terça-feira, 30 de dezembro de 2008
Em clima de final de ano
O peso das datas de marcação é uma daquelas forças das quais não conseguimos, mesmo que busquemos o contrário, escapar. Livrei-me, com pouco trabalho, das comemorações natalinas, mas do final do ano, desse, acho que não conseguirei. Então, preparo-me para a repetição das mesmas promessas tantas vezes feitas - e sempre irrealizadas. Espero que nos encontremos mais em 2009, o que significa, para mim, que você irá visitar mais este blog.
segunda-feira, 29 de dezembro de 2008
Mais sobre Cuba
No site do jornal O Estado de São Paulo, você vai encontrar uma página dedicada aos 50 anos da revolução cubana. Vale a pena a visita pelo material fotográfico ali colocado. Clique aqui e veja.
Religião e violência
Leia abaixo artigo publicado no blog Conjuntura Criminal, mantido pelo Professor Gláucio Soares, a respeito da relação entre violência e religião.
Religião e violência
GLAUCIO ARY DILLON SOARES
Com a aproximação do Natal, os temas da religião e da vida espiritual voltam à baila, juntamente com perguntas centenárias. Num país, como o Brasil, no qual a violência é muito grande e os jovens representam uma alta proporção tanto das vítimas quanto dos agressores, uma velha pergunta se impõe: a religião tem alguma coisa a ver com a violência da juventude? Aumenta ou diminui a qualidade da vida dos jovens?
Há muitos estudos que tentam dar uma resposta a essas perguntas mas, infelizmente, poucos foram realizados no Brasil. Os Estados Unidos são um país que estimula pesquisas de todo tipo, inclusive sobre a interseção da religião com a juventude. Para sintetizar o que se sabe, Dew e outros pesquisadores da Universidade de Duke fizeram uma revisão de 115 artigos científicos que analisaram uma série de relações entre a juventude e o uso de drogas, a delinqüência, problemas psiquiátricos como a depressão e a ansiedade, a propensão ao suicídio, etc. Em 92% deles havia, pelo menos, uma relação estatisticamente significativa entre a religião e uma das dimensões da saúde mental. A religião e a religiosidade diminuem os problemas mentais e comportamentais. O impacto mais forte é sobre o consumo de drogas.
Outro trabalho semelhante, de revisão sistemática da literatura científica, foi feita por Larson e Johnson em 2003. Analisaram nada menos do que 402 artigos que pesquisaram a relação entre religião e delinqüência. Foram rigorosos, selecionando, apenas, os artigos metodologicamente sólidos. Sobraram quarenta. Diferenciaram aspectos da religião: a freqüência aos ritos (missas etc.); a importância atribuída pelos entrevistados à religião; o estudo das escrituras; a freqüência das orações; a religião dos entrevistados e a participação em atividades religiosas dentro e fora da igreja ou templo. Quase todas as pesquisas mostravam que a religião agia contra a delinqüência: a maior religiosidade, menor o risco de que o jovem cometesse atos delinqüentes.
Lisa Wallace e colaboradores fizeram uma análise mais sociológica dessas relações. Estudaram alunos da 6ª, 8ª, 10ª e 12ª séries. Se concentraram em dez tipos de comportamentos delinqüentes, sendo o pior levar armas de fogo para a escola. Seis variáveis independentes protegiam os alunos contra a delinqüência: compromisso e identificação com a escola ou colégio; o compromisso com a própria educação e a aceitação da legitimidade das normas da escola. A família também pesava: a participação dos pais na vida escolar dos alunos e a relação emocional dos alunos com suas famílias contavam e muito. Além desses fatores, estava a religião que também protegia o aluno. Entre as crianças menores, a família era o fator protetor mais importante e a religião também era um fator de peso. Ironicamente, entre os adolescentes menores (que estavam na 8ª e na 10ª séries), que buscavam independência em relação a suas famílias, a religião também perdia parte de sua capacidade protetora, mas a retomava mais tarde, entre os adolescentes maiores e os jovens adultos. Nesse grupo mais velho, o efeito da religião era semelhante ao da família e o da identificação com a escola - juntos.
E no Brasil? Sabemos pouco. Vários estudos observacionais, não sistemáticos, descrevem a religião como uma força que compete, mas não colide, com o tráfico nas áreas mais pobres e violentas. Nelas, o trânsito entre denominações pentecostais e entre elas e o tráfico é relativamente intenso. Infelizmente, esses estudos não são sistemáticos. Um dado sólido, que representa o início de uma linha de pesquisa e não o seu auge, é a correlação negativa (-0,53) entre a percentagem da população que afirma ter uma (qualquer) religião e a taxa média de homicídios entre 1996 e 2002, usando os municípios brasileiros como observações. Um detalhamento dessa pesquisa mostra que, em 24 estados, a mais pessoas religiosas, menor a taxa de homicídios.
Historicamente, há muitos casos tristes de guerras e violência estimuladas ou cometidas por religiões. Ainda hoje, há interpretações equivocadas de textos religiosos que tem levado à invasão militar de uns países por outros e a atos de terrorismo. Não obstante, no nível individual, os dados e a bibliografia de que dispomos mostram que a religião reduz o crime e a violência, mas com intensidade variável.
No Brasil, o maior país católico do mundo, com uma taxa alta de crescimento de evangélicos, um número significativo de espíritas, sobretudo na classe média, e religiões afro-brasileiras muito importantes em alguns estados, as pesquisas empíricas sobre as relações entre religião, por um lado, e crime e violência, pelo outro, são escassas. No mínimo, uma contradição.
Religião e violência
GLAUCIO ARY DILLON SOARES
Com a aproximação do Natal, os temas da religião e da vida espiritual voltam à baila, juntamente com perguntas centenárias. Num país, como o Brasil, no qual a violência é muito grande e os jovens representam uma alta proporção tanto das vítimas quanto dos agressores, uma velha pergunta se impõe: a religião tem alguma coisa a ver com a violência da juventude? Aumenta ou diminui a qualidade da vida dos jovens?
Há muitos estudos que tentam dar uma resposta a essas perguntas mas, infelizmente, poucos foram realizados no Brasil. Os Estados Unidos são um país que estimula pesquisas de todo tipo, inclusive sobre a interseção da religião com a juventude. Para sintetizar o que se sabe, Dew e outros pesquisadores da Universidade de Duke fizeram uma revisão de 115 artigos científicos que analisaram uma série de relações entre a juventude e o uso de drogas, a delinqüência, problemas psiquiátricos como a depressão e a ansiedade, a propensão ao suicídio, etc. Em 92% deles havia, pelo menos, uma relação estatisticamente significativa entre a religião e uma das dimensões da saúde mental. A religião e a religiosidade diminuem os problemas mentais e comportamentais. O impacto mais forte é sobre o consumo de drogas.
Outro trabalho semelhante, de revisão sistemática da literatura científica, foi feita por Larson e Johnson em 2003. Analisaram nada menos do que 402 artigos que pesquisaram a relação entre religião e delinqüência. Foram rigorosos, selecionando, apenas, os artigos metodologicamente sólidos. Sobraram quarenta. Diferenciaram aspectos da religião: a freqüência aos ritos (missas etc.); a importância atribuída pelos entrevistados à religião; o estudo das escrituras; a freqüência das orações; a religião dos entrevistados e a participação em atividades religiosas dentro e fora da igreja ou templo. Quase todas as pesquisas mostravam que a religião agia contra a delinqüência: a maior religiosidade, menor o risco de que o jovem cometesse atos delinqüentes.
Lisa Wallace e colaboradores fizeram uma análise mais sociológica dessas relações. Estudaram alunos da 6ª, 8ª, 10ª e 12ª séries. Se concentraram em dez tipos de comportamentos delinqüentes, sendo o pior levar armas de fogo para a escola. Seis variáveis independentes protegiam os alunos contra a delinqüência: compromisso e identificação com a escola ou colégio; o compromisso com a própria educação e a aceitação da legitimidade das normas da escola. A família também pesava: a participação dos pais na vida escolar dos alunos e a relação emocional dos alunos com suas famílias contavam e muito. Além desses fatores, estava a religião que também protegia o aluno. Entre as crianças menores, a família era o fator protetor mais importante e a religião também era um fator de peso. Ironicamente, entre os adolescentes menores (que estavam na 8ª e na 10ª séries), que buscavam independência em relação a suas famílias, a religião também perdia parte de sua capacidade protetora, mas a retomava mais tarde, entre os adolescentes maiores e os jovens adultos. Nesse grupo mais velho, o efeito da religião era semelhante ao da família e o da identificação com a escola - juntos.
E no Brasil? Sabemos pouco. Vários estudos observacionais, não sistemáticos, descrevem a religião como uma força que compete, mas não colide, com o tráfico nas áreas mais pobres e violentas. Nelas, o trânsito entre denominações pentecostais e entre elas e o tráfico é relativamente intenso. Infelizmente, esses estudos não são sistemáticos. Um dado sólido, que representa o início de uma linha de pesquisa e não o seu auge, é a correlação negativa (-0,53) entre a percentagem da população que afirma ter uma (qualquer) religião e a taxa média de homicídios entre 1996 e 2002, usando os municípios brasileiros como observações. Um detalhamento dessa pesquisa mostra que, em 24 estados, a mais pessoas religiosas, menor a taxa de homicídios.
