE
Nem bandido nem mocinho
A DEMOCRACIA BRASILEIRA não teria avançado tanto desde 1988 se a Constituição não tivesse dado ao Ministério Público (MP) as atribuições e prerrogativas que deu. O MP se interessou sempre por aquilo por que ninguém se interessa. Em um país sem educação, procurou fazer cumprir as leis e falar por quem não recebeu condições para exercer plenamente seus direitos.
É contra tudo isso que se volta a chamada "Lei Maluf", atualmente em tramitação no Congresso.
A simples ideia de que um insigne capacho da ditadura militar possa dar nome a uma lei já é infame por si mesma. Sim, trata-se de legítimo representante do povo.
(...)
Dito isso, não cabe fazer da discussão sobre o papel do MP um pastelão em que só há bandidos e mocinhos. Uma discussão em que só se pode ser contra ou a favor não permite discutir nada a sério.
O atual espírito de corpo do MP se formou na luta contra o autoritarismo, o preconceito e a ignorância. A impressão que se tem, no entanto, é a de que o MP continua a se colocar em posição de vanguarda, como se o Estado de Direito estivesse em perigo como antes, como se todos os demais órgãos do Estado fossem inimigos da democracia.
O resultado é que o MP corre hoje o risco de se isolar e mesmo de se tornar um freio a possíveis avanços institucionais. Isso porque seu ímpeto transformador pode acabar se revertendo em mero paternalismo.
Pode ajudar a perpetuar a situação que pretende combater, mantendo cidadãs e cidadãos na posição de incapazes de exercer por si próprios seus direitos, de discernir por si mesmos seus verdadeiros interesses. Riscos que se tornam ainda maiores em vista da atual tentativa de rever a sábia proibição de que integrantes do MP que ingressaram depois de 1988 possam se candidatar a cargos eletivos no exercício do cargo.
(...)
E o MP como um todo deveria estar coeso no apoio a esse órgão de controle democrático de sua atuação, dando o exemplo de transparência que, com legitimidade e rigor, exige de qualquer agente público ou privado.
nobre.a2@uol.com.br
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segunda-feira, 12 de abril de 2010
Luiz Felipe de Alencastro e as cotas nas universidades públicas: a resposta ao DEM
Leia, íntegra, o posicionamento do historiador.
Parecer sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ADPF/186, apresentada ao Supremo Tribunal Federal
No presente ano de 2010, os brasileiros afro-descendentes, os cidadãos que se auto-definem como pretos e pardos no recenseamento nacional, passam a formar a maioria da população do país. A partir de agora -, na conceituação consolidada em décadas de pesquisas e de análises metodológicas do IBGE -, mais da metade dos brasileiros são negros.
Esta mudança vai muito além da demografia. Ela traz ensinamentos sobre o nosso passado, sobre quem somos e de onde viemos, e traz também desafios para o nosso futuro.
Minha fala tentará juntar os dois aspectos do problema, partindo de um resumo histórico para chegar à atualidade e ao julgamento que nos ocupa. Os ensinamentos sobre nosso passado, referem-se à densa presença da população negra na formação do povo brasileiro. Todos nós sabemos que esta presença originou-se e desenvolveu-se na violência. Contudo, a extensão e o impacto do escravismo não tem sido suficientemente sublinhada. A petição inicial de ADPF apresentada pelo DEM a esta Corte fala genéricamente sobre “o racismo e a opção pela escravidão negra » (pp. 37-40), sem considerar a especificidade do escravismo em nosso país.
Na realidade, nenhum país americano praticou a escravidão em tão larga escala como o Brasil. Do total de cerca de 11 milhões de africanos deportados e chegados vivos nas Américas, 44% (perto de 5 milhões) vieram para o território brasileiro num período de três séculos (1550-1856). O outro grande país escravista do continente, os Estados Unidos, praticou o tráfico negreiro por pouco mais de um século (entre 1675 e 1808) e recebeu uma proporção muito menor -, perto de 560.000 africanos -, ou seja, 5,5% do total do tráfico transatlantico.[1] No final das contas, o Brasil se apresenta como o agregado político americano que captou o maior número de africanos e que manteve durante mais tempo a escravidão.
Durante estes três séculos, vieram para este lado do Atlântico milhões de africanos que, em meio à miséria e ao sofrimento, tiveram coragem e esperança para constituir as famílias e as culturas formadoras de uma parte essencial do povo brasileiro. Arrancados para sempre de suas famílias, de sua aldeia, de seu continente, eles foram deportados por negreiros luso-brasileiros e, em seguida, por traficantes genuinamente brasileiros que os trouxeram acorrentados em navios arvorando o auriverde pendão de nossa terra, como narram estrofes menos lembradas do poema de Castro Alves.
No século XIX, o Império do Brasil aparece ainda como a única nação independente que praticava o tráfico negreiro em larga escala. Alvo da pressão diplomática e naval britânica, o comércio oceânico de africanos passou a ser proscrito por uma rede de tratados internacionais que a Inglaterra teceu no Atlântico. [2]
O tratado anglo-português de 1818 vetava o tráfico no norte do equador. Na sequência do tratado anglo-brasileiro de 1826, a lei de 7 de novembro de 1831, proibiu a totalidade do comércio atlântico de africanos no Brasil.
Entretanto, 50.000 africanos oriundos do norte do Equador são ilegalmente desembarcados entre 1818 e 1831, e 710.000 indivíduos, vindos de todas as partes da África, são trazidos entre 1831 e 1856, num circuito de tráfico clandestino. Ora, da mesma forma que o tratado de 1818, a lei de 1831 assegurava plena liberdade aos africanos introduzidos no país após a proibição. Em conseqüência, os alegados proprietários desses indivíduos livres eram considerados sequestradores, incorrendo nas sanções do artigo 179 do «Código Criminal», de 1830, que punia o ato de “reduzir à escravidão a pessoa livre que se achar em posse de sua liberdade ». A lei de 7 de novembro 1831 impunha aos infratores uma pena pecuniária e o reembôlso das despesas com o reenvio do africano sequestrado para qualquer porto da África. Tais penalidades são reiteradas no artigo 4° da Lei de 4 de setembro de 1850, a lei Eusébio de Queirós que acabou definitivamente com o tráfico negreiro.
Porém, na década de 1850, o governo imperial anistiou, na prática, os senhores culpados do crime de seqüestro, mas deixou livre curso ao crime correlato, a escravização de pessoas livres.[3] De golpe, os 760.000 africanos desembarcados até 1856 -, e a totalidade de seus descendentes -, continuaram sendo mantidos ilegalmente na escravidão até 1888[4]. Para que não estourassem rebeliões de escravos e de gente ilegalmente escravizada, para que a ilegalidade da posse de cada senhor, de cada seqüestrador, não se transformasse em insegurança coletiva dos proprietários, de seus sócios e credores -, abalando todo o país -, era preciso que vigorasse um conluio geral, um pacto implícito em favor da violação da lei. Um pacto fundado nos “interesses coletivos da sociedade”, como sentenciou, em 1854, o ministro da Justiça, Nabuco de Araújo, pai de Joaquim Nabuco.
O tema subjaz aos debates da época. O próprio Joaquim Nabuco -, que está sendo homenageado neste ano do centenário de sua morte -, escrevia com todas as letras em “O Abolicionismo” (1883): “Durante cinqüenta anos a grande maioria da propriedade escrava foi possuída ilegalmente. Nada seria mais difícil aos senhores, tomados coletivamente, do que justificar perante um tribunal escrupuloso a legalidade daquela propriedade, tomada também em massa”[5].
Tal “tribunal escrupuloso” jamais instaurou-se nas cortes judiciárias, nem tampouco na historiografia do país. Tirante as ações impetradas por um certo número de advogados e magistrados abolicionistas, o assunto permaneceu encoberto na época e foi praticamente ignorado pelas gerações seguintes.
Resta que este crime coletivo guarda um significado dramático: ao arrepio da lei, a maioria dos africanos cativados no Brasil a partir de 1818 -, e todos os seus descendentes -, foram mantidos na escravidão até 1888. Ou seja, boa parte das duas últimas gerações de indivíduos escravizados no Brasil não era escrava. Moralmente ilegítima, a escravidão do Império era ainda -, primeiro e sobretudo -, ilegal. Como escreví, tenho para mim que este pacto dos sequestadores constitui o pecado original da sociedade e da ordem jurídica brasileira.[6]
Firmava-se duradouramente o princípio da impunidade e do casuísmo da lei que marca nossa história e permanece como um desafio constante aos tribunais e a esta Suprema Corte. Consequentemente, não são só os negros brasileiros que pagam o preço da herança escravista.
Outra deformidade gerada pelos “males que a escravidão criou”, para retomar uma expressão de Joaquim Nabuco, refere-se à violência policial.
Para expor o assunto, volto ao século XIX, abordando um ponto da história do direito penal que os ministros desta Corte conhecem bem e que peço a permissão para relembrar.
Depois da Independência, no Brasil, como no sul dos Estados Unidos, o escravismo passou a ser consubstancial ao State building, à organização das instituições nacionais. Houve, assim, uma modernização do escravismo para adequá-lo ao direito positivo e às novas normas ocidentais que regulavam a propriedade privada e as liberdades públicas. Entre as múltiplas contradições engendradas por esta situação, uma relevava do Código Penal: como punir o escravo delinqüente sem encarcerá-lo, sem privar o senhor do usufruto do trabalho do cativo que cumpria pena prisão?
Para solucionar o problema, o quadro legal foi definido em dois tempos. Primeiro, a Constituição de 1824 garantiu, em seu artigo 179, a extinção das punições físicas constantes nas aplicações penais portuguesas. “Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis”; a Constituição também prescrevia: “as cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos réus, conforme suas circunstâncias e natureza de seus crimes”.
Conforme os princípios do Iluminismo, ficavam assim preservadas as liberdades e a dignidade dos homens livres.
Num segundo tempo, o Código Criminal de 1830 tratou especificamente da prisão dos escravos, os quais representavam uma forte proporção de habitantes do Império. No seu artigo 60, o Código reatualiza a pena de tortura. “Se o réu for escravo e incorrer em pena que não seja a capital ou de galés, será condenado na de açoites, e depois de os sofrer, será entregue a seu senhor, que se obrigará a trazê-lo com um ferro pelo tempo e maneira que o juiz designar, o número de açoites será fixado na sentença e o escravo não poderá levar por dia mais de 50”. Com o açoite, com a tortura, podia-se punir sem encarcerar: estava resolvido o dilema.
Longe de restringir-se ao campo, a escravidão também se arraigava nas cidades. Em 1850, o Rio de Janeiro contava 110.000 escravos entre seus 266.000 habitantes, reunindo a maior concentração urbana de escravos da época moderna. Neste quadro social, a questão da segurança pública e da criminalidade assumia um viés específico.[7] De maneira mais eficaz que a prisão, o terror, a ameça do açoite em público, servia para intimidar os escravos.
Oficializada até o final do Império, esta prática punitiva estendeu-se às camadas desfavorecidas, aos negros em particular e aos pobres em geral. Junto com a privatização da justiça efetuada no campo pelos fazendeiros, tais procedimentos travaram o advento de uma política de segurança pública fundada nos princípios da liberdade individual e dos direitos humanos.
Enfim, uma terceira deformidade gerada pelo escravismo afeta diretamente o estatuto da cidadania.
É sabido que nas eleições censitárias de dois graus ocorrendo no Império, até a Lei Saraiva, de 1881, os analfabetos, incluindo negros e mulatos alforriados, podiam ser votantes, isto é, eleitores de primeiro grau, que elegiam eleitores de 2° grau (cerca de 20.000 homens em 1870), os quais podiam eleger e ser eleitos parlamentares. Depois de 1881, foram suprimidos os dois graus de eleitores e em 1882, o voto dos analfabetos foi vetado. Decidida no contexto pré-abolicionista, a proibição buscava criar um ferrolho que barrasse o acesso do corpo eleitoral à maioria dos libertos. Gerou-se um estatuto de infracidadania que perdurou até 1985, quando foi autorizado o voto do analfabeto. O conjunto dos analfabetos brasileiros, brancos e negros, foi atingido.[8] Mas a exclusão política foi mais impactante na população negra, onde o analfabetismo registrava, e continua registrando, taxas proporcionalmente bem mais altas do que entre os brancos.[9]
Pelos motivos apontados acima, os ensinamentos do passado ajudam a situar o atual julgamento sobre cotas universitárias na perspectiva da construção da nação e do sistema politico de nosso país. Nascidas no século XIX, a partir da impunidade garantida aos proprietários de indivíduos ilegalmente escravizados, da violência e das torturas infligidas aos escravos e da infracidadania reservada ao libertos, as arbitrariedades engendradas pelo escravismo submergiram o país inteiro.
Por isso, agindo em sentido inverso, a redução das discriminações que ainda pesam sobre os afrobrasileiros -, hoje majoritários no seio da população -, consolidará nossa democracia.
Portanto, não se trata aqui de uma simples lógica indenizatória, destinada a quitar dívidas da história e a garantir direitos usurpados de uma comunidade específica, como foi o caso, em boa medida, nos memoráveis julgamentos desta Corte sobre a demarcação das terras indígenas. No presente julgamento, trata-se, sobretudo, de inscrever a discussão sobre a política afirmativa no aperfeiçoamento da democracia, no vir a ser da nação. Tais são os desafios que as cotas raciais universitárias colocam ao nosso presente e ao nosso futuro.
Atacando as cotas universitárias, a ADPF do DEM, traz no seu ponto 3 o seguinte título « o perigo da importação de modelos : os exemplos de Ruanda e dos Estados Estados Unidos da América » (pps. 41-43). Trata-se de uma comparação absurda no primeiro caso e inepta no segundo.
Qual o paralelo entre o Brasil e Ruanda, que alcançou a independência apenas em 1962 e viu-se envolvido, desde 1990, numa conflagração generalizada que os especialistas denominam a « primeira guerra mundial africana », implicando também o Burundi, Uganda, Angola, o Congo Kinsasha e o Zimbabuê, e que culminou, em 1994, com o genocídio de quase 1 milhão de tutsis e milhares de hutus ruandenses ?
Na comparação com os Estados Unidos, a alegação é inepta por duas razões. Primeiro, os Estados Unidos são a mais antiga democracia do mundo e servem de exemplo a instituições que consolidaram o sistema político no Brasil. Nosso federalismo, nosso STF -, vosso STF – são calcados no modelo americano. Não há nada de “perigoso” na importação de práticas americanas que possam reforçar nossa democracia. A segunda razão da inépcia reside no fato de que o movimento negro e a defesa dos direitos dos ex-escravos e afrodescendentes tem, como ficou dito acima, raízes profundas na história nacional. Desde o século XIX, magistrados e advogados brancos e negros tem tido um papel fundamental nesta reinvidicações.
Assim, ao contrário do que se tem dito e escrito, a discussão relançada nos anos 1970-1980 sobre as desigualdades raciais é muito mais o resultado da atualização das estatísticas sociais brasileiras, num contexto de lutas democráticas contra a ditadura, do que uma propalada « americanização » do debate sobre a discriminação racial em nosso país. Aliás, foram estas mesmas circunstâncias que suscitaram, na mesma época, os questionamentos sobre a distribuição da renda no quadro do alegado « milagre econômico ». Havia, até a realização da primeira PNAD incluindo o critério cor, em 1976, um grande desconhecimento sobre a evolução demográfica e social dos afrodescendentes.
De fato, no Censo de 1950, as estatísticas sobre cor eram limitadas, no Censo de 1960, elas ficaram inutilizadas e no Censo de 1970 elas eram inexistentes. Este longo período de eclipse estatística facilitou a difusão da ideologia da “democracia racial brasileira”, que apregoava de inexistência de discriminação racial no país. Todavia, as PNADs de 1976, 1984, 1987, 1995, 1999 e os Censos de 1980, 1991 e 2000, incluíram o critério cor. Constatou-se, então, que no decurso de três décadas, a desigualdade racial permanecia no quadro de uma sociedade mais urbanizada, mais educada e com muito maior renda do que em 1940 e 1950. Ou seja, ficava provado que a desigualdade racial tinha um carácter estrutural que não se reduzia com progresso econômico e social do país. Daí o adensamento das reinvidicações da comunidade negra, apoiadas por vários partidos políticos e por boa parte dos movimentos sociais.
Nesta perspectiva, cabe lembrar que a democracia, a prática democrática, consiste num processo dinâmico, reformado e completado ao longo das décadas pelos legisladores brasileiros, em resposta às aspirações da sociedade e às iniciativas de países pioneiros. Foi somente em 1932 -, ainda assim com as conhecidas restrições suprimidas em 1946 -, que o voto feminino instaurou-se no Brasil. Na época, os setores tradicionalistas alegaram que a capacitação política das mulheres iria dividir as famílias e perturbar a tranquilidade de nação. Pouco a pouco, normas consensuais que impediam a plena cidadania e a realização profissional das mulheres foram sendo reduzidas, segundo o preceito -, aplicável também na questão racial -, de que se deve tratar de maneira desigual o problema gerado por uma situação desigual.
Para além do caso da política de cotas da UNB, o que está em pauta neste julgamento são, a meu ver, duas questões essenciais.
A primeira é a seguinte : malgrado a inexistência de um quadro legal discriminatório a população afrobrasileira é discriminada nos dias de hoje?
A resposta está retratada nas creches, nas ruas, nas escolas, nas universidades, nas cadeias, nos laudos dos IML de todo o Brasil. Não me cabe aqui entrar na análise de estatísticas raciais, sociais e econômicas que serão abordadas por diversos especialistas no âmbito desta Audiência Pública. Observo, entretanto, que a ADPF apresentada pelo DEM, na parte intitulada « A manipulação dos indicadores sociais envolvendo a raça » (pp. 54-59), alinha algumas cifras e cita como única fonte analítica, o livro do jornalista Ali Kamel, o qual, como é sabido, não é versado no estudo das estatísticas do IBGE, do IPEA, da ONU e das incontáveis pesquisas e teses brasileiras e estrangeiras que demonstram, maciçamente, a existência de discriminação racial no Brasil.
Dai decorre a segunda pergunta que pode ser formulada em dois tempos. O sistema de promoção social posto em prática desde o final da escravidão poderá eliminar as desigualdades que cercam os afrobrasileiros? A expansão do sistema de bolsas e de cotas pelo critério social provocará uma redução destas desigualdades ?
Os dados das PNADs organizados pelo IPEA mostram, ao contrário, que as disparidades se mantém ao longo da última década. Mais ainda, a entrada no ensino superior exacerba a desigualdade racial no Brasil.
Dessa forma, no ensino fundamental (de 7 a 14 anos), a diferença entre brancos e negros começou a diminuir a partir de 1999 e em 2008 a taxa de frequência entre os dois grupos é praticamente a mesma, em torno de 95% e 94% respectivamente. No ensino médio (de 15 a 17 anos) há uma diferença quase constante entre 1992 e 2008. Neste último ano, foram registrados 61,0% de alunos brancos e 42,0% de alunos negros desta mesma faixa etária. Porém, no ensino superior a diferença entre os dois grupos se escancara. Em 2008, nas faixas etárias de brancos maiores de 18 anos de idade, havia 20,5% de estudantes universitários e nas faixas etárias de negros maiores de 18 anos, só 7,7% de estudantes universitários.[10] Patenteia-se que o acesso ao ensino superior constitui um gargalo incontornável para a ascensão social dos negros brasileiros.
Por todas estas razões, reafirmo minha adesão ao sistema de cotas raciais aplicado pela Universidade de Brasília.
Penso que seria uma simplificação apresentar a discussão sobre as cotas raciais como um corte entre a esquerda e a direita, o governo e a oposição ou o PT e o PSDB. Como no caso do plebiscito de 1993, sobre o presidencialismo e o parlamentarismo, a clivagem atravessa as linhas partidárias e ideológicas. Aliàs, as primeiras medidas de política afirmativa relativas à população negra foram tomadas, como é conhecido, pelo governo Fernando Henrique Cardoso.
Como deixei claro, utilizei vários estudos do IPEA para embasar meus argumentos. Ora, tanto o presidente do IPEA no segundo governo Fernando Henrique Cardoso, o professor Roberto Borges Martins, como o presidente do IPEA no segundo governo Lula, o professor Márcio Porchman -, colegas por quem tenho respeito e admiração -, coordenaram vários estudos sobre a discriminação racial no Brasil nos dias de hoje e são ambos favoráveis às políticas afirmativas e às políticas de cotas raciais.
A existência de alianças transversais deve nos conduzir -, mesmo num ano de eleições -, a um debate menos ideologizado, onde os argumentos de uns e de outros possam ser analisados a fim de contribuir para a superação da desigualdade racial que pesa sobre os negros e a democracia brasileira.
Notas
[1].Ver o Database acessível no sítio http://www.slavevoyages.org/tast/index.faces
[2]. Demonstrando um grande desconhecimento da história pátria e supercialidade em sua argumentação, a petição do DEM afirma na página 35: “Por que não direcionamos a Portugal e à Inglaterra a indenização a ser devida aos afrodescendentes, já que foram os portugueses e os ingleses quem organizaram o tráfico de escravos e a escravidão no Brasil?”. Como é amplamente conhecido, os ingleses não tiveram participação no escravismo brasileiro, visto que o tráfico negreiro constituía-se como um monopólio português, com ativa participação brasileira no século XIX. Bem ao contrário, por razões que não cabe desenvolver neste texto, a Inglaterra teve um papel decisivo na extinção do tráfico negreiro para o Brasil
[3]. A. Perdigão Malheiro, A Escravidão no Brasil – Ensaio Histórico, Jurídico, Social (1867), Vozes, Petrópolis, R.J., 1976, 2 vols. , v. 1, pp. 201-222. Numa mensagem confidencial ao presidente da província de São Paulo, em 1854, Nabuco de Araújo, ministro da Justiça, invoca “os interesses coletivos da sociedade”, para não aplicar a lei de 1831, prevendo a liberdade dos africanos introduzidos após esta data, Joaquim Nabuco, Um Estadista do Império (1897-1899), Topbooks, Rio de Janeiro, 1997, 2 vols., v. 1, p. 229, n. 6
[4] . Beatriz G. Mamigonian, comunicação no seminário do Centre d’Études du Brésil et de l’Atlantique Sud, Université de Paris IV Sorbonne, 21/11/2006; D.Eltis, Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade, Oxford University Press, Oxford, U.K. 1989, appendix A, pp. 234-244.