Historicamente, há muitos casos tristes de guerras e violência estimuladas ou cometidas por religiões. Ainda hoje, há interpretações equivocadas de textos religiosos que tem levado à invasão militar de uns países por outros e a atos de terrorismo. Não obstante, no nível individual, os dados e a bibliografia de que dispomos mostram que a religião reduz o crime e a violência, mas com intensidade variável.
No Brasil, o maior país católico do mundo, com uma taxa alta de crescimento de evangélicos, um número significativo de espíritas, sobretudo na classe média, e religiões afro-brasileiras muito importantes em alguns estados, as pesquisas empíricas sobre as relações entre religião, por um lado, e crime e violência, pelo outro, são escassas. No mínimo, uma contradição.
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Cuba: 50 anos depois.
Há cinqüenta anos, um acontecimento iria redefinir a geopolítica das Américas. Para o bem e para o mal, o mundo não seria mais o mesmo depois da Revolução Cubana. E novos personagens entraram em cena. Fidel Castro, Che Guevara, Camilo Cienfuegos, castristas, anti-castristas de Miami e muito mais. Você lerá, eu espero, muitos balanços desse acontimento durante o ano de 2009. Por enquanto, coloco aqui o jornal produzido pela CASA DE AMIZADE BRASIL-CUBA ASSOCIAÇÃO CULTURAL JOSÉ MARTÍ. Nele, você lerá um artigo de balanço da revolução.
Morre Samuel P.Huntington
Morreu ontem Samuel Huntington. Historiador competente, Huntigton era um analista arguto e provocador. Conservador, situava-se politicamente bem mais à direita do que a maioria dos intelectuais bem pensantes que fazem sucesso no universo acadêmico. Foi autor, dentre outros, do livro Choque de civilizações, leitura obrigatória para quem se interessa pelo debate a respeitos dos impactos sociais e culturais da globalização. Huntington travou, no início desta década, um interessante debate a respeito da globalização com o sociólogo inglês Anthony Giddens. Esse debate foi lançado em livro e se encontra traduzido para o português. Leia abaixo, em espanhol, publicada no El País, sobre o analista.
Samuel Huntington, el gran valedor de la idea de Occidente
Fernando Vallespín
La labor de los científicos sociales no se limita a acumular conocimientos sobre la realidad social para luego ponerla al servicio de la sociedad. Su dimensión más notable consiste en que, a través de su trabajo, la sociedad pueda tomar después conciencia de sí, contribuir a la autocomprensión colectiva. Ésta es la función en la que siempre destacó la obra de Samuel Huntington, y quizá por ello fue valorado por sus pares como el politólogo número uno del mundo. Su impacto siempre se ha medido así más por la forma en la que sus teorías ayudaron a crear una determinada imagen del mundo en la que vernos reflejados que por la sofisticación de sus análisis sociopolíticos.
De su extensa obra -centrada sobre todo en temas como la democratización, las relaciones entre los poderes civil y militar, el desarrollo político o la política comparada-, hay dos libros que dejaron una importante huella en la ciencia política y en nuestra visión de nosotros mismos. El primero, La tercera ola (1991), aborda los procesos de democratización habidos durante los años setenta en el sur de Europa y América Latina. Lo peculiar del análisis de Huntington reside en resaltar la importancia de la "influencia exterior" sobre los países que entonces comenzaron su proceso de transición democrática. En particular, de Estados Unidos u otros países democráticos desarrollados, que por aquellas fechas harían de la democratización una de las señas de identidad de su política exterior.
El segundo ya es bien conocido por el gran público, El choque de civilizaciones (1996), que tiene su origen en un artículo con el mismo título publicado en 1993 en el Journal of Foreign Affairs. Su tesis básica es que el orden mundial se construye sobre diferencias culturales, no sobre ideologías, y es aquí, en el enfrentamiento entre esas disensiones culturales, donde se encuentra la sede de los conflictos del presente y del futuro. Dichas diferencias no pueden aspirar, en principio, a una aminoración desde supuestos principios compartidos. Lo que prevalece en el mundo es una radical inconmensurabilidad entre diferentes órdenes culturales o "civilizaciones", construidas a partir de diferentes principios religiosos, que no se dejan domar por el recurso a valores con eficacia universal. El particularismo y las diferencias culturales estarían ahí para quedarse.
La preocupación fundamental de Huntington no reside en afirmar una supuesta superior capacidad de Occidente por haber sido capaz de vislumbrar principios dotados de valor universal.
Su interés es exclusivamente estratégico. No se trata de extender el "universalismo occidental" a otros lugares del mundo. Lo que se busca es más bien lo contrario: que la protección de la identidad y seguridad de Occidente -sus "intereses de civilización"- no se vea amenazado por los dos movimientos que supuestamente más lo desafían: el afán por intervenir en áreas culturales distintas a la occidental para potenciar los derechos humanos. Y, en segundo lugar, el continuo proceso de "multiculturización" interna.
El multiculturalismo en Europa y Estados Unidos se vislumbra como la gran amenaza para la estabilidad de un bloque cultural en conflicto potencial con otros bloques culturales.
El objetivo reside más bien en estabilizar y reforzar la identidad cultural de Occidente en unos momentos de un supuesto declive del credo cristiano, su mayor factor de cohesión cultural. De lo que se trata, pues, es de aceptar la multiculturalidad en el ámbito externo y en negarla hacia dentro, en el propio interior de la cultura occidental. Esto último salió claramente a la luz en su último libro, ¿Quiénes somos? (2004), donde aborda el desafío que la inmigración latina está planteando a la identidad nacional estadounidense.
Samuel Huntington pasará a la historia, sin embargo, por haber explicitado en forma de tratado científico la necesidad de mantener una oposición casi existencial entre Occidente e islam, algo de lo que tomaron buena nota los neocons y la Administración del ya casi ex presidente George Bush.
Fernando Vallespín es catedrático de Ciencia Política y de la Administración en la Universidad Autónoma de Madrid.
Samuel Huntington, el gran valedor de la idea de Occidente
Fernando Vallespín
La labor de los científicos sociales no se limita a acumular conocimientos sobre la realidad social para luego ponerla al servicio de la sociedad. Su dimensión más notable consiste en que, a través de su trabajo, la sociedad pueda tomar después conciencia de sí, contribuir a la autocomprensión colectiva. Ésta es la función en la que siempre destacó la obra de Samuel Huntington, y quizá por ello fue valorado por sus pares como el politólogo número uno del mundo. Su impacto siempre se ha medido así más por la forma en la que sus teorías ayudaron a crear una determinada imagen del mundo en la que vernos reflejados que por la sofisticación de sus análisis sociopolíticos.
De su extensa obra -centrada sobre todo en temas como la democratización, las relaciones entre los poderes civil y militar, el desarrollo político o la política comparada-, hay dos libros que dejaron una importante huella en la ciencia política y en nuestra visión de nosotros mismos. El primero, La tercera ola (1991), aborda los procesos de democratización habidos durante los años setenta en el sur de Europa y América Latina. Lo peculiar del análisis de Huntington reside en resaltar la importancia de la "influencia exterior" sobre los países que entonces comenzaron su proceso de transición democrática. En particular, de Estados Unidos u otros países democráticos desarrollados, que por aquellas fechas harían de la democratización una de las señas de identidad de su política exterior.
El segundo ya es bien conocido por el gran público, El choque de civilizaciones (1996), que tiene su origen en un artículo con el mismo título publicado en 1993 en el Journal of Foreign Affairs. Su tesis básica es que el orden mundial se construye sobre diferencias culturales, no sobre ideologías, y es aquí, en el enfrentamiento entre esas disensiones culturales, donde se encuentra la sede de los conflictos del presente y del futuro. Dichas diferencias no pueden aspirar, en principio, a una aminoración desde supuestos principios compartidos. Lo que prevalece en el mundo es una radical inconmensurabilidad entre diferentes órdenes culturales o "civilizaciones", construidas a partir de diferentes principios religiosos, que no se dejan domar por el recurso a valores con eficacia universal. El particularismo y las diferencias culturales estarían ahí para quedarse.
La preocupación fundamental de Huntington no reside en afirmar una supuesta superior capacidad de Occidente por haber sido capaz de vislumbrar principios dotados de valor universal.
Su interés es exclusivamente estratégico. No se trata de extender el "universalismo occidental" a otros lugares del mundo. Lo que se busca es más bien lo contrario: que la protección de la identidad y seguridad de Occidente -sus "intereses de civilización"- no se vea amenazado por los dos movimientos que supuestamente más lo desafían: el afán por intervenir en áreas culturales distintas a la occidental para potenciar los derechos humanos. Y, en segundo lugar, el continuo proceso de "multiculturización" interna.
El multiculturalismo en Europa y Estados Unidos se vislumbra como la gran amenaza para la estabilidad de un bloque cultural en conflicto potencial con otros bloques culturales.
El objetivo reside más bien en estabilizar y reforzar la identidad cultural de Occidente en unos momentos de un supuesto declive del credo cristiano, su mayor factor de cohesión cultural. De lo que se trata, pues, es de aceptar la multiculturalidad en el ámbito externo y en negarla hacia dentro, en el propio interior de la cultura occidental. Esto último salió claramente a la luz en su último libro, ¿Quiénes somos? (2004), donde aborda el desafío que la inmigración latina está planteando a la identidad nacional estadounidense.