[5] . Joaquim Nabuco, O Abolicionismo (1883), ed. Vozes, Petrópolis, R.J., 1977, pp 115-120, 189. Quinze anos depois, confirmando a importância primordial do tráfico de africanos -, e da na reprodução desterritorializada da produção escravista -, Nabuco afirma que foi mais fácil abolir a escravidão em 1888, do que fazer cumprir a lei de 1831, id., Um Estadista do Império (1897-1899), Rio de Janeiro, Topbooks,1997, 2 vols., v. 1, p. 228.
[6] . L.F. de Alencastro, “A desmemória e o recalque do crime na política brasileira”, in Adauto Novaes, O Esquecimento da Política, Agir Editora, Rio de Janeiro, 2007, pp. 321-334.
[7] . Luiz Felipe de Alencastro, “Proletários e Escravos: imigrantes portugueses e cativos africanos no Rio de Janeiro 1850-1870”, in Novos Estudos Cebrap, n. 21, 1988, pp. 30-56;
[8] . Elza Berquó e L.F. de Alencastro, “A Emergência do Voto Negro”, Novos Estudos Cebrap, São Paulo, nº33, 1992, pp.77-88.
[9] . O censo de 1980 mostrava que o índice de indivíduos maiores de cinco anos "sem instrução ou com menos de 1 ano de instrução" era de 47,3% entre os pretos, 47,6% entre os pardos e 25,1% entre os brancos. A desproporção reduziu-se em seguida, mas não tem se modificado nos últimos 20 anos. Segundo as PNADs, em 1992, verificava-se que na população maior de 15 anos, os brancos analfabetos representavam 4,0 % e os negros 6,1 %, em 2008 as taxas eram, respectivamente de 6,5% e 8,3%. O aumento das taxas de analfabetos provém, em boa parte, do fato que a partir de 2004, as PNADs passa a incorporar a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas,Roraima, Pará e Amapá. Dados extraídos das tabelas do IPEA.
[10] . Dados fornecidos pelo pesquisador do IPEA, Mario Lisboa Theodoro, que também participa desta Audiência Pública.
Parecer sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ADPF/186, apresentada ao Supremo Tribunal Federal
No presente ano de 2010, os brasileiros afro-descendentes, os cidadãos que se auto-definem como pretos e pardos no recenseamento nacional, passam a formar a maioria da população do país. A partir de agora -, na conceituação consolidada em décadas de pesquisas e de análises metodológicas do IBGE -, mais da metade dos brasileiros são negros.
Esta mudança vai muito além da demografia. Ela traz ensinamentos sobre o nosso passado, sobre quem somos e de onde viemos, e traz também desafios para o nosso futuro.
Minha fala tentará juntar os dois aspectos do problema, partindo de um resumo histórico para chegar à atualidade e ao julgamento que nos ocupa. Os ensinamentos sobre nosso passado, referem-se à densa presença da população negra na formação do povo brasileiro. Todos nós sabemos que esta presença originou-se e desenvolveu-se na violência. Contudo, a extensão e o impacto do escravismo não tem sido suficientemente sublinhada. A petição inicial de ADPF apresentada pelo DEM a esta Corte fala genéricamente sobre “o racismo e a opção pela escravidão negra » (pp. 37-40), sem considerar a especificidade do escravismo em nosso país.
Na realidade, nenhum país americano praticou a escravidão em tão larga escala como o Brasil. Do total de cerca de 11 milhões de africanos deportados e chegados vivos nas Américas, 44% (perto de 5 milhões) vieram para o território brasileiro num período de três séculos (1550-1856). O outro grande país escravista do continente, os Estados Unidos, praticou o tráfico negreiro por pouco mais de um século (entre 1675 e 1808) e recebeu uma proporção muito menor -, perto de 560.000 africanos -, ou seja, 5,5% do total do tráfico transatlantico.[1] No final das contas, o Brasil se apresenta como o agregado político americano que captou o maior número de africanos e que manteve durante mais tempo a escravidão.
Durante estes três séculos, vieram para este lado do Atlântico milhões de africanos que, em meio à miséria e ao sofrimento, tiveram coragem e esperança para constituir as famílias e as culturas formadoras de uma parte essencial do povo brasileiro. Arrancados para sempre de suas famílias, de sua aldeia, de seu continente, eles foram deportados por negreiros luso-brasileiros e, em seguida, por traficantes genuinamente brasileiros que os trouxeram acorrentados em navios arvorando o auriverde pendão de nossa terra, como narram estrofes menos lembradas do poema de Castro Alves.
No século XIX, o Império do Brasil aparece ainda como a única nação independente que praticava o tráfico negreiro em larga escala. Alvo da pressão diplomática e naval britânica, o comércio oceânico de africanos passou a ser proscrito por uma rede de tratados internacionais que a Inglaterra teceu no Atlântico. [2]
O tratado anglo-português de 1818 vetava o tráfico no norte do equador. Na sequência do tratado anglo-brasileiro de 1826, a lei de 7 de novembro de 1831, proibiu a totalidade do comércio atlântico de africanos no Brasil.
Entretanto, 50.000 africanos oriundos do norte do Equador são ilegalmente desembarcados entre 1818 e 1831, e 710.000 indivíduos, vindos de todas as partes da África, são trazidos entre 1831 e 1856, num circuito de tráfico clandestino. Ora, da mesma forma que o tratado de 1818, a lei de 1831 assegurava plena liberdade aos africanos introduzidos no país após a proibição. Em conseqüência, os alegados proprietários desses indivíduos livres eram considerados sequestradores, incorrendo nas sanções do artigo 179 do «Código Criminal», de 1830, que punia o ato de “reduzir à escravidão a pessoa livre que se achar em posse de sua liberdade ». A lei de 7 de novembro 1831 impunha aos infratores uma pena pecuniária e o reembôlso das despesas com o reenvio do africano sequestrado para qualquer porto da África. Tais penalidades são reiteradas no artigo 4° da Lei de 4 de setembro de 1850, a lei Eusébio de Queirós que acabou definitivamente com o tráfico negreiro.
Porém, na década de 1850, o governo imperial anistiou, na prática, os senhores culpados do crime de seqüestro, mas deixou livre curso ao crime correlato, a escravização de pessoas livres.[3] De golpe, os 760.000 africanos desembarcados até 1856 -, e a totalidade de seus descendentes -, continuaram sendo mantidos ilegalmente na escravidão até 1888[4]. Para que não estourassem rebeliões de escravos e de gente ilegalmente escravizada, para que a ilegalidade da posse de cada senhor, de cada seqüestrador, não se transformasse em insegurança coletiva dos proprietários, de seus sócios e credores -, abalando todo o país -, era preciso que vigorasse um conluio geral, um pacto implícito em favor da violação da lei. Um pacto fundado nos “interesses coletivos da sociedade”, como sentenciou, em 1854, o ministro da Justiça, Nabuco de Araújo, pai de Joaquim Nabuco.
O tema subjaz aos debates da época. O próprio Joaquim Nabuco -, que está sendo homenageado neste ano do centenário de sua morte -, escrevia com todas as letras em “O Abolicionismo” (1883): “Durante cinqüenta anos a grande maioria da propriedade escrava foi possuída ilegalmente. Nada seria mais difícil aos senhores, tomados coletivamente, do que justificar perante um tribunal escrupuloso a legalidade daquela propriedade, tomada também em massa”[5].
Tal “tribunal escrupuloso” jamais instaurou-se nas cortes judiciárias, nem tampouco na historiografia do país. Tirante as ações impetradas por um certo número de advogados e magistrados abolicionistas, o assunto permaneceu encoberto na época e foi praticamente ignorado pelas gerações seguintes.
Resta que este crime coletivo guarda um significado dramático: ao arrepio da lei, a maioria dos africanos cativados no Brasil a partir de 1818 -, e todos os seus descendentes -, foram mantidos na escravidão até 1888. Ou seja, boa parte das duas últimas gerações de indivíduos escravizados no Brasil não era escrava. Moralmente ilegítima, a escravidão do Império era ainda -, primeiro e sobretudo -, ilegal. Como escreví, tenho para mim que este pacto dos sequestadores constitui o pecado original da sociedade e da ordem jurídica brasileira.[6]
Firmava-se duradouramente o princípio da impunidade e do casuísmo da lei que marca nossa história e permanece como um desafio constante aos tribunais e a esta Suprema Corte. Consequentemente, não são só os negros brasileiros que pagam o preço da herança escravista.
Outra deformidade gerada pelos “males que a escravidão criou”, para retomar uma expressão de Joaquim Nabuco, refere-se à violência policial.
Para expor o assunto, volto ao século XIX, abordando um ponto da história do direito penal que os ministros desta Corte conhecem bem e que peço a permissão para relembrar.
Depois da Independência, no Brasil, como no sul dos Estados Unidos, o escravismo passou a ser consubstancial ao State building, à organização das instituições nacionais. Houve, assim, uma modernização do escravismo para adequá-lo ao direito positivo e às novas normas ocidentais que regulavam a propriedade privada e as liberdades públicas. Entre as múltiplas contradições engendradas por esta situação, uma relevava do Código Penal: como punir o escravo delinqüente sem encarcerá-lo, sem privar o senhor do usufruto do trabalho do cativo que cumpria pena prisão?
Para solucionar o problema, o quadro legal foi definido em dois tempos. Primeiro, a Constituição de 1824 garantiu, em seu artigo 179, a extinção das punições físicas constantes nas aplicações penais portuguesas. “Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis”; a Constituição também prescrevia: “as cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos réus, conforme suas circunstâncias e natureza de seus crimes”.
Conforme os princípios do Iluminismo, ficavam assim preservadas as liberdades e a dignidade dos homens livres.
Num segundo tempo, o Código Criminal de 1830 tratou especificamente da prisão dos escravos, os quais representavam uma forte proporção de habitantes do Império. No seu artigo 60, o Código reatualiza a pena de tortura. “Se o réu for escravo e incorrer em pena que não seja a capital ou de galés, será condenado na de açoites, e depois de os sofrer, será entregue a seu senhor, que se obrigará a trazê-lo com um ferro pelo tempo e maneira que o juiz designar, o número de açoites será fixado na sentença e o escravo não poderá levar por dia mais de 50”. Com o açoite, com a tortura, podia-se punir sem encarcerar: estava resolvido o dilema.