Samuel Huntington pasará a la historia, sin embargo, por haber explicitado en forma de tratado científico la necesidad de mantener una oposición casi existencial entre Occidente e islam, algo de lo que tomaron buena nota los neocons y la Administración del ya casi ex presidente George Bush.
Fernando Vallespín es catedrático de Ciencia Política y de la Administración en la Universidad Autónoma de Madrid.
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sexta-feira, 26 de dezembro de 2008
Uma dica de leitura para as férias
A Rainha do Sul, de Arturo Pérez-Reverte é daqueles livros que você não larga até terminar a leitura. A história da ascensão de Tereza Mendonza à condição de uma das cabeças do narcotráfico internacional é bem construída e muito convincente. Um painel das redes sociais que alimentam e se alimentam do tráfico, especialmente da cocaína. É uma leitura que eu recomendo para as férias de janeiro.
Revista Cronos está na rede
A revista Cronos, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFRN, pode ser acessada livremente na internet. O último número contém um dossiê, organizado pela Professora Ana Laudelina Ferreira Gomes, sobre o "ensino médio". Acesse a revista aqui.
A díficil luta contra o narcotráfico no México
O narcotráfico penetrou fundo na vida social mexicana. Introduziu-se nas mais diversas esferas e corrompeu de forma comprometedora as instituições policiais e a própria justiça. Nós, brasileiros, devemos acompanhar com muita atenção o que está ocorrendo naquele país. Se não por outro motivo, ao menos para tirarmos algumas lições. Por isso mesmo, republico abaixo matéria de hoje do jornal espanhol El País.
La policía mexicana detiene a 'El Java', presunto capo del narcotráfico
El Ejército mexicano ha capturado a uno de los presuntos líderes del cártel del Golfo, Javier Díaz Román, alias El Java, relacionado al parecer con el narcotráfico en los estados de Quintana Roo y Veracruz, según detallaron este jueves las autoridades mexicanas, que procedieron al arresto el pasado 22 de diciembre.
La Suprocuraduría de Investigación Especializada en Delincuencia Organizada (SIEDO) había emitido una orden de busca y captura que finalmente se llevó a término a principios de semana, aunque el sospechoso opuso resistencia e intentó huir, según informaciones de los medios locales.
El cártel del Golfo opera en Cancún y, al parecer, el detenido guarda vínculos con el líder del grupo de sicarios Los Zetas, así como con otros presuntos narcotraficantes. Desde el día 24, Díaz Román se encuentra bajo custodia de la SIEDO.
En paralelo a esta operación, el Ejército mexicano detenía unas horas antes a 23 presuntos narcotraficantes en el sur del país, varios de ellos policías, vinculados al poderoso cartel de los hermanos Beltrán Leyva, ha informado la Secretaría de Defensa Nacional (Sedena).
La policía mexicana detiene a 'El Java', presunto capo del narcotráfico
El Ejército mexicano ha capturado a uno de los presuntos líderes del cártel del Golfo, Javier Díaz Román, alias El Java, relacionado al parecer con el narcotráfico en los estados de Quintana Roo y Veracruz, según detallaron este jueves las autoridades mexicanas, que procedieron al arresto el pasado 22 de diciembre.
La Suprocuraduría de Investigación Especializada en Delincuencia Organizada (SIEDO) había emitido una orden de busca y captura que finalmente se llevó a término a principios de semana, aunque el sospechoso opuso resistencia e intentó huir, según informaciones de los medios locales.
El cártel del Golfo opera en Cancún y, al parecer, el detenido guarda vínculos con el líder del grupo de sicarios Los Zetas, así como con otros presuntos narcotraficantes. Desde el día 24, Díaz Román se encuentra bajo custodia de la SIEDO.
En paralelo a esta operación, el Ejército mexicano detenía unas horas antes a 23 presuntos narcotraficantes en el sur del país, varios de ellos policías, vinculados al poderoso cartel de los hermanos Beltrán Leyva, ha informado la Secretaría de Defensa Nacional (Sedena).
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O artigo de Washington Novaes de hoje
Como sempre, republico aqui os artigos do jornalista. Eles são publicados no jornal O Estado de São Paulo. Leia-o abaixo.
Perguntas de fim de ano
Washington Novaes
O Brasil chega a este final de ano posto diante de algumas das maiores dúvidas e interrogações de sua história. Trata-se de saber o que fará com sua matriz energética, especialmente com o petróleo, e com seus recursos naturais, no mundo perplexo com a crise financeira e condicionantes "ambientais" muito graves.
Os jornais anunciam que o governo vai contratar um escritório de advocacia para definir o marco legal para a exploração do petróleo na chamada camada pré-sal, depois que o presidente da República optar entre os vários caminhos examinados por uma comissão interministerial. Aí já terá pela frente questões complicadas, de ordem política, financeira e econômica, que têm sido examinadas por este jornal ao longo dos últimos meses. Mas o problema não se esgota nesse ponto. Será preciso saber como o mundo e o País se comportarão no panorama das mudanças climáticas e na discussão sobre a insustentabilidade do uso de recursos e serviços naturais no mundo, já além da capacidade de reposição do planeta. Porque, em princípio, essas duas questões exigirão profundas mudanças nas matrizes energéticas e de transportes em toda a parte (e no consumo de combustíveis), nos padrões de uso de materiais, nos formatos de construção, na agropecuária, em tudo. No caso do petróleo, influenciarão também com os preços a viabilidade ou não da própria exploração das novas jazidas.
O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), a Agência Internacional de Energia e relatórios como o do ex-economista-chefe do Banco Mundial sir Nicholas Stern dizem que será indispensável reduzir em 80% até 2050 as emissões de poluentes (em que os combustíveis fósseis respondem por 80% do total) que intensificam o efeito estufa e acentuam os desastres climáticos. O mundo em crise acolherá as advertências ou seguirá com o atual aumento de emissões, incapaz de investir em busca daquelas mudanças tecnológicas em meio à crise financeira? Se optar pelas mudanças, em que ritmo elas acontecerão e que influência terão no consumo e nos preços do petróleo, do gás natural e do carvão? Hoje o consumo de petróleo está em 85 milhões de barris/dia (34% da demanda total de energia), com previsão de 106 milhões em 2030 (30% de demanda). Subsistirá? Já caiu um pouco neste final de ano e prevê-se nova queda para 2009.
O preço do barril, que já chegou a mais de US$ 150, na semana passada caiu abaixo de US$ 40 - patamar considerado mínimo por muitos analistas para viabilizar investimentos no pré-sal. Ficará mais viável - principalmente nos países que usam diesel e gás para gerar energia - investir em outros formatos de geração? Uma terceira hipótese será a de estarem ou não à disposição tecnologias que permitam evitar as emissões de poluentes sem mudar a matriz energética. A principal delas seria a captura e o sepultamento de carbono emitido em usinas de geração de energia na queima de diesel, carvão mineral ou gás. Tecnicamente é possível, diz o IPCC. Mas não se sabe ainda que conseqüências geológicas, hidrológicas, sismológicas ou na biodiversidade marinha (se a deposição for no mar) terá. A viabilidade de altos investimentos em petróleo estará condicionada por esses fatores. Ainda mais que a produção na camada pré-sal levará 27 anos, como disse o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, num seminário da Federação Única dos Petroleiros. O que acontecerá em tão largo tempo? Principalmente quando não se sabe exatamente qual é o volume de óleo explorável - e isso depende da geologia, da geofísica, da petrofísica e da engenharia, lembrou ele. Assim como depende do custo futuro de navios, plataformas, refinarias e sondas. E o País ainda não sabe exatamente com que receitas de exportação contará nos próximos anos, para poder calcular investimentos.
Pelo ângulo geral do consumo a questão não é menos complicada. Que se fará diante das seguidas advertências de que o consumo atual de recursos e serviços naturais (2,5 hectares por habitante/ano) é insustentável (a disponibilidade é de 1,8 hectare) e agrava a crise dos recursos hídricos, a desertificação, a perda da biodiversidade e as mudanças climáticas? A alternativa seria a criação e implantação de padrões compatíveis com a capacidade de reposição no planeta. Caso contrário, vai-se seguir aumentando o número dos que passam fome no mundo (já perto de 1 bilhão, segundo a ONU), dos que vivem abaixo da linha da pobreza (cerca de 3 bilhões), dos atingidos pelos desastres do clima (centenas de milhões a cada ano). Que conseqüências políticas e sociais se esperam, se for esse o caminho? E o que acontecerá por decorrência na área de energia?