Longe de restringir-se ao campo, a escravidão também se arraigava nas cidades. Em 1850, o Rio de Janeiro contava 110.000 escravos entre seus 266.000 habitantes, reunindo a maior concentração urbana de escravos da época moderna. Neste quadro social, a questão da segurança pública e da criminalidade assumia um viés específico.[7] De maneira mais eficaz que a prisão, o terror, a ameça do açoite em público, servia para intimidar os escravos.
Oficializada até o final do Império, esta prática punitiva estendeu-se às camadas desfavorecidas, aos negros em particular e aos pobres em geral. Junto com a privatização da justiça efetuada no campo pelos fazendeiros, tais procedimentos travaram o advento de uma política de segurança pública fundada nos princípios da liberdade individual e dos direitos humanos.
Enfim, uma terceira deformidade gerada pelo escravismo afeta diretamente o estatuto da cidadania.
É sabido que nas eleições censitárias de dois graus ocorrendo no Império, até a Lei Saraiva, de 1881, os analfabetos, incluindo negros e mulatos alforriados, podiam ser votantes, isto é, eleitores de primeiro grau, que elegiam eleitores de 2° grau (cerca de 20.000 homens em 1870), os quais podiam eleger e ser eleitos parlamentares. Depois de 1881, foram suprimidos os dois graus de eleitores e em 1882, o voto dos analfabetos foi vetado. Decidida no contexto pré-abolicionista, a proibição buscava criar um ferrolho que barrasse o acesso do corpo eleitoral à maioria dos libertos. Gerou-se um estatuto de infracidadania que perdurou até 1985, quando foi autorizado o voto do analfabeto. O conjunto dos analfabetos brasileiros, brancos e negros, foi atingido.[8] Mas a exclusão política foi mais impactante na população negra, onde o analfabetismo registrava, e continua registrando, taxas proporcionalmente bem mais altas do que entre os brancos.[9]
Pelos motivos apontados acima, os ensinamentos do passado ajudam a situar o atual julgamento sobre cotas universitárias na perspectiva da construção da nação e do sistema politico de nosso país. Nascidas no século XIX, a partir da impunidade garantida aos proprietários de indivíduos ilegalmente escravizados, da violência e das torturas infligidas aos escravos e da infracidadania reservada ao libertos, as arbitrariedades engendradas pelo escravismo submergiram o país inteiro.
Por isso, agindo em sentido inverso, a redução das discriminações que ainda pesam sobre os afrobrasileiros -, hoje majoritários no seio da população -, consolidará nossa democracia.
Portanto, não se trata aqui de uma simples lógica indenizatória, destinada a quitar dívidas da história e a garantir direitos usurpados de uma comunidade específica, como foi o caso, em boa medida, nos memoráveis julgamentos desta Corte sobre a demarcação das terras indígenas. No presente julgamento, trata-se, sobretudo, de inscrever a discussão sobre a política afirmativa no aperfeiçoamento da democracia, no vir a ser da nação. Tais são os desafios que as cotas raciais universitárias colocam ao nosso presente e ao nosso futuro.
Atacando as cotas universitárias, a ADPF do DEM, traz no seu ponto 3 o seguinte título « o perigo da importação de modelos : os exemplos de Ruanda e dos Estados Estados Unidos da América » (pps. 41-43). Trata-se de uma comparação absurda no primeiro caso e inepta no segundo.
Qual o paralelo entre o Brasil e Ruanda, que alcançou a independência apenas em 1962 e viu-se envolvido, desde 1990, numa conflagração generalizada que os especialistas denominam a « primeira guerra mundial africana », implicando também o Burundi, Uganda, Angola, o Congo Kinsasha e o Zimbabuê, e que culminou, em 1994, com o genocídio de quase 1 milhão de tutsis e milhares de hutus ruandenses ?
Na comparação com os Estados Unidos, a alegação é inepta por duas razões. Primeiro, os Estados Unidos são a mais antiga democracia do mundo e servem de exemplo a instituições que consolidaram o sistema político no Brasil. Nosso federalismo, nosso STF -, vosso STF – são calcados no modelo americano. Não há nada de “perigoso” na importação de práticas americanas que possam reforçar nossa democracia. A segunda razão da inépcia reside no fato de que o movimento negro e a defesa dos direitos dos ex-escravos e afrodescendentes tem, como ficou dito acima, raízes profundas na história nacional. Desde o século XIX, magistrados e advogados brancos e negros tem tido um papel fundamental nesta reinvidicações.
Assim, ao contrário do que se tem dito e escrito, a discussão relançada nos anos 1970-1980 sobre as desigualdades raciais é muito mais o resultado da atualização das estatísticas sociais brasileiras, num contexto de lutas democráticas contra a ditadura, do que uma propalada « americanização » do debate sobre a discriminação racial em nosso país. Aliás, foram estas mesmas circunstâncias que suscitaram, na mesma época, os questionamentos sobre a distribuição da renda no quadro do alegado « milagre econômico ». Havia, até a realização da primeira PNAD incluindo o critério cor, em 1976, um grande desconhecimento sobre a evolução demográfica e social dos afrodescendentes.
De fato, no Censo de 1950, as estatísticas sobre cor eram limitadas, no Censo de 1960, elas ficaram inutilizadas e no Censo de 1970 elas eram inexistentes. Este longo período de eclipse estatística facilitou a difusão da ideologia da “democracia racial brasileira”, que apregoava de inexistência de discriminação racial no país. Todavia, as PNADs de 1976, 1984, 1987, 1995, 1999 e os Censos de 1980, 1991 e 2000, incluíram o critério cor. Constatou-se, então, que no decurso de três décadas, a desigualdade racial permanecia no quadro de uma sociedade mais urbanizada, mais educada e com muito maior renda do que em 1940 e 1950. Ou seja, ficava provado que a desigualdade racial tinha um carácter estrutural que não se reduzia com progresso econômico e social do país. Daí o adensamento das reinvidicações da comunidade negra, apoiadas por vários partidos políticos e por boa parte dos movimentos sociais.
Nesta perspectiva, cabe lembrar que a democracia, a prática democrática, consiste num processo dinâmico, reformado e completado ao longo das décadas pelos legisladores brasileiros, em resposta às aspirações da sociedade e às iniciativas de países pioneiros. Foi somente em 1932 -, ainda assim com as conhecidas restrições suprimidas em 1946 -, que o voto feminino instaurou-se no Brasil. Na época, os setores tradicionalistas alegaram que a capacitação política das mulheres iria dividir as famílias e perturbar a tranquilidade de nação. Pouco a pouco, normas consensuais que impediam a plena cidadania e a realização profissional das mulheres foram sendo reduzidas, segundo o preceito -, aplicável também na questão racial -, de que se deve tratar de maneira desigual o problema gerado por uma situação desigual.
Para além do caso da política de cotas da UNB, o que está em pauta neste julgamento são, a meu ver, duas questões essenciais.
A primeira é a seguinte : malgrado a inexistência de um quadro legal discriminatório a população afrobrasileira é discriminada nos dias de hoje?
A resposta está retratada nas creches, nas ruas, nas escolas, nas universidades, nas cadeias, nos laudos dos IML de todo o Brasil. Não me cabe aqui entrar na análise de estatísticas raciais, sociais e econômicas que serão abordadas por diversos especialistas no âmbito desta Audiência Pública. Observo, entretanto, que a ADPF apresentada pelo DEM, na parte intitulada « A manipulação dos indicadores sociais envolvendo a raça » (pp. 54-59), alinha algumas cifras e cita como única fonte analítica, o livro do jornalista Ali Kamel, o qual, como é sabido, não é versado no estudo das estatísticas do IBGE, do IPEA, da ONU e das incontáveis pesquisas e teses brasileiras e estrangeiras que demonstram, maciçamente, a existência de discriminação racial no Brasil.
Dai decorre a segunda pergunta que pode ser formulada em dois tempos. O sistema de promoção social posto em prática desde o final da escravidão poderá eliminar as desigualdades que cercam os afrobrasileiros? A expansão do sistema de bolsas e de cotas pelo critério social provocará uma redução destas desigualdades ?
Os dados das PNADs organizados pelo IPEA mostram, ao contrário, que as disparidades se mantém ao longo da última década. Mais ainda, a entrada no ensino superior exacerba a desigualdade racial no Brasil.
Dessa forma, no ensino fundamental (de 7 a 14 anos), a diferença entre brancos e negros começou a diminuir a partir de 1999 e em 2008 a taxa de frequência entre os dois grupos é praticamente a mesma, em torno de 95% e 94% respectivamente. No ensino médio (de 15 a 17 anos) há uma diferença quase constante entre 1992 e 2008. Neste último ano, foram registrados 61,0% de alunos brancos e 42,0% de alunos negros desta mesma faixa etária. Porém, no ensino superior a diferença entre os dois grupos se escancara. Em 2008, nas faixas etárias de brancos maiores de 18 anos de idade, havia 20,5% de estudantes universitários e nas faixas etárias de negros maiores de 18 anos, só 7,7% de estudantes universitários.[10] Patenteia-se que o acesso ao ensino superior constitui um gargalo incontornável para a ascensão social dos negros brasileiros.
Por todas estas razões, reafirmo minha adesão ao sistema de cotas raciais aplicado pela Universidade de Brasília.
Penso que seria uma simplificação apresentar a discussão sobre as cotas raciais como um corte entre a esquerda e a direita, o governo e a oposição ou o PT e o PSDB. Como no caso do plebiscito de 1993, sobre o presidencialismo e o parlamentarismo, a clivagem atravessa as linhas partidárias e ideológicas. Aliàs, as primeiras medidas de política afirmativa relativas à população negra foram tomadas, como é conhecido, pelo governo Fernando Henrique Cardoso.
Como deixei claro, utilizei vários estudos do IPEA para embasar meus argumentos. Ora, tanto o presidente do IPEA no segundo governo Fernando Henrique Cardoso, o professor Roberto Borges Martins, como o presidente do IPEA no segundo governo Lula, o professor Márcio Porchman -, colegas por quem tenho respeito e admiração -, coordenaram vários estudos sobre a discriminação racial no Brasil nos dias de hoje e são ambos favoráveis às políticas afirmativas e às políticas de cotas raciais.
A existência de alianças transversais deve nos conduzir -, mesmo num ano de eleições -, a um debate menos ideologizado, onde os argumentos de uns e de outros possam ser analisados a fim de contribuir para a superação da desigualdade racial que pesa sobre os negros e a democracia brasileira.