O panorama energético brasileiro é confuso e problemático. Desprezam-se os estudos científicos que indicam a possibilidade de forte economia no consumo de energia e redução de perdas - só se pensa em construir novas usinas hidrelétricas e nucleares. O programa de energias alternativas (solar, eólica) só dispõe de recursos mínimos. Não assumimos compromissos na Convenção do Clima, só metas internas como as de redução do desmatamento na Amazônia, sem saber exatamente como fazê-lo, porque os recursos financeiros federais são mais que escassos e não há caminhos definidos no âmbito internacional para que outros países possam supri-los.Transferimos para 2010 um projeto de zoneamento para o Cerrado, que perde 22 mil km² por ano e responde por 26% das emissões totais brasileiras. Também acabamos de adiar para o ano que vem o novo inventário de emissões totais brasileiras (Stern disse que elas estão entre 11 toneladas e 12 toneladas por habitante/ano, o que seria mais que o dobro das registradas no inventário de 1994). Não temos planejamento para a matriz de transportes. Nem programas ativos para a área de recursos e serviços naturais.
É um balanço amargo e inquietante na hora das comemorações. Mas é o real.
Washington Novaes é jornalista E-mail: wlrnovaes@uol.com.br
Perguntas de fim de ano
Washington Novaes
O Brasil chega a este final de ano posto diante de algumas das maiores dúvidas e interrogações de sua história. Trata-se de saber o que fará com sua matriz energética, especialmente com o petróleo, e com seus recursos naturais, no mundo perplexo com a crise financeira e condicionantes "ambientais" muito graves.
Os jornais anunciam que o governo vai contratar um escritório de advocacia para definir o marco legal para a exploração do petróleo na chamada camada pré-sal, depois que o presidente da República optar entre os vários caminhos examinados por uma comissão interministerial. Aí já terá pela frente questões complicadas, de ordem política, financeira e econômica, que têm sido examinadas por este jornal ao longo dos últimos meses. Mas o problema não se esgota nesse ponto. Será preciso saber como o mundo e o País se comportarão no panorama das mudanças climáticas e na discussão sobre a insustentabilidade do uso de recursos e serviços naturais no mundo, já além da capacidade de reposição do planeta. Porque, em princípio, essas duas questões exigirão profundas mudanças nas matrizes energéticas e de transportes em toda a parte (e no consumo de combustíveis), nos padrões de uso de materiais, nos formatos de construção, na agropecuária, em tudo. No caso do petróleo, influenciarão também com os preços a viabilidade ou não da própria exploração das novas jazidas.
O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), a Agência Internacional de Energia e relatórios como o do ex-economista-chefe do Banco Mundial sir Nicholas Stern dizem que será indispensável reduzir em 80% até 2050 as emissões de poluentes (em que os combustíveis fósseis respondem por 80% do total) que intensificam o efeito estufa e acentuam os desastres climáticos. O mundo em crise acolherá as advertências ou seguirá com o atual aumento de emissões, incapaz de investir em busca daquelas mudanças tecnológicas em meio à crise financeira? Se optar pelas mudanças, em que ritmo elas acontecerão e que influência terão no consumo e nos preços do petróleo, do gás natural e do carvão? Hoje o consumo de petróleo está em 85 milhões de barris/dia (34% da demanda total de energia), com previsão de 106 milhões em 2030 (30% de demanda). Subsistirá? Já caiu um pouco neste final de ano e prevê-se nova queda para 2009.
O preço do barril, que já chegou a mais de US$ 150, na semana passada caiu abaixo de US$ 40 - patamar considerado mínimo por muitos analistas para viabilizar investimentos no pré-sal. Ficará mais viável - principalmente nos países que usam diesel e gás para gerar energia - investir em outros formatos de geração? Uma terceira hipótese será a de estarem ou não à disposição tecnologias que permitam evitar as emissões de poluentes sem mudar a matriz energética. A principal delas seria a captura e o sepultamento de carbono emitido em usinas de geração de energia na queima de diesel, carvão mineral ou gás. Tecnicamente é possível, diz o IPCC. Mas não se sabe ainda que conseqüências geológicas, hidrológicas, sismológicas ou na biodiversidade marinha (se a deposição for no mar) terá. A viabilidade de altos investimentos em petróleo estará condicionada por esses fatores. Ainda mais que a produção na camada pré-sal levará 27 anos, como disse o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, num seminário da Federação Única dos Petroleiros. O que acontecerá em tão largo tempo? Principalmente quando não se sabe exatamente qual é o volume de óleo explorável - e isso depende da geologia, da geofísica, da petrofísica e da engenharia, lembrou ele. Assim como depende do custo futuro de navios, plataformas, refinarias e sondas. E o País ainda não sabe exatamente com que receitas de exportação contará nos próximos anos, para poder calcular investimentos.
Pelo ângulo geral do consumo a questão não é menos complicada. Que se fará diante das seguidas advertências de que o consumo atual de recursos e serviços naturais (2,5 hectares por habitante/ano) é insustentável (a disponibilidade é de 1,8 hectare) e agrava a crise dos recursos hídricos, a desertificação, a perda da biodiversidade e as mudanças climáticas? A alternativa seria a criação e implantação de padrões compatíveis com a capacidade de reposição no planeta. Caso contrário, vai-se seguir aumentando o número dos que passam fome no mundo (já perto de 1 bilhão, segundo a ONU), dos que vivem abaixo da linha da pobreza (cerca de 3 bilhões), dos atingidos pelos desastres do clima (centenas de milhões a cada ano). Que conseqüências políticas e sociais se esperam, se for esse o caminho? E o que acontecerá por decorrência na área de energia?
O panorama energético brasileiro é confuso e problemático. Desprezam-se os estudos científicos que indicam a possibilidade de forte economia no consumo de energia e redução de perdas - só se pensa em construir novas usinas hidrelétricas e nucleares. O programa de energias alternativas (solar, eólica) só dispõe de recursos mínimos. Não assumimos compromissos na Convenção do Clima, só metas internas como as de redução do desmatamento na Amazônia, sem saber exatamente como fazê-lo, porque os recursos financeiros federais são mais que escassos e não há caminhos definidos no âmbito internacional para que outros países possam supri-los.Transferimos para 2010 um projeto de zoneamento para o Cerrado, que perde 22 mil km² por ano e responde por 26% das emissões totais brasileiras. Também acabamos de adiar para o ano que vem o novo inventário de emissões totais brasileiras (Stern disse que elas estão entre 11 toneladas e 12 toneladas por habitante/ano, o que seria mais que o dobro das registradas no inventário de 1994). Não temos planejamento para a matriz de transportes. Nem programas ativos para a área de recursos e serviços naturais.
É um balanço amargo e inquietante na hora das comemorações. Mas é o real.
Washington Novaes é jornalista E-mail: wlrnovaes@uol.com.br
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Sobre cotas e bolsas para negros
Matéria publicada na edição de hoje do jornal Folha de São Paulo coloca elementos para uma reflexão sobre a defesa de cotas nas universidades.
Cota não altera nº de negros na universidade
Participação de pretos e pardos no ensino superior público variou 1,8 ponto percentual -passou de 36,4% dos alunos para 38,2%
Número de estudantes negros nas universidades particulares passou de 26,2% para 29,5% de 2004 a 2007; Prouni dá bolsas desde 2005
ANGELA PINHO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
As políticas de ações afirmativas adotadas até agora por universidades públicas e pelo governo federal, por meio do Prouni, tiveram pouco impacto sobre a participação dos pretos e pardos no ensino superior.
Dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) mostram que, de 2002, quando as universidades começaram a instituir programas de cotas, a 2007, a participação de pretos e pardos no ensino superior público variou 1,8 ponto percentual -passou de 36,4% dos estudantes de graduação do setor para 38,2%. De 2001 a 2002, a variação foi de 2,8 pontos percentuais.
Pretos e pardos são nomenclaturas usadas pelo IBGE para a classificação de raça/cor, a partir da autodeclaração dos entrevistados.
Na rede particular, a presença do grupo passa de 26,2% para 29,5% de 2004 a 2007. A principal ação afirmativa no setor é o Prouni, que desde 2005 concede bolsas a estudantes carentes de escola pública na proporção igual à de pretos, pardos e indígenas de cada Estado.
(...)
No Prouni, os 197 mil pretos e pardos que entraram pelo programa desde sua criação correspondem a 45% dos bolsistas. Considerando os que entraram em 2006, porém, o ingresso representou apenas 1% do total de matrículas no ensino superior.
O impacto de cotas em universidades públicas também é restrito considerando-se que três quartos dos estudantes estão em instituições privadas.
Desde 2002, segundo estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), 33 universidades públicas, de ao menos 250, passaram a adotar algum tipo de cota racial.
O projeto de lei que o governo quer aprovar no Congresso prevê que 50% das vagas nas federais sejam reservadas a alunos de escolas públicas, e que esse percentual seja dividido de acordo com a proporção de pretos, pardos e indígenas de cada Estado.
Mesmo se aprovada, porém, a lei terá reflexo pequeno sobre o quadro geral, embora de fato aumentem a presença de pretos e pardos nas instituições federais em que as cotas forem instituídas.
(...)
Caso as vagas para pretos e pardos correspondessem à sua representação na população brasileira -ou seja, 49,8%-, haveria uma reserva correspondente a 3,1% das matrículas no ensino superior.
"Há todo um engodo em torno desse assunto [lei que cria cotas]", diz José Luiz Petrucelli, pesquisador do IBGE, favorável às cotas. "Mesmo se essa lei tivesse sido aprovada e estivesse sendo cumprida, ela não tem um efeito prático muito importante. Tem um efeito simbólico muito importante, por isso tanta polêmica."
(...)