Notas
[1].Ver o Database acessível no sítio http://www.slavevoyages.org/tast/index.faces
[2]. Demonstrando um grande desconhecimento da história pátria e supercialidade em sua argumentação, a petição do DEM afirma na página 35: “Por que não direcionamos a Portugal e à Inglaterra a indenização a ser devida aos afrodescendentes, já que foram os portugueses e os ingleses quem organizaram o tráfico de escravos e a escravidão no Brasil?”. Como é amplamente conhecido, os ingleses não tiveram participação no escravismo brasileiro, visto que o tráfico negreiro constituía-se como um monopólio português, com ativa participação brasileira no século XIX. Bem ao contrário, por razões que não cabe desenvolver neste texto, a Inglaterra teve um papel decisivo na extinção do tráfico negreiro para o Brasil
[3]. A. Perdigão Malheiro, A Escravidão no Brasil – Ensaio Histórico, Jurídico, Social (1867), Vozes, Petrópolis, R.J., 1976, 2 vols. , v. 1, pp. 201-222. Numa mensagem confidencial ao presidente da província de São Paulo, em 1854, Nabuco de Araújo, ministro da Justiça, invoca “os interesses coletivos da sociedade”, para não aplicar a lei de 1831, prevendo a liberdade dos africanos introduzidos após esta data, Joaquim Nabuco, Um Estadista do Império (1897-1899), Topbooks, Rio de Janeiro, 1997, 2 vols., v. 1, p. 229, n. 6
[4] . Beatriz G. Mamigonian, comunicação no seminário do Centre d’Études du Brésil et de l’Atlantique Sud, Université de Paris IV Sorbonne, 21/11/2006; D.Eltis, Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade, Oxford University Press, Oxford, U.K. 1989, appendix A, pp. 234-244.
[5] . Joaquim Nabuco, O Abolicionismo (1883), ed. Vozes, Petrópolis, R.J., 1977, pp 115-120, 189. Quinze anos depois, confirmando a importância primordial do tráfico de africanos -, e da na reprodução desterritorializada da produção escravista -, Nabuco afirma que foi mais fácil abolir a escravidão em 1888, do que fazer cumprir a lei de 1831, id., Um Estadista do Império (1897-1899), Rio de Janeiro, Topbooks,1997, 2 vols., v. 1, p. 228.
[6] . L.F. de Alencastro, “A desmemória e o recalque do crime na política brasileira”, in Adauto Novaes, O Esquecimento da Política, Agir Editora, Rio de Janeiro, 2007, pp. 321-334.
[7] . Luiz Felipe de Alencastro, “Proletários e Escravos: imigrantes portugueses e cativos africanos no Rio de Janeiro 1850-1870”, in Novos Estudos Cebrap, n. 21, 1988, pp. 30-56;
[8] . Elza Berquó e L.F. de Alencastro, “A Emergência do Voto Negro”, Novos Estudos Cebrap, São Paulo, nº33, 1992, pp.77-88.
[9] . O censo de 1980 mostrava que o índice de indivíduos maiores de cinco anos "sem instrução ou com menos de 1 ano de instrução" era de 47,3% entre os pretos, 47,6% entre os pardos e 25,1% entre os brancos. A desproporção reduziu-se em seguida, mas não tem se modificado nos últimos 20 anos. Segundo as PNADs, em 1992, verificava-se que na população maior de 15 anos, os brancos analfabetos representavam 4,0 % e os negros 6,1 %, em 2008 as taxas eram, respectivamente de 6,5% e 8,3%. O aumento das taxas de analfabetos provém, em boa parte, do fato que a partir de 2004, as PNADs passa a incorporar a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas,Roraima, Pará e Amapá. Dados extraídos das tabelas do IPEA.
[10] . Dados fornecidos pelo pesquisador do IPEA, Mario Lisboa Theodoro, que também participa desta Audiência Pública.
Luiz Felipe de Alencastro e as cotas nas universidades públicas
Assista abaixo a intervenção do historiador Luis Felipe de Alencastro na Audiência Pública, feita pelo STF, para subsidiar o posicionamento dos ministros a respeito de ação do DEM contra as cotas nas universidades públicas.
Entrevista de Luiz Felipe de Alencastro
Clique aqui e leia uma boa entrevista dada pelo historiador Luis Felipe de Alencastro ao jornal VALOR ECONÔMICO. Nela, o reconhecido intelectual aborda o processo político brasileiro e o cenário no qual realizar-se-ão as próximas eleições.
Artigo sobre "ecoviolência"
Um interessante artigo sobre o pano de fundo de alguns conflitos étnicos. Também foi publicada pela revista portuguesa ANÁLISE SOCIAL. Confira o resumo abaixo:
Caminhos da «ecoviolência»
Luis Soczka*
O objectivo deste trabalho é estudar as condições ecológicas da violência que subjaz a conflitos entre grupos étnicos ou políticos, cujo pano de fundo é o acesso e o controlo de recursos escassos. O artigo pretende também traçar os caminhos da luta por esses recursos escassos mas vitais, luta essa que catalisa de forma determinada as formas de violência colectiva. O conceito de «ecoviolência», desenvolvido por Thomas Homer-Dixon, é aqui usado quer no sentido da violência gerada pela busca de controlo desses recursos naturais valiosos, quer das respostas violentas daí consequentes.
Palavras-chave: ecoviolência; recursos; conflito.
Clique aqui e baixe o artigo integral em PDF.
Caminhos da «ecoviolência»
Luis Soczka*
O objectivo deste trabalho é estudar as condições ecológicas da violência que subjaz a conflitos entre grupos étnicos ou políticos, cujo pano de fundo é o acesso e o controlo de recursos escassos. O artigo pretende também traçar os caminhos da luta por esses recursos escassos mas vitais, luta essa que catalisa de forma determinada as formas de violência colectiva. O conceito de «ecoviolência», desenvolvido por Thomas Homer-Dixon, é aqui usado quer no sentido da violência gerada pela busca de controlo desses recursos naturais valiosos, quer das respostas violentas daí consequentes.
Palavras-chave: ecoviolência; recursos; conflito.
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Resenha de livro de Peter Burke e Maria Lúcia G. P. Burke sobre a obra de Gilberto Freyre
Abaixo transcrevo resenha do livro de autoria de Peter Burke e Maria Lúcia G. Pallares Burke sobre a teoria social em Gilberto Freyre. Vale a pena conferir! O texto é de autoria de Marcos Cardão, do CEHCP/ISCTE (Portugal), e foi publicado na revista Análise Social.
Peter Burke e Maria Lúcia G. Pallares-Burke, Gilberto Freyre. Social Theory in the Tropics, Oxford, Peter Lang, Ltd., 2008, 261 páginas.
Concebido sob os auspícios das celebrações do "ano nacional de Gilberto de Mello Freyre", o livro, escrito a quatro mãos, principia com uma frase sintomática do autor brasileiro: "O passado nunca foi; o passado continua". Raramente a escolha de uma epígrafe é tão reveladora da intenção de Peter
Burke e Maria Lúcia Pallares-Burke que, para tornarem "Gilberto nosso contemporâneo", procuram esconjurar os traumas do passado, actualizando as teorias de Gilberto Freyre para o século xxi.
Apesar de estarmos perante um livro de síntese, voltado sobretudo para o público estrangeiro que desconhece Gilberto Freyre, a exposição evita leituras simplistas e lineares da sua obra. Os autores fazem, aliás, questão de enfatizar o feixe de contradições do seu percurso intelectual e político, analisando-o numa pluralidade de contextos. Desta opção resulta uma visão mais equilibrada de Gilberto Freyre, o que contribui para clarificar algumas questões referentes ao seu trajecto.
O livro está dividido em sete capítulos, que contemplam núcleos temáticos e não cronológicos da obra de Freyre. Esta semibiografia, inserida na colecção "the past in the present" (que visa estimular a divulgação de autores e ideias relevantes para os problemas actuais), apresenta Gilberto Freyre enquanto precursor da "teoria social nos trópicos" e encorajador da harmonia e fraternidade entre "raças" e culturas. Creio, no entanto, que esta apreciação é discutível, sobretudo na forma como os autores a realizam: "Freyre's ideas are of particular relevance today for both political and academic reasons. His suggestion that Brazilians should accept themselves as a mixture of ethnic groups and cultures [...] remains a topical issue in Brazil, but globalization has made it relevant to many other parts of the world as well" (p. 18). Ao combinar valorização científica com relevância política, os autores implodem as distinções conceptuais, correndo o risco de simplificar o seu argumento. Aliás, sob o ponto vista político, creio que a actualidade de Freyre deveria ser equacionada à luz de uma forma particular de dissolver os conflitos que privilegia as justaposições harmónicas aos conflitos abertos. Esta forma de solucionar as disputas define-se, precisamente, pela conquista do terreno "neutro", o que contribui para naturalizar as formas orgânicas de complementaridade social em nome do consenso.
A opção pela indistinção conceptual assinala uma mudança no pensamento dos autores, designadamente de Peter Burke, que anteriormente apenas se referia às "afinidades electivas" entre a história social de Gilberto Freyre e a história nova realizada pelos Annales, sem extrapolar essas considerações para o campo da política. À semelhança, aliás, do que aconteceu com pensadores contemporâneos de Gilberto Freyre — como Fernand Braudel, Lucien Febvre ou Roland Barthes — que identificaram atempadamente as valências do seu pluralismo metodológico, bem como a sua irresistibilidade literária, quase proustiana, apesar de o seu estilo coloquial e impreciso ter sido incompreendido pela ortodoxia académica da época.
Neste livro, os autores despolitizam, porventura, algumas concepções freyrianas, sobretudo quando enfatizam a sua importância para o presente: "one of the central arguments of this book is that histories and historical writing [...] need to be redrawn in order to take account of the pioneering work of this gifted sociologist-historian from the periphery" (p. 17). Este pioneirismo tende a elidir que na origem da observação nostálgica do mundo dos senhores de engenho estava uma reacção de Freyre à chegada da modernidade ao Brasil. A própria noção de "equilíbrio de antagonismos", mais do que uma opção teórica, deve ser examinada à luz de uma interpretação do Brasil pelo lado do afecto, que tem consequências normativas, pois assegura o equilíbrio de um país. Creio, por isso, que é necessário contestar a naturalização do pioneirismo de Gilberto Freyre de modo a evitar que o seu regresso apareça metamorfoseado numa figura da moderação. Nesse sentido, parece-me adequado questionar algumas noções dos Burkes, principalmente aquelas que tendem a encerrar o seu estudo num sistema de valorização do autor. Opção particularmente evidente nos dois primeiros capítulos, "The importance of being Gilberto" e "Portrait of the artist as a young man", que, apesar da elegância wildeana e joyceana dos títulos, são indicativos de uma estratégia académica que encontra no autor a resolução para os enigmas do tempo.
Refira-se, porém, que a importância do autor não é sinónimo da sua hagiografia, pois os autores não se coíbem de referir as contradições do percurso de Freyre, nomeadamente o seu desvio racista na década de 1920, quando o tema ainda tinha algum peso científico. Nessa altura, Freyre testemunhou o reforço das ideias racistas nas campanhas que restringiam a imigração nos EUA, tendo, inclusivamente, afiançado que a sua não aplicação ao Brasil prejudicaria o país. Segundo os autores, o jovem Freyre teria sido vítima do espírito do tempo: "It was therefore understandable that Freyre would take these racist opinions as if they were proved scientific facts and that, following the majority of people around him, his prejudices would grow stronger" (p. 38).