Segundo frei David, da ONG Educafro, essa reivindicação é planejada para daqui a cerca de três anos, já que, na atual lista de prioridades, vêm antes a aprovação do projeto de lei pelo Senado, a criação de bolsas para os alunos cotistas conseguirem se manter nos cursos e o monitoramento do desempenho acadêmico deles, para, segundo afirma, divulgar os benefícios da política para a população como um todo. A idéia não deve encontrar apoio no Ministério da Educação.
Crescimento
Mesmo com baixo impacto de ações afirmativas, a presença dos pretos e pardos no ensino superior, contando tanto o público como o particular, tem uma trajetória crescente na última década. Em 1998, pretos e pardos eram 18% dos estudantes de graduação. Em 2007, o número já era de 31,5%.
(...)
Isso aconteceu no ensino médio. A participação dos pretos e pardos nessa etapa passou de 42% para 50,5%, aumentando o número de pessoas aptas a cursar o ensino superior.
A qualidade da educação é um fator apontado para melhorar o acesso à universidade pela população mais pobre -e, conseqüentemente, de mais pretos e pardos, geralmente associados a essa faixa econômica.
(...)
ASSINANTE DA FOLHA OU DO UOL LÊ A MATÉRIA COMPLETA AQUI.
Cota não altera nº de negros na universidade
Participação de pretos e pardos no ensino superior público variou 1,8 ponto percentual -passou de 36,4% dos alunos para 38,2%
Número de estudantes negros nas universidades particulares passou de 26,2% para 29,5% de 2004 a 2007; Prouni dá bolsas desde 2005
ANGELA PINHO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
As políticas de ações afirmativas adotadas até agora por universidades públicas e pelo governo federal, por meio do Prouni, tiveram pouco impacto sobre a participação dos pretos e pardos no ensino superior.
Dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) mostram que, de 2002, quando as universidades começaram a instituir programas de cotas, a 2007, a participação de pretos e pardos no ensino superior público variou 1,8 ponto percentual -passou de 36,4% dos estudantes de graduação do setor para 38,2%. De 2001 a 2002, a variação foi de 2,8 pontos percentuais.
Pretos e pardos são nomenclaturas usadas pelo IBGE para a classificação de raça/cor, a partir da autodeclaração dos entrevistados.
Na rede particular, a presença do grupo passa de 26,2% para 29,5% de 2004 a 2007. A principal ação afirmativa no setor é o Prouni, que desde 2005 concede bolsas a estudantes carentes de escola pública na proporção igual à de pretos, pardos e indígenas de cada Estado.
(...)
No Prouni, os 197 mil pretos e pardos que entraram pelo programa desde sua criação correspondem a 45% dos bolsistas. Considerando os que entraram em 2006, porém, o ingresso representou apenas 1% do total de matrículas no ensino superior.
O impacto de cotas em universidades públicas também é restrito considerando-se que três quartos dos estudantes estão em instituições privadas.
Desde 2002, segundo estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), 33 universidades públicas, de ao menos 250, passaram a adotar algum tipo de cota racial.
O projeto de lei que o governo quer aprovar no Congresso prevê que 50% das vagas nas federais sejam reservadas a alunos de escolas públicas, e que esse percentual seja dividido de acordo com a proporção de pretos, pardos e indígenas de cada Estado.
Mesmo se aprovada, porém, a lei terá reflexo pequeno sobre o quadro geral, embora de fato aumentem a presença de pretos e pardos nas instituições federais em que as cotas forem instituídas.
(...)
Caso as vagas para pretos e pardos correspondessem à sua representação na população brasileira -ou seja, 49,8%-, haveria uma reserva correspondente a 3,1% das matrículas no ensino superior.
"Há todo um engodo em torno desse assunto [lei que cria cotas]", diz José Luiz Petrucelli, pesquisador do IBGE, favorável às cotas. "Mesmo se essa lei tivesse sido aprovada e estivesse sendo cumprida, ela não tem um efeito prático muito importante. Tem um efeito simbólico muito importante, por isso tanta polêmica."
(...)
Segundo frei David, da ONG Educafro, essa reivindicação é planejada para daqui a cerca de três anos, já que, na atual lista de prioridades, vêm antes a aprovação do projeto de lei pelo Senado, a criação de bolsas para os alunos cotistas conseguirem se manter nos cursos e o monitoramento do desempenho acadêmico deles, para, segundo afirma, divulgar os benefícios da política para a população como um todo. A idéia não deve encontrar apoio no Ministério da Educação.
Crescimento
Mesmo com baixo impacto de ações afirmativas, a presença dos pretos e pardos no ensino superior, contando tanto o público como o particular, tem uma trajetória crescente na última década. Em 1998, pretos e pardos eram 18% dos estudantes de graduação. Em 2007, o número já era de 31,5%.
(...)
Isso aconteceu no ensino médio. A participação dos pretos e pardos nessa etapa passou de 42% para 50,5%, aumentando o número de pessoas aptas a cursar o ensino superior.
A qualidade da educação é um fator apontado para melhorar o acesso à universidade pela população mais pobre -e, conseqüentemente, de mais pretos e pardos, geralmente associados a essa faixa econômica.
(...)
ASSINANTE DA FOLHA OU DO UOL LÊ A MATÉRIA COMPLETA AQUI.
quinta-feira, 25 de dezembro de 2008
Auto de Natal: um grande espetáculo
Se você está em Natal e ainda não foi ao anfiteatro do Campus da UFRN assistir ao Auto de Natal, não se acomode em casa: se apronte e vá conferir um espetáculo de muita beleza. Enredo bem construído, coreografia impecável, figurinos majestosos e músicas excepcionais. Tudo está de muito bom tamanho no Auto de Natal deste ano. Mesmo para aqueles que resistem aos encantos da mitologia, o texto é de boa qualidade e com dimensões universais. A Fundação José Augusto, dirigida pelo competente Crispiniano Neto, está de parabéns pela promoção do evento.
Um painel sobre a Nigéria na Folha
Superficialidade e indigência mental, eis as características marcantes da cobertura da grande imprensa brasileira sobre os países africanos. São poucas as exceções. Assim, quando boas matérias são publicadas, o que demora a ocorrer, temos que comemorar e chamar a atenção. Foi o que ocorreu na edição de hoje do jornal Folha de São Paulo. A jornalista Belisa Ribeiro produziu três textos interessantes sobre a Nigéria. Merecem leitura e reflexão. Acesse o jornal aqui (somente para assinantes do jornal ou do UOL, infelizmente)
A Nova Direita mora ao lado
Não, não estou querendo analisar conhecido (e ótimo) texto do sociólogo Antônio Flávio Pierucci sobre a base social do malufismo nos anos oitenta. Quero me referir a uma nova direita, auto-identificada como superior moral e intelectualmente à velha esquerda. É composta por aquela gente que se jacta de ser anti-PT e que adora espinafrar o Lula recorrendo, sem subterfúgios, a velhos preconceitos classistas tão fortemente enraizados no pensamento social brasileiro. Arrogante e esnobe, essa nova direita polula em diversos meios de comunicação e tem audiência cativa entre os membros daquela classe tão dificilmente identificável objetivamente denominada comumente como classe média. Não por acaso, em quase todos os consultórios médicos, você vai encontrar exemplares daquela revista semanal conhecida por praticar o que alguns denominam de parajornalismo e que se tornou o ninho brasileiro daqueles personagens identificados alhures como "neocons".
Para uma melhor apreensão do fenômeno neocon, coloco à sua disposição (em espanhol) um texto publicada na revista El Viejo Topo. Clique aqui e leia-o.
Para uma melhor apreensão do fenômeno neocon, coloco à sua disposição (em espanhol) um texto publicada na revista El Viejo Topo. Clique aqui e leia-o.
Um belo cartão
O cartão abaixo me foi enviado pelo Deputado Fernando Mineiro. É um belo cartão! Caso queira visualizá-lo melhor, acesse aqui a página do parlamentar.
O crime organizado e a sociologia: o caso do roubo de cargas
O roubo de cargas é uma das principais expressões do crime organizado no Brasil contemporâneo. Diferente de outras atividades criminosas, como o tráfico de drogas, trata-se de um tipo de atividade que propicia uma articulação profunda com o mundo econômico formal. Enquanto em outras atividades criminosas, os laços com a economia formal se concretizam mais fortemente quando da legalização do dinheiro obtido através de atividades delituosas, no roubo de cargas, essa conexão é parte constitutiva mesma do empreendimento. Assim, o roubo de cargas pode ser apreendido como uma espécie de “sistema”, no qual os assaltos e roubos de cargas são apenas a parte “submersa” de um campo de ação que se alastra largamente pela vida social brasileira, particularmente nas transações econômicas.
Por isso mesmo, entendo que tomar essa atividade como objeto de reflexão sociológica exige-nos, em primeiro lugar, a ruptura com as narrativas insinuantes a respeito de uma engenhosa máquina criminosa, geralmente legitimada pela imaginação cinematográfica sobre a máfia. Assim, ao invés de se buscar super-organizações, dirige-se o olhar para as redes que conectam atividades legais (venda de remédios, combustíveis e produtos eletrônicos, por exemplo) com práticas claramente delituosas.
Esse caminho possibilita uma investigação sociológica mais fecunda, dado que pode fornecer elementos para uma compreensão a respeito das bases sociais do desenvolvimento dessa atividade criminosa. Isso porque direciona o nosso olhar sobre as demandas sociais que produzem, em grande parte como efeitos não-intencionados, os contornos do mercado de cargas roubadas.
Por outro lado, do ponto vista da sociologia, trata-se de ter como objetivo analítico não o desvendamento da natureza mesma da atividade do roubo de cargas no Brasil, mas a apreensão mesma da configuração do mercado de cargas roubadas tal qual este se estruturou no país a partir do início da década de noventa.
Essa questão central expressa, sobremaneira, a perspectiva epistemológica subjacente ao projeto da chamada “sociologia relacional”. A sua tradução concreta é a superação da tentativa de impor, a priori, uma estrutura à realidade e aos atores. Assim, tomando o mercado de cargas roubadas (e o “sistema” maior que o engloba que é o do “roubo de cargas”) como uma configuração social que é tanto resultado previsível de ações deliberadas de atores quanto o resultado não-previsto de ações realizadas por atores que, embora tenham competência para articular discursivamente uma resposta a respeito de porque fazem o que fazem, não têm nunca o controle do resultado de tais ações.
E essas ações dizem respeito não a atributos (elementos que antecipadamente definiriam tais atores), mas a resultados das suas interações. Interações que também não são realizadas por unidades atomizadas, mas por atores situados em redes sociais mais ou menos flexíveis. Esse tipo de apreensão aponta para uma outra questão que funcionará como um complemento daquela anunciada mais acima como central. Refiro-me à natureza dessas redes. Entender como esse mercado se configura e os elementos que o instituem deve necessariamente ser complementado por interrogações também sobre as redes que o atravessam e as posições dos atores dentro delas. Qual o padrão de estruturação das mesmas? São marcadamente hierárquicas ou se articulam de forma precária e flexível tendo como suporte os recursos à violência física (assassinatos, intimidações, seqüestros) para, nas situações limites, garantir a execução dos contratos?
Finalmente, questionar sobre o que é, como se configura e o que constitui o mercado do roubo de cargas implica em aposta numa perspectiva analítica distinta daquela que têm sido normalmente seguida por alguns dos mais importantes pesquisadores da violência no Brasil. Assim, trata-se de procurar cá no chão social tido como formal as bases e os elementos que dão forma e legitimidade àquelas ações e transações econômicas tidas como submersas.
Por isso mesmo, entendo que tomar essa atividade como objeto de reflexão sociológica exige-nos, em primeiro lugar, a ruptura com as narrativas insinuantes a respeito de uma engenhosa máquina criminosa, geralmente legitimada pela imaginação cinematográfica sobre a máfia. Assim, ao invés de se buscar super-organizações, dirige-se o olhar para as redes que conectam atividades legais (venda de remédios, combustíveis e produtos eletrônicos, por exemplo) com práticas claramente delituosas.
Esse caminho possibilita uma investigação sociológica mais fecunda, dado que pode fornecer elementos para uma compreensão a respeito das bases sociais do desenvolvimento dessa atividade criminosa. Isso porque direciona o nosso olhar sobre as demandas sociais que produzem, em grande parte como efeitos não-intencionados, os contornos do mercado de cargas roubadas.
Por outro lado, do ponto vista da sociologia, trata-se de ter como objetivo analítico não o desvendamento da natureza mesma da atividade do roubo de cargas no Brasil, mas a apreensão mesma da configuração do mercado de cargas roubadas tal qual este se estruturou no país a partir do início da década de noventa.
Essa questão central expressa, sobremaneira, a perspectiva epistemológica subjacente ao projeto da chamada “sociologia relacional”. A sua tradução concreta é a superação da tentativa de impor, a priori, uma estrutura à realidade e aos atores. Assim, tomando o mercado de cargas roubadas (e o “sistema” maior que o engloba que é o do “roubo de cargas”) como uma configuração social que é tanto resultado previsível de ações deliberadas de atores quanto o resultado não-previsto de ações realizadas por atores que, embora tenham competência para articular discursivamente uma resposta a respeito de porque fazem o que fazem, não têm nunca o controle do resultado de tais ações.
E essas ações dizem respeito não a atributos (elementos que antecipadamente definiriam tais atores), mas a resultados das suas interações. Interações que também não são realizadas por unidades atomizadas, mas por atores situados em redes sociais mais ou menos flexíveis. Esse tipo de apreensão aponta para uma outra questão que funcionará como um complemento daquela anunciada mais acima como central. Refiro-me à natureza dessas redes. Entender como esse mercado se configura e os elementos que o instituem deve necessariamente ser complementado por interrogações também sobre as redes que o atravessam e as posições dos atores dentro delas. Qual o padrão de estruturação das mesmas? São marcadamente hierárquicas ou se articulam de forma precária e flexível tendo como suporte os recursos à violência física (assassinatos, intimidações, seqüestros) para, nas situações limites, garantir a execução dos contratos?
Finalmente, questionar sobre o que é, como se configura e o que constitui o mercado do roubo de cargas implica em aposta numa perspectiva analítica distinta daquela que têm sido normalmente seguida por alguns dos mais importantes pesquisadores da violência no Brasil. Assim, trata-se de procurar cá no chão social tido como formal as bases e os elementos que dão forma e legitimidade àquelas ações e transações econômicas tidas como submersas.
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Casamento e mercado
Ainda no terreno da sociologia do mercado, sugiro a leitura do texto Finding the Strength to Surrender Marriage, Market Theocracy and the Spirit of America, de autoria de Linda Kintz. Acesse o artigo aqui.
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O campo do sexo
A sociologia de Pierre Bourdieu, uma importante ferramenta para a desnaturalização das relações de dominação, potencializa também enormes ganhos heurísticos quando aplicada a apreensão das relações de mercado. Penso, em especial, na constituição de mercados singulares, como é o caso do mercado de serviços e produtos sexuais. Em um artigo recente, o professor canadense Adam Isaiah Green mobiliza o conceito de campo para uma interessante apreensão de uma das dimensões do mercado de serviços e produtos sexuais. Intitulado "The Social Organization of Desire: The Sexual Fields Approach", o artigo pode ser acessado aqui.
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quarta-feira, 24 de dezembro de 2008
Por que não Powaqqatsi?
Se postei algo sobre os outros dois filmes componentes da trilogia, por que não postar algo sobre Powaqqatsi? Ficou meio estranho, não? Problema solucionado. Veja abaixo o triler do filme. Assista e viaje em paz!
Naqoyqatsi
Mais abaixo, postei algo sobre um dos filmes da trilogia qatsi, o Koyaanisqatsi (o segudno é Powaqqatsi). Agora, apresento abaixo um clipe de Naqoyqatsi.
Koyaanisqatsi
Assisti Koyaanisqatsi em Porto Alegre, em uma sessão de cinema que começava a meia noite, no Cine ABC (acho que não existe mais). Essas sessões eram fantásticas: a gente ficava vagabundeando pelo "baixo", entre um bar e outro, e depois ia ao cinema. A sessão terminava aí pelas duas da manhã e a gente continuava a ronda. Não sei bem o porquê, mas ao postar as imagens de satélites do post anterior, veio-me à mente esse filme e a vida em Porto Alegre no final dos anos oitenta.
Imagens da terra em 2008.
O STF e a ressocialização
Na Folha de São Paulo de hoje, você pode ler uma importante entrevista do Presidente do STF, Gilmar Mendes, abordando o tema da ressocialização de ex-dententos.
ENTREVISTA
GILMAR MENDES
Justiça e sociedade devem agir para reintegrar presos
Presidente do STF anuncia campanha nacional por ressocialização e diz que órgão vai contratar 40 ex-detentos como motoristas
A RESSOCIALIZAÇÃO de ex-detentos será uma das metas do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para o próximo ano. Mutirões organizados pela entidade em quatro Estados resultaram na soltura de cerca de mil pessoas que continuavam detidas irregularmente. Para o presidente do conselho e do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Gilmar Mendes, o objetivo é envolver a sociedade. A partir de janeiro, 40 egressos do sistema carcerário trabalharão como motoristas da corte máxima da Justiça por cerca de R$ 500 por mês. "Estamos dando o sinal de que é possível fazer algo."
(...)
ASSINANTE UOL LÊ A METÉRIA COMPLETA AQUI.
ENTREVISTA
GILMAR MENDES
Justiça e sociedade devem agir para reintegrar presos
Presidente do STF anuncia campanha nacional por ressocialização e diz que órgão vai contratar 40 ex-detentos como motoristas
A RESSOCIALIZAÇÃO de ex-detentos será uma das metas do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para o próximo ano. Mutirões organizados pela entidade em quatro Estados resultaram na soltura de cerca de mil pessoas que continuavam detidas irregularmente. Para o presidente do conselho e do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Gilmar Mendes, o objetivo é envolver a sociedade. A partir de janeiro, 40 egressos do sistema carcerário trabalharão como motoristas da corte máxima da Justiça por cerca de R$ 500 por mês. "Estamos dando o sinal de que é possível fazer algo."
(...)