De regresso ao Brasil, Gilberto Freyre reencontrou nas tradições da sua região um argumento para colmatar o complexo de inferioridade, realizando em Casa Grande & Senzala uma evocação poética e sensual do seu passado que possibilitou a invenção do Brasil. Os autores dedicam um capítulo inteiro à sua obra-prima, Master and Slaves, documentando de forma clara vários detalhes do livro, que vão desde a história de infância até às questões de género, raça, cultura, hibridismo, etc.
As contribuições do seu primeiro livro foram inúmeras e a sua repercussão pública transformou Gilberto Freyre num "intelectual público". Esse é o tema do quarto capítulo, no qual os autores estudam as conturbadas ligações entre o intelectual e a política. Se, na década de 1930, Gilberto Freyre foi tomado por "agitador" e "bolchevique" por advogar, entre outras coisas, um inquérito às condições de trabalho dos usineiros nordestinos, na década de 1950 o escritor brasileiro tornou-se cúmplice do regime salazarista ao aceitar viajar por "tantos portugais", elaborando uma teoria sobre o modo português de colonizar. Posteriormente, radicalizou a sua posição política e apoiou a ditadura militar brasileira, extremando, assim, o seu brasileirismo, que, segundo os autores, "had got out of hand at this time, and that his concern with foreign ideas and intrusions, which according to him might `debrazilianize' the country, had made of him an aggressive nationalist" (p. 123).
Estes exemplos demonstram que o livro dos Burkes, contrariamente aos estudos apologéticos ou aos libelos acusatórios, é um divisor de águas nos estudos freyrianos. Todavia, ficamos com a sensação de que os autores tentam preservar o melhor de Gilberto Freyre, especialmente quando consideram "compreensíveis" as suas simpatias pelo racismo científico, associando essa filiação ao espírito do tempo. O mesmo se passa quando referem a aparente excepcionalidade do seu "nacionalismo agressivo", emitindo juízos de valor sobre formas de nacionalismo, como se estas fossem naturalmente boas ou más, e não formas permeadas por determinações ideológicas que cristalizam diferenças e rivalidades nacionais.
No quinto e sexto capítulos, "Empire and republic" e "The social theorist", os autores destacam o papel do sociólogo brasileiro na introdução de abordagens que favoreceram o pluralismo metodológico; o estudo das práticas da vida quotidiana, incluindo o vestuário, a culinária, o corpo e outros detalhes aparentemente triviais da vida quotidiana; o estudo das questões identitárias e culturais. Na análise da sua "teoria social", os autores refutam a ideia de "luso-tropicalismo", por esta estar demasiado ligada ao colonialismo português; no entanto, reaproveitam a ideia de "democracia racial", esvaziando a sua controvérsia. Embora os autores discutam as formas de recepção da "democracia racial", a sua polémica tende a ser dissipada na medida em que esta aparece como um sinónimo de consenso e paz social. A ideia passa a assumir um carácter de horizonte inultrapassável para a convivência fraternal e harmónica entre "raças" e culturas no século xxi: "in an age of racist revival and racist violence, it is clear that the world still has something to learn from Gilberto Freyre's `mixophilia' and his encouragement of harmony and fraternity" (p. 214).
É, pois, no espírito do wishful thinking que os autores encerram o livro com um capítulo intitulado "Gilberto our contemporary". A contemporaneidade de Freyre, para além de académica, seria também política, pois as suas normas anti-racistas ajudariam a prevenir as contendas, evitando, assim, a irrupção de conflitos raciais. Contudo, os autores parecem esquecer que essas normas, indissociáveis do projecto freyriano de imaginação do Brasil, não impediram que a obliteração das diferenças, por via da miscigenação e consequente patrimonialização da mulata, apagasse as desigualdades. Nesse sentido, a "democracia racial" encobriu, mas não resolveu, os problemas do Brasil.
Apesar de o livro encerrar com o seu capítulo menos conseguido, sobrevalorizando o nacionalismo que Gilberto Freyre criou e o seu pioneirismo científico, os autores conseguem reinventar estudos freyrianos, acrescentando dados indispensáveis a futuras análises. A recensão concisa do trajecto de Freyre culmina numa proposta de regresso à sua obra, agora sob o signo da subalternidade contra-hegemónica dos trópicos. Não deixa, contudo, de ser irónico que, após a sua celebração popular, o autor avesso e incompreendido pelas academias oficiais regresse precisamente por essa via. Mas não será a institucionalização académica de Gilberto Freyre a condecoração que faltava ao homem que tropicalizou o Brasil?
Marcos Cardão
CEHCP/ISCTE
Peter Burke e Maria Lúcia G. Pallares-Burke, Gilberto Freyre. Social Theory in the Tropics, Oxford, Peter Lang, Ltd., 2008, 261 páginas.
Concebido sob os auspícios das celebrações do "ano nacional de Gilberto de Mello Freyre", o livro, escrito a quatro mãos, principia com uma frase sintomática do autor brasileiro: "O passado nunca foi; o passado continua". Raramente a escolha de uma epígrafe é tão reveladora da intenção de Peter
Burke e Maria Lúcia Pallares-Burke que, para tornarem "Gilberto nosso contemporâneo", procuram esconjurar os traumas do passado, actualizando as teorias de Gilberto Freyre para o século xxi.
Apesar de estarmos perante um livro de síntese, voltado sobretudo para o público estrangeiro que desconhece Gilberto Freyre, a exposição evita leituras simplistas e lineares da sua obra. Os autores fazem, aliás, questão de enfatizar o feixe de contradições do seu percurso intelectual e político, analisando-o numa pluralidade de contextos. Desta opção resulta uma visão mais equilibrada de Gilberto Freyre, o que contribui para clarificar algumas questões referentes ao seu trajecto.
O livro está dividido em sete capítulos, que contemplam núcleos temáticos e não cronológicos da obra de Freyre. Esta semibiografia, inserida na colecção "the past in the present" (que visa estimular a divulgação de autores e ideias relevantes para os problemas actuais), apresenta Gilberto Freyre enquanto precursor da "teoria social nos trópicos" e encorajador da harmonia e fraternidade entre "raças" e culturas. Creio, no entanto, que esta apreciação é discutível, sobretudo na forma como os autores a realizam: "Freyre's ideas are of particular relevance today for both political and academic reasons. His suggestion that Brazilians should accept themselves as a mixture of ethnic groups and cultures [...] remains a topical issue in Brazil, but globalization has made it relevant to many other parts of the world as well" (p. 18). Ao combinar valorização científica com relevância política, os autores implodem as distinções conceptuais, correndo o risco de simplificar o seu argumento. Aliás, sob o ponto vista político, creio que a actualidade de Freyre deveria ser equacionada à luz de uma forma particular de dissolver os conflitos que privilegia as justaposições harmónicas aos conflitos abertos. Esta forma de solucionar as disputas define-se, precisamente, pela conquista do terreno "neutro", o que contribui para naturalizar as formas orgânicas de complementaridade social em nome do consenso.
A opção pela indistinção conceptual assinala uma mudança no pensamento dos autores, designadamente de Peter Burke, que anteriormente apenas se referia às "afinidades electivas" entre a história social de Gilberto Freyre e a história nova realizada pelos Annales, sem extrapolar essas considerações para o campo da política. À semelhança, aliás, do que aconteceu com pensadores contemporâneos de Gilberto Freyre — como Fernand Braudel, Lucien Febvre ou Roland Barthes — que identificaram atempadamente as valências do seu pluralismo metodológico, bem como a sua irresistibilidade literária, quase proustiana, apesar de o seu estilo coloquial e impreciso ter sido incompreendido pela ortodoxia académica da época.
Neste livro, os autores despolitizam, porventura, algumas concepções freyrianas, sobretudo quando enfatizam a sua importância para o presente: "one of the central arguments of this book is that histories and historical writing [...] need to be redrawn in order to take account of the pioneering work of this gifted sociologist-historian from the periphery" (p. 17). Este pioneirismo tende a elidir que na origem da observação nostálgica do mundo dos senhores de engenho estava uma reacção de Freyre à chegada da modernidade ao Brasil. A própria noção de "equilíbrio de antagonismos", mais do que uma opção teórica, deve ser examinada à luz de uma interpretação do Brasil pelo lado do afecto, que tem consequências normativas, pois assegura o equilíbrio de um país. Creio, por isso, que é necessário contestar a naturalização do pioneirismo de Gilberto Freyre de modo a evitar que o seu regresso apareça metamorfoseado numa figura da moderação. Nesse sentido, parece-me adequado questionar algumas noções dos Burkes, principalmente aquelas que tendem a encerrar o seu estudo num sistema de valorização do autor. Opção particularmente evidente nos dois primeiros capítulos, "The importance of being Gilberto" e "Portrait of the artist as a young man", que, apesar da elegância wildeana e joyceana dos títulos, são indicativos de uma estratégia académica que encontra no autor a resolução para os enigmas do tempo.
Refira-se, porém, que a importância do autor não é sinónimo da sua hagiografia, pois os autores não se coíbem de referir as contradições do percurso de Freyre, nomeadamente o seu desvio racista na década de 1920, quando o tema ainda tinha algum peso científico. Nessa altura, Freyre testemunhou o reforço das ideias racistas nas campanhas que restringiam a imigração nos EUA, tendo, inclusivamente, afiançado que a sua não aplicação ao Brasil prejudicaria o país. Segundo os autores, o jovem Freyre teria sido vítima do espírito do tempo: "It was therefore understandable that Freyre would take these racist opinions as if they were proved scientific facts and that, following the majority of people around him, his prejudices would grow stronger" (p. 38).
De regresso ao Brasil, Gilberto Freyre reencontrou nas tradições da sua região um argumento para colmatar o complexo de inferioridade, realizando em Casa Grande & Senzala uma evocação poética e sensual do seu passado que possibilitou a invenção do Brasil. Os autores dedicam um capítulo inteiro à sua obra-prima, Master and Slaves, documentando de forma clara vários detalhes do livro, que vão desde a história de infância até às questões de género, raça, cultura, hibridismo, etc.
As contribuições do seu primeiro livro foram inúmeras e a sua repercussão pública transformou Gilberto Freyre num "intelectual público". Esse é o tema do quarto capítulo, no qual os autores estudam as conturbadas ligações entre o intelectual e a política. Se, na década de 1930, Gilberto Freyre foi tomado por "agitador" e "bolchevique" por advogar, entre outras coisas, um inquérito às condições de trabalho dos usineiros nordestinos, na década de 1950 o escritor brasileiro tornou-se cúmplice do regime salazarista ao aceitar viajar por "tantos portugais", elaborando uma teoria sobre o modo português de colonizar. Posteriormente, radicalizou a sua posição política e apoiou a ditadura militar brasileira, extremando, assim, o seu brasileirismo, que, segundo os autores, "had got out of hand at this time, and that his concern with foreign ideas and intrusions, which according to him might `debrazilianize' the country, had made of him an aggressive nationalist" (p. 123).