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2010: a armação do jogo
Este blog é construído (mania de sociólogo essa de "construção", não? Deixa prá lá...) enquanto trabalho na minha sala na UFRN. No geral, é assim: estou fazendo três coisas e lendo jornais e aí pego algo e transcrevo. Outras vezes, especialmente quando estou mais tranqüilo, coloco meus demônios prá fora e cometo meus escritos. Bueno, isso tudo é para justificar as minhas transcrições. Como a que faço neste post. Trata-se de artigo do jornalista Luiz Weiss, alguém que merece ser lido e analisado, publicado no jornal O Estado de São Paulo de hoje. O tema é a armação do jogo para a sucessão presidencial de 2010.
Conto-do-vigário na sucessão
Luiz Weis
A sucessão de 2010 começou cedo e começou mal. Cedo porque o horizonte de incerteza econômica levou o presidente Lula a pôr desde logo na avenida o bloco da candidatura Dilma Rousseff. Já não bastasse o fato de a ministra continuar desconhecida para quase a metade dos brasileiros, apesar da profusão de holofotes voltados para a sua figura, Lula não iria correr o risco de descortinar a sua campanha quando (ou se) o desemprego tiver se instalado nas manchetes - do primeiro trimestre de 2009 em diante, ao que se calcula.
Se não se instalar, sinal de que o temido contágio do colapso financeiro internacional se limitou a uma "gripe pequenininha", como prevê a ministra, tanto melhor para a operação Dilma-10: ela terá ganho tempo extra para corrigir os eventuais erros de implantação de um nome sem passagem prévia pelas urnas. O público, porém, tem mais com que se preocupar que com uma eleição a 22 meses de distância. E só lhe resta torcer para que a imersão do presidente na montagem do suporte político da candidata não embace sua concentração na crise.
Agora, a sucessão começou mal porque o PT armou um conto-do-vigário, querendo atar a eleição a uma cruzada contra o neoliberalismo. A deixa partiu do secretário nacional de Comunicação do PT, Gleber Naime, numa reunião de dirigentes partidários. "A crise tem pai e mãe", proclamou. "Ela é uma crise do modelo neoliberal, daqueles que no Brasil defenderam as idéias de desregulamentação do Estado, ou seja, o PSDB e o DEM. E esse debate o PT vai fazer. Os neoliberais perderam."
Seguiu-se, dias depois, a própria Dilma. "Nossa visão de Estado não é neoliberal. Somos governo com responsabilidade fiscal, mas também social", discursou ela para uma platéia de prefeitos petistas. "A diferença (em relação ao passado) é radical", emendou. É inconcebível que ela não saiba, antes de tudo, que o governo Fernando Henrique foi privatista, mas não neoliberal. Se fosse, o sistema financeiro nacional estaria tão desregulamentado como o dos EUA e, como este, em frangalhos.
Além disso, no atual governo, desde a hora zero, a ex-ministra de Minas e Energia não precisa que ninguém lhe ensine que Lula encampou a política econômica do antecessor, embora a desancasse como "herança maldita". Não só a encampou, mas soube tocá-la com uma competência que seus adversários, não fosse a baixaria da política, poderiam fazer a fineza de admitir, em nome da verdade. A mesma competência, por sinal, com que levou adiante o Bolsa-Família.
Este descende em linha direta dos vários programas de transferência de renda iniciados no segundo mandato de FHC, especialmente o Bolsa-Escola - cujos ancestrais, por sua vez, foram uma administração tucana (a do prefeito de Campinas já falecido José Roberto Magalhães Teixeira) e outra, petista (a do governador do Distrito Federal Cristovam Buarque).
O petismo fabrica uma diferença - "radical", ainda por cima - em relação ao PSDB para esconder as semelhanças recíprocas, para o bem e para o mal, que não tem como admitir de cara limpa. Até o primeiro caso documentado de mensalão é obra tucana (na campanha do atual senador Eduardo Azeredo ao governo de Minas em 1998).
Por último, falar em neoliberalismo no Brasil numa hora destas é de um anacronismo atroz. Qualquer que tenha sido seu apelo na década passada, hoje deve ter tantos adeptos quanto os da restauração da monarquia. E o provável adversário de Dilma, o ex-ministro e governador paulista José Serra, nunca deu nem sequer uma piscadela para a ideologia do absolutismo do mercado.
Está na cara a intenção de escamotear a inconveniente verdade da convergência de posições entre o PT - pelo menos o PT da Carta aos Brasileiros, de 2002 em diante - e o PSDB, no que toca aos problemas de fundo do País. O próprio Fernando Henrique, que também diz uma coisa para fora e outra para dentro, já deixou escapar que a disputa entre as duas legendas é puramente política.
Trata-se, pois, de uma disputa pelo poder, velha como as montanhas, entre confederações rivais de interesses cristalizados que compõem os respectivos partidos ou se exprimem por seu intermédio. Essa convergência básica não é uma jabuticaba - dá em qualquer democracia estável. Nelas, o tempo destila na sociedade e nos principais partidos um consenso sobre o núcleo essencial das políticas de Estado.
As divergências não se evaporam; ao contrário, tendem a se intensificar - mas na periferia das grandes questões em jogo. Nos EUA, por exemplo, o consenso em torno do New Deal de Roosevelt durou cinco décadas, dos anos 1930 até a contra-revolução conservadora inaugurada com a eleição de Ronald Reagan. Na Grã-Bretanha, o consenso em favor do Welfare State, a partir do primeiro governo trabalhista do pós-guerra, só se desfez com o advento do thatcherismo, em 1979.
Quando Dilma e Serra (ou, vá lá, Aécio Neves) enfim disserem a que vêm, ver-se-á que, removida a retórica, ambos estarão propondo, ao fim e ao cabo, o mesmo - desenvolvimento com justiça social, a ideologia brasileira por excelência desde a Revolução de 1930 (à parte as discordâncias posteriores sobre o papel do Estado como produtor de bens e provedor direto de serviços).
O resto - embora não seja pouco nem descartável - é questão de métodos. Métodos de construir maiorias parlamentares, métodos de ocupar e conduzir o Estado, métodos de conquistar popularidade, métodos de fazer política externa. Sem Lula a ofuscar as coisas com a sua exacerbada oralidade e seu inigualável carisma, isso ficará patente no próximo período de governo, com Dilma ou Serra.
Quantas vezes, enfim, será preciso repetir que, para os historiadores do futuro, a continuidade dará a marca do ciclo iniciado com a eleição de FHC e só terminará no dia ainda distante em que o Planalto não hospedar nem petistas nem tucanos?
Luiz Weis é jornalista
Conto-do-vigário na sucessão
Luiz Weis
A sucessão de 2010 começou cedo e começou mal. Cedo porque o horizonte de incerteza econômica levou o presidente Lula a pôr desde logo na avenida o bloco da candidatura Dilma Rousseff. Já não bastasse o fato de a ministra continuar desconhecida para quase a metade dos brasileiros, apesar da profusão de holofotes voltados para a sua figura, Lula não iria correr o risco de descortinar a sua campanha quando (ou se) o desemprego tiver se instalado nas manchetes - do primeiro trimestre de 2009 em diante, ao que se calcula.
Se não se instalar, sinal de que o temido contágio do colapso financeiro internacional se limitou a uma "gripe pequenininha", como prevê a ministra, tanto melhor para a operação Dilma-10: ela terá ganho tempo extra para corrigir os eventuais erros de implantação de um nome sem passagem prévia pelas urnas. O público, porém, tem mais com que se preocupar que com uma eleição a 22 meses de distância. E só lhe resta torcer para que a imersão do presidente na montagem do suporte político da candidata não embace sua concentração na crise.
Agora, a sucessão começou mal porque o PT armou um conto-do-vigário, querendo atar a eleição a uma cruzada contra o neoliberalismo. A deixa partiu do secretário nacional de Comunicação do PT, Gleber Naime, numa reunião de dirigentes partidários. "A crise tem pai e mãe", proclamou. "Ela é uma crise do modelo neoliberal, daqueles que no Brasil defenderam as idéias de desregulamentação do Estado, ou seja, o PSDB e o DEM. E esse debate o PT vai fazer. Os neoliberais perderam."
Seguiu-se, dias depois, a própria Dilma. "Nossa visão de Estado não é neoliberal. Somos governo com responsabilidade fiscal, mas também social", discursou ela para uma platéia de prefeitos petistas. "A diferença (em relação ao passado) é radical", emendou. É inconcebível que ela não saiba, antes de tudo, que o governo Fernando Henrique foi privatista, mas não neoliberal. Se fosse, o sistema financeiro nacional estaria tão desregulamentado como o dos EUA e, como este, em frangalhos.
Além disso, no atual governo, desde a hora zero, a ex-ministra de Minas e Energia não precisa que ninguém lhe ensine que Lula encampou a política econômica do antecessor, embora a desancasse como "herança maldita". Não só a encampou, mas soube tocá-la com uma competência que seus adversários, não fosse a baixaria da política, poderiam fazer a fineza de admitir, em nome da verdade. A mesma competência, por sinal, com que levou adiante o Bolsa-Família.
Este descende em linha direta dos vários programas de transferência de renda iniciados no segundo mandato de FHC, especialmente o Bolsa-Escola - cujos ancestrais, por sua vez, foram uma administração tucana (a do prefeito de Campinas já falecido José Roberto Magalhães Teixeira) e outra, petista (a do governador do Distrito Federal Cristovam Buarque).
O petismo fabrica uma diferença - "radical", ainda por cima - em relação ao PSDB para esconder as semelhanças recíprocas, para o bem e para o mal, que não tem como admitir de cara limpa. Até o primeiro caso documentado de mensalão é obra tucana (na campanha do atual senador Eduardo Azeredo ao governo de Minas em 1998).
Por último, falar em neoliberalismo no Brasil numa hora destas é de um anacronismo atroz. Qualquer que tenha sido seu apelo na década passada, hoje deve ter tantos adeptos quanto os da restauração da monarquia. E o provável adversário de Dilma, o ex-ministro e governador paulista José Serra, nunca deu nem sequer uma piscadela para a ideologia do absolutismo do mercado.
Está na cara a intenção de escamotear a inconveniente verdade da convergência de posições entre o PT - pelo menos o PT da Carta aos Brasileiros, de 2002 em diante - e o PSDB, no que toca aos problemas de fundo do País. O próprio Fernando Henrique, que também diz uma coisa para fora e outra para dentro, já deixou escapar que a disputa entre as duas legendas é puramente política.
Trata-se, pois, de uma disputa pelo poder, velha como as montanhas, entre confederações rivais de interesses cristalizados que compõem os respectivos partidos ou se exprimem por seu intermédio. Essa convergência básica não é uma jabuticaba - dá em qualquer democracia estável. Nelas, o tempo destila na sociedade e nos principais partidos um consenso sobre o núcleo essencial das políticas de Estado.
As divergências não se evaporam; ao contrário, tendem a se intensificar - mas na periferia das grandes questões em jogo. Nos EUA, por exemplo, o consenso em torno do New Deal de Roosevelt durou cinco décadas, dos anos 1930 até a contra-revolução conservadora inaugurada com a eleição de Ronald Reagan. Na Grã-Bretanha, o consenso em favor do Welfare State, a partir do primeiro governo trabalhista do pós-guerra, só se desfez com o advento do thatcherismo, em 1979.
Quando Dilma e Serra (ou, vá lá, Aécio Neves) enfim disserem a que vêm, ver-se-á que, removida a retórica, ambos estarão propondo, ao fim e ao cabo, o mesmo - desenvolvimento com justiça social, a ideologia brasileira por excelência desde a Revolução de 1930 (à parte as discordâncias posteriores sobre o papel do Estado como produtor de bens e provedor direto de serviços).
O resto - embora não seja pouco nem descartável - é questão de métodos. Métodos de construir maiorias parlamentares, métodos de ocupar e conduzir o Estado, métodos de conquistar popularidade, métodos de fazer política externa. Sem Lula a ofuscar as coisas com a sua exacerbada oralidade e seu inigualável carisma, isso ficará patente no próximo período de governo, com Dilma ou Serra.
Quantas vezes, enfim, será preciso repetir que, para os historiadores do futuro, a continuidade dará a marca do ciclo iniciado com a eleição de FHC e só terminará no dia ainda distante em que o Planalto não hospedar nem petistas nem tucanos?
Luiz Weis é jornalista
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terça-feira, 23 de dezembro de 2008
"Querem destruir a Polícia Federal"
A frase do título desta postagem é do ex-ministro Márcio Thomaz Bastos e foi dita em entrevista concedida ao jornalista Bob Fernandes. Transcrevo a entrevista abaixo. Caso queira, acesse direto o blog do Bob aqui.
Thomaz Bastos: "Querem destruir a Polícia Federal"
Bob Fernandes
Noite de 22 de dezembro de 1988. Dezenas e dezenas de milhões de brasileiros de olhos grudados na telas de televisão.
Tensão, ansiedade, expectativa. Aquela era uma morte anunciada por meses e meses, país afora se intuía, inevitável o assassinato ao final daquela história. O crime foi cometido e, na ante-véspera do Natal, o Brasil parou em busca da resposta:
- Quem matou Odete Roitmann?
Leia também:
» Opine aqui sobre os vinte anos da morte de Chico Mendes
» Darly Alves: "Chico Mendes foi um mártir e eu também"
» Em carta, filha de Chico Mendes diz: "Você tentava dizer algo..."
Odete, a malvadona vivida por Beatriz Seggal na novela Vale Tudo. Mais malvada - mas há controvérsias - que a Flora interpretada por Patrícia Pillar em A Favorita neste 2008.
Naquela noite em que o Brasil parou para descobrir o assassino de Odete Roitmann, nos confins da Amazônia morria, assassinado, um homem até então desconhecido.
Sua morte, como a de Odete, era mais do que anunciada. Disto se sabia na longeva Xapuri, disto sabiam os poucos que conheciam a luta que se travava nos seringais do Acre.
Mesmo jornalistas, sempre ciosos do saber tudo, só descobriram o personagem e sua dimensão quando ele já estava morto. Alguns, poucos, tentaram evitar a morte anunciada. Não conseguiram. Jornais, revistas, a televisão, não tinham espaço e tempo para um ilustre desconhecido.
Disto bem sabe o repórter Edílson Martins, que em vão tentou contar no Jornal do Brasil a história do homem marcado para morrer.
E foi assim, cercados por uma cortina de silêncio da mídia - que naquele tempo só se chamava "imprensa" - que pai e filho, Darly e Darci Alves da Silva, assassinaram Chico Mendes.
Darly e Darci, dois pobre-diabos que enchiam a boca ao se apresentar como "fazendeiros".
Dois anos depois, em 1990, a atenção do mundo se voltava para Xapuri. Darly e Darci estavam, em tempo recorde, no banco dos réus.
Na acusação, apenas formalmente como Assistente, o criminalista Márcio Thomaz Bastos, a quem Terra Magazine ouve hoje, há exatos 20 anos do assassinato. Atuação impecável, Thomaz Bastos arrancou a condenação de Darly e Darci em julgamento célebre, que recorda na entrevista que se segue:
- Inesquecível. Aquele é um dos raros momentos na vida em que alguém... Em que eu me senti falando em nome de todos, me senti falando em nome da humanidade.
Em seu escritório à Avenida Faria Lima, São Paulo, enquanto regressa ao passado, ao assassinato e à condenação, enquanto, certamente, perscruta os seus 73 anos, Márcio Thomaz Bastos torna concreto o que viveu em Xapuri:
- ...Ficou claro, e nem sempre assim, é muito difícil ter isso tão claro, que tínhamos ali um embate do Bem contra o Mal...
Também hoje, em trabalho do blogueiro da Amazônia de Terra Magazine, Altino Machado, os internautas podem ver, ler e ouvir a versão da história contada pelo assassino, Darly Alves da Silva.
No julgamento dos assassinos, em Xapuri, a imprensa buscou se purgar. E, para tanto, mentiu muito. Criou um mundo que não existia, não existiu.
No verão de 1990, para saciar a sede de justiça do mundo e, talvez, sua inoperância pregressa, jornais, revistas, rádios e televisões levaram a Xapuri mais de "5 mil pessoas". Tal multidão existiu apenas nas manchetes. Lá não estiveram mais de 300 manifestantes, além de centenas de jornalistas.
Inesquecível, pelos piores motivos, as cenas de filhos de Chico Mendes: Sandino, 4 anos de idade, e Elenira, 6 anos, a desfilar pela ruas de Xapuri com a foto do pai morto pregado em um cartaz, ou a posar ao lado de seu túmulo.
O fizeram, o faziam, a mando de fotógrafos, cinegrafistas, repórteres. A mídia que se calara até o assassinato, por desconhecimento ou desinteresse, para incensar manchetes durante o julgamento pagava picolés aos filhos do líder morto.
Duas décadas depois Márcio Tomaz Bastos faz um outro balanço, o da Justiça no Brasil:
- Xapuri foi só uma ilusão. O Judiciário não funciona como deveria. É lento, ineficaz, o Brasil tem um sistema, um Judiciário que fala para si mesmo, que não está em conexão com o mundo exterior, com a sociedade, que é, em uma palavra, solipsista... O judiciário não funciona adequadamente.
Quando Darly e Darci foram condenados, Thomaz Bastos imaginou que ali "se quebrava um paradigma". Ilusão, como ele mesmo agora constata.
Márcio Thomaz Bastos foi por cinco anos, como se sabe, ministro da Justiça do governo Lula. Entre seus grandes êxitos, a construção de uma Polícia Federal objeto de admiração e respeito. Na tarefa, e no comando da Polícia Federal, o delegado Paulo Lacerda.
O mesmo Paulo Lacerda ilhado e atacado por adversários de fora e de dentro do governo nestes dias de 2008.
De dentro, por aqueles que temem o passado e o futuro, ou apenas o invejam e jogam o jogo.
De fora do governo, pelos milhares que foram para a cadeia em operações da PF, pelos que temem uma Polícia Federal forte e eficaz e, mais do que nunca, por uma diminuta mas barulhenta corte de rábulas & Associados.
Atacado não pelos milhares de advogados do Brasil, mas por facções daquela parcela que vive dos milhõe$ e milhõe$ de quem sempre tungou cofres públicos. Tungou, tungavam, até então sem problemas.
A PF de Thomaz