Estes exemplos demonstram que o livro dos Burkes, contrariamente aos estudos apologéticos ou aos libelos acusatórios, é um divisor de águas nos estudos freyrianos. Todavia, ficamos com a sensação de que os autores tentam preservar o melhor de Gilberto Freyre, especialmente quando consideram "compreensíveis" as suas simpatias pelo racismo científico, associando essa filiação ao espírito do tempo. O mesmo se passa quando referem a aparente excepcionalidade do seu "nacionalismo agressivo", emitindo juízos de valor sobre formas de nacionalismo, como se estas fossem naturalmente boas ou más, e não formas permeadas por determinações ideológicas que cristalizam diferenças e rivalidades nacionais.
No quinto e sexto capítulos, "Empire and republic" e "The social theorist", os autores destacam o papel do sociólogo brasileiro na introdução de abordagens que favoreceram o pluralismo metodológico; o estudo das práticas da vida quotidiana, incluindo o vestuário, a culinária, o corpo e outros detalhes aparentemente triviais da vida quotidiana; o estudo das questões identitárias e culturais. Na análise da sua "teoria social", os autores refutam a ideia de "luso-tropicalismo", por esta estar demasiado ligada ao colonialismo português; no entanto, reaproveitam a ideia de "democracia racial", esvaziando a sua controvérsia. Embora os autores discutam as formas de recepção da "democracia racial", a sua polémica tende a ser dissipada na medida em que esta aparece como um sinónimo de consenso e paz social. A ideia passa a assumir um carácter de horizonte inultrapassável para a convivência fraternal e harmónica entre "raças" e culturas no século xxi: "in an age of racist revival and racist violence, it is clear that the world still has something to learn from Gilberto Freyre's `mixophilia' and his encouragement of harmony and fraternity" (p. 214).
É, pois, no espírito do wishful thinking que os autores encerram o livro com um capítulo intitulado "Gilberto our contemporary". A contemporaneidade de Freyre, para além de académica, seria também política, pois as suas normas anti-racistas ajudariam a prevenir as contendas, evitando, assim, a irrupção de conflitos raciais. Contudo, os autores parecem esquecer que essas normas, indissociáveis do projecto freyriano de imaginação do Brasil, não impediram que a obliteração das diferenças, por via da miscigenação e consequente patrimonialização da mulata, apagasse as desigualdades. Nesse sentido, a "democracia racial" encobriu, mas não resolveu, os problemas do Brasil.
Apesar de o livro encerrar com o seu capítulo menos conseguido, sobrevalorizando o nacionalismo que Gilberto Freyre criou e o seu pioneirismo científico, os autores conseguem reinventar estudos freyrianos, acrescentando dados indispensáveis a futuras análises. A recensão concisa do trajecto de Freyre culmina numa proposta de regresso à sua obra, agora sob o signo da subalternidade contra-hegemónica dos trópicos. Não deixa, contudo, de ser irónico que, após a sua celebração popular, o autor avesso e incompreendido pelas academias oficiais regresse precisamente por essa via. Mas não será a institucionalização académica de Gilberto Freyre a condecoração que faltava ao homem que tropicalizou o Brasil?
Marcos Cardão
CEHCP/ISCTE
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Agora, quem dá a bola é a garotada do Santos...
Os meninos do Santos dão um novo sentido ao corriqueiro hábito de assistir a uma partida de futebol. Que maravilha! E, ontem, contra o São Paulo, a rapaziada mostrou que não está para brincadeira.
domingo, 11 de abril de 2010
Transporte de passageiros no interior do RN: um mercado sem a presença regulamentadora do Estado
Uma boa reportagem, intitulada Falta de ônibus no interior dá margem à exploração, de autoria da jornalista Sara Vasconcelos, publicada na edição deste domingo do jornal TRIBUNA DO NORTE, dá conta do grave problema que é ausência de transportes públicos regulares entre muitos municípios do interior do Rio Grande do Norte e a capital. A reportagem, concluída com uma entrevista com Maristela Lopes de Sousa, do DNIT, trata de questões que deveriam merecer uma reflexão mais séria por todos que se preocupam com a questão do alargamento da cidadania nestas plagas. Dentre outras coisas, a matéria em tela aponta o alto custo financeiro e os sofrimentos dos que necessitam resolver problemas de urgência em Natal. Trata-se, enfim, de um bom apanhado sobre a lógica perversa que predomina no mercado de passageiros do interior do Estado.
Essa matéria poderia ser complementada com uma outra na qual se abordasse como a ausência de regulamentação e fiscalização séria por parte do Estado transformou esse mercado em um verdadeiro “território de ninguém”. A ausência de regulamentação levou a uma fragilização, quando não ao desaparecimento, das empresas regulares. No seu lugar, os “alternativos”. Estes, organizados em grupos que, não raro, têm fortes vínculos com políticos e autoridades locais, atuam, não raro, despeitando as legislações de trânsito, trabalhista e ambiental. Idosos, estudantes e portadores de necessidades especiais perdem direito a benefícios sociais, dado que os proprietários de vans sentem-se desobrigados de cumprir a lei.
Esse caso é revelador do caos para onde nos leva a ausência completa de regulamentação estatal. Por outro lado, indica também que mercados destituídos da presença regulamentadora do Estado sucumbem à força regulamentadora de “agentes informais” (situados numa zona gris entre a legalidade, a ilegalidade e o crime).
Essa matéria poderia ser complementada com uma outra na qual se abordasse como a ausência de regulamentação e fiscalização séria por parte do Estado transformou esse mercado em um verdadeiro “território de ninguém”. A ausência de regulamentação levou a uma fragilização, quando não ao desaparecimento, das empresas regulares. No seu lugar, os “alternativos”. Estes, organizados em grupos que, não raro, têm fortes vínculos com políticos e autoridades locais, atuam, não raro, despeitando as legislações de trânsito, trabalhista e ambiental. Idosos, estudantes e portadores de necessidades especiais perdem direito a benefícios sociais, dado que os proprietários de vans sentem-se desobrigados de cumprir a lei.
Esse caso é revelador do caos para onde nos leva a ausência completa de regulamentação estatal. Por outro lado, indica também que mercados destituídos da presença regulamentadora do Estado sucumbem à força regulamentadora de “agentes informais” (situados numa zona gris entre a legalidade, a ilegalidade e o crime).
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sexta-feira, 9 de abril de 2010
O quadro social na Era Lula
A sempre muito boa revista eletrônica INSIGHT INTELIGÊNCIA já está como seu número mais recente disponível na rede. Destaco o artigo escrito pelo jornalista Rodrigo de Almeida a respeito do quadro social dos oito anos do Governo Lula.
Faça o download do artigo aqui.
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O veneno na análise política
Augusto Max, nosso Guru, fez um comentário sobre "O PT nas eleições de 2010: a análise de César Maia" que eu faço questão de destacar aqui.
César Maia, o veneno de um Paulo Francis com a objetividade de um Golbery! Como alguém pode não gostar dele?
Há realmente uma argumentação interessante. O que está salientado, basicamente no 5o ponto, é que nessas eleições o partido dos trabalhadores está se boicotando nas eleições estaduais em prol da presidencial (tem até um diretório em miniatura defendendo Iberê para o governo). Difícil discordar da debilidade desta atitude, mesmo que vá garantir os tão cobiçados 'fiscais financeiros e previdenciários'. Isso dá água na boca de qualquer um, né?
Mas a idéia em que César Maia se baseia, de Estado-total ou partido-patrimonialismo, me parece equivocada. Equivocada-e-meio. Tragam Foucault, ou pensem as culturas politicas como hibridizadas, ou mesmo num projeto hegemônico, arrumem alguma forma de sair do esquema política como jogo de tabuleiro! Achar que o monolito-PT está se apossando da sociedade civil e do Estado brasileiro é bem distante de tudo que temos observado. Não vi em nenhum momento um "governo do PT" na presidência, aliás, para qualquer analista está muito difícil enxergar o que diabos é o PT hoje. Sarney e Renan Calheiros tem muito mais voz no governo - e talvez no próprio partido - que a maioria do alto escalão petista - e incluo aí luminares como Mercadante e Suplicy. E, sobre a sociedade civil, o quadro é bem heterogêneo - em algums campos sociais realmente não dá para diferenciar PT e sociedade, em outros a influencia do partido é irrelevante. Sem falar, evidentemente, nas variações regionais.
Enfim, quem é esse PT? Que quer, que pensa, que age, que faz isso tudo?! César Maia fala, com maior precisão, dos "gerentes do Estado Total", mas isso é apenas inveja de quem tá com a chave do cofre ou chega a ser uma análise rigorosa do principado? Nada surpreende que o alto escalão tem interesse em continuar mandando nas coisas, mas o discurso de continuidade tem fortes embasamentos muito mais relevantes que a vontade de meia dúzia de abençoados em não perder o controle da caneta.
Eu não sei se o que está acontecendo é uma metamorfose do partido. Está mais para sublimação. Acho que até a militância firmou um acordo tácito no qual o PT não é mais relevante. Relevante se tornou discurso de prosseguimento de um projeto que a enorme maioria das pessoas não tem a mínima idéia do que seja. Engraçada ironia, se lembrarmos dos antigos esquemas de transição por sublimação.
César Maia, o veneno de um Paulo Francis com a objetividade de um Golbery! Como alguém pode não gostar dele?
Há realmente uma argumentação interessante. O que está salientado, basicamente no 5o ponto, é que nessas eleições o partido dos trabalhadores está se boicotando nas eleições estaduais em prol da presidencial (tem até um diretório em miniatura defendendo Iberê para o governo). Difícil discordar da debilidade desta atitude, mesmo que vá garantir os tão cobiçados 'fiscais financeiros e previdenciários'. Isso dá água na boca de qualquer um, né?
Mas a idéia em que César Maia se baseia, de Estado-total ou partido-patrimonialismo, me parece equivocada. Equivocada-e-meio. Tragam Foucault, ou pensem as culturas politicas como hibridizadas, ou mesmo num projeto hegemônico, arrumem alguma forma de sair do esquema política como jogo de tabuleiro! Achar que o monolito-PT está se apossando da sociedade civil e do Estado brasileiro é bem distante de tudo que temos observado. Não vi em nenhum momento um "governo do PT" na presidência, aliás, para qualquer analista está muito difícil enxergar o que diabos é o PT hoje. Sarney e Renan Calheiros tem muito mais voz no governo - e talvez no próprio partido - que a maioria do alto escalão petista - e incluo aí luminares como Mercadante e Suplicy. E, sobre a sociedade civil, o quadro é bem heterogêneo - em algums campos sociais realmente não dá para diferenciar PT e sociedade, em outros a influencia do partido é irrelevante. Sem falar, evidentemente, nas variações regionais.
Enfim, quem é esse PT? Que quer, que pensa, que age, que faz isso tudo?! César Maia fala, com maior precisão, dos "gerentes do Estado Total", mas isso é apenas inveja de quem tá com a chave do cofre ou chega a ser uma análise rigorosa do principado? Nada surpreende que o alto escalão tem interesse em continuar mandando nas coisas, mas o discurso de continuidade tem fortes embasamentos muito mais relevantes que a vontade de meia dúzia de abençoados em não perder o controle da caneta.
Eu não sei se o que está acontecendo é uma metamorfose do partido. Está mais para sublimação. Acho que até a militância firmou um acordo tácito no qual o PT não é mais relevante. Relevante se tornou discurso de prosseguimento de um projeto que a enorme maioria das pessoas não tem a mínima idéia do que seja. Engraçada ironia, se lembrarmos dos antigos esquemas de transição por sublimação.
quinta-feira, 8 de abril de 2010
Texto sobre capital social
Ontem, em uma defesa de tese, teci comentários sobre um texto de autoria de Alejandro Portes no qual o conhecido cientista social faz uma resenha do conceito de capital social. Caso tenhas interesse na questão, podes lê-lo aqui. Acho que vale a pena!
O PT nas eleições de 2010: a análise de César Maia
Uma das coisas que eu aprendi a detestar foi o escanteamento de um argumento pela desqualificação de quem o emite. Obviamente, não precisaria nem dizer, tenho nadado contra a corrente. No dia a dia, mesmo no espaço acadêmico no qual, em tese, deveria prevalecer um debate no qual a identificação do melhor argumento deveria se basear na sua força persuasiva e na sua consistência, predomina, com raras exceções, a postura de diminuir o emissor para deixar de lado a mensagem. Escrevo esse intróito para convidá-lo a ler o texto abaixo, escrito pelo ex-Prefeito César Maia, do DEM. Sei, sei, você não gosta do cara, e, sendo petista, menos ainda do teor do texto. Mas, faça um exercício: tente "ler" para além do texto, isto é, para além do interesse do autor em fazer o combate político e ideológico ao PT. Caso você consiga fazer isso, pode descobrir que há, aí, alguns elementos para um diagnóstico (que precisa ser feito) da metamorfose que o PT está vivendo neste ano de 2010.
A DEBILIDADE DO PT NA CAMPANHA ELEITORAL DE 2010!
César Maia
1. Na Alemanha dos anos 30, chamava-se de "Estado Total" a incorporação ao Estado, dos poderes, do partido político único, dos sindicatos e de todas as associações da sociedade civil, incluindo as manifestações artísticas. Por isso, os atos do partido único eram também atos do Estado e, por este, preparados com toda a coreografia e assumindo todas as despesas. No Brasil se avança para isso a passos largos. Boa parte das associações da sociedade civil e sindicatos são cooptados, patrocinados e seus dirigentes assalariados do Estado por nomeação.
2. Quando se analisa o quadro eleitoral de 2010, isso fica muito claro. Era de se esperar que com a popularidade do presidente e a competitividade de sua candidata, o PT entrasse nesse processo eleitoral como o partido mais forte, especialmente por ser um partido de Estado. Mas não é isso que se vê.
3. Fazendo um levantamento das candidaturas próprias do PT aos governos dos estados, se vê que elas são competitivas no Rio Grande do Sul, Bahia, Sergipe, Piauí e Acre, sendo que no Rio Grande do Sul, é competitiva para perder, e só no Acre franco favorita. Isso terá como reflexo a inevitável perda de deputados em relação aos que o PT elegeu em 2006.
4. Mas para os gerentes do Estado Total, Lula na frente, tanto faz. Pressionam seus pré-candidatos regionais para que desistam e apóiem seus parceiros, especialmente do PMDB e do PSB. Para eles, o fundamental é manter sob seu controle o Estado Total. Na medida em que a Federação foi colocada de joelhos por Lula, com um cheque de 'pacs' numa mão e um chicote na outra, ganhar ou perder estados não muda nada. Da mesma forma fazer mandatos de deputados federais. Afinal, a cooptação por cargos, emendas ou partido-patrimonialismo, pensam, vai lhes garantir o controle do Estado Total.
5. E se o partido é parte do Estado, que se transforma ele mesmo em partido, não faz diferença a origem partidária dos deputados da base aliada ou subserviente. O importante é vencer a eleição presidencial. E para isso vale qualquer arma, qualquer golpe, qualquer pressão. Não importa se o PT vai sair dessa com um só governador do Acre e com 60 deputados federais. O que importa é o controle do Estado, pois os mandatos de fato, estão com aqueles que ocupam os postos chaves da máquina pública. Especialmente os fiscais financeiros e previdenciários.
A DEBILIDADE DO PT NA CAMPANHA ELEITORAL DE 2010!
César Maia
1. Na Alemanha dos anos 30, chamava-se de "Estado Total" a incorporação ao Estado, dos poderes, do partido político único, dos sindicatos e de todas as associações da sociedade civil, incluindo as manifestações artísticas. Por isso, os atos do partido único eram também atos do Estado e, por este, preparados com toda a coreografia e assumindo todas as despesas. No Brasil se avança para isso a passos largos. Boa parte das associações da sociedade civil e sindicatos são cooptados, patrocinados e seus dirigentes assalariados do Estado por nomeação.
2. Quando se analisa o quadro eleitoral de 2010, isso fica muito claro. Era de se esperar que com a popularidade do presidente e a competitividade de sua candidata, o PT entrasse nesse processo eleitoral como o partido mais forte, especialmente por ser um partido de Estado. Mas não é isso que se vê.
3. Fazendo um levantamento das candidaturas próprias do PT aos governos dos estados, se vê que elas são competitivas no Rio Grande do Sul, Bahia, Sergipe, Piauí e Acre, sendo que no Rio Grande do Sul, é competitiva para perder, e só no Acre franco favorita. Isso terá como reflexo a inevitável perda de deputados em relação aos que o PT elegeu em 2006.
4. Mas para os gerentes do Estado Total, Lula na frente, tanto faz. Pressionam seus pré-candidatos regionais para que desistam e apóiem seus parceiros, especialmente do PMDB e do PSB. Para eles, o fundamental é manter sob seu controle o Estado Total. Na medida em que a Federação foi colocada de joelhos por Lula, com um cheque de 'pacs' numa mão e um chicote na outra, ganhar ou perder estados não muda nada. Da mesma forma fazer mandatos de deputados federais. Afinal, a cooptação por cargos, emendas ou partido-patrimonialismo, pensam, vai lhes garantir o controle do Estado Total.
5. E se o partido é parte do Estado, que se transforma ele mesmo em partido, não faz diferença a origem partidária dos deputados da base aliada ou subserviente. O importante é vencer a eleição presidencial. E para isso vale qualquer arma, qualquer golpe, qualquer pressão. Não importa se o PT vai sair dessa com um só governador do Acre e com 60 deputados federais. O que importa é o controle do Estado, pois os mandatos de fato, estão com aqueles que ocupam os postos chaves da máquina pública. Especialmente os fiscais financeiros e previdenciários.
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quarta-feira, 7 de abril de 2010
Cipriano Maia e a eleição para Reitor na UFRN
O professor Cipriano Maia já tem reconhecimento profissional e político para não se deixar morder pela mosca azul. È um sujeito, até certo ponto, destoante no quadro geral de “acadêmicos” que ocupam postos em nossas IESs: assume posição, não faz salamaleques para agradar gregos e baianos e nem renega o seu engajamento pessoal em lutas políticas centrais das décadas de 1980 e 1990. Em nenhum momento, nas vezes em que conversamos, expressou vontade pessoal de ser reitor da UFRN. Disse-me sempre que estava disposto a participar do processo para defender alguns princípios e valores.
Quais princípios e valores? O primeiro deles é o da participação. Certamente, para algumas pessoas na UFRN, isso é demonstração cabal de passadismo. Participação, em uma Universidade, dizem-me os sábios de plantão, é sinônimo de democratismo. E democratismo é coisa de quem não quer produzir... Defender participação é, realmente, nadar contra a corrente nos dias que correm. Especialmente quando nos damos conta que os conselhos universitários, especialmente os de centro, recolheram-se à triste condição de espaços burocráticos (destituídos de vida e de discussão) das decisões produzidas nos departamentos. Estes, quase sempre guiados por interesses particularistas e corporativistas, nunca encarnaram verdadeiramente uma idéia mais geral de Universidade.
Ainda é tempo de resgatar a idéia de participação. Se não por outro motivo, porque essa é a dimensão primeira de uma Universidade com U maiúsculo. Uma participação que pressuponha choque de idéias, defesas e articulações públicas e transparentes de interesses. Algo que não se coaduna com a exclusão, a priori, de nenhum ator.
O segundo princípio fundamental no qual Cipriano aposta é o de uma Universidade que promova a inclusão social. Pois é, uma Universidade situada na periferia do sistema-mundo não pode ficar alheia ao seu entorno social e se pensar (e agir) como se o seu motor único fosse a disputa de um lugar de destaque no ranking das grandes universidades do mundo. Inclusão social, sim. Isso não significa desconsiderar o mérito, mas, sim, criar instrumentos que alarguem a possibilidade de entrada (e permanência) dos setores sociais tradicionalmente excluídos do ensino superior em nosso país. Ora, essa é uma posição que precisa se traduzir em ações concretas. E Cipriano, com as suas proposições, algumas delas tornadas resoluções nos Colegiados Superiores, tem o que mostrar a esse respeito.
Vou parar por aqui. Volto ao assunto mais tarde. Agora, prá variar, tenho uma reunião.
Quais princípios e valores? O primeiro deles é o da participação. Certamente, para algumas pessoas na UFRN, isso é demonstração cabal de passadismo. Participação, em uma Universidade, dizem-me os sábios de plantão, é sinônimo de democratismo. E democratismo é coisa de quem não quer produzir... Defender participação é, realmente, nadar contra a corrente nos dias que correm. Especialmente quando nos damos conta que os conselhos universitários, especialmente os de centro, recolheram-se à triste condição de espaços burocráticos (destituídos de vida e de discussão) das decisões produzidas nos departamentos. Estes, quase sempre guiados por interesses particularistas e corporativistas, nunca encarnaram verdadeiramente uma idéia mais geral de Universidade.
Ainda é tempo de resgatar a idéia de participação. Se não por outro motivo, porque essa é a dimensão primeira de uma Universidade com U maiúsculo. Uma participação que pressuponha choque de idéias, defesas e articulações públicas e transparentes de interesses. Algo que não se coaduna com a exclusão, a priori, de nenhum ator.
O segundo princípio fundamental no qual Cipriano aposta é o de uma Universidade que promova a inclusão social. Pois é, uma Universidade situada na periferia do sistema-mundo não pode ficar alheia ao seu entorno social e se pensar (e agir) como se o seu motor único fosse a disputa de um lugar de destaque no ranking das grandes universidades do mundo. Inclusão social, sim. Isso não significa desconsiderar o mérito, mas, sim, criar instrumentos que alarguem a possibilidade de entrada (e permanência) dos setores sociais tradicionalmente excluídos do ensino superior em nosso país. Ora, essa é uma posição que precisa se traduzir em ações concretas. E Cipriano, com as suas proposições, algumas delas tornadas resoluções nos Colegiados Superiores, tem o que mostrar a esse respeito.
Vou parar por aqui. Volto ao assunto mais tarde. Agora, prá variar, tenho uma reunião.
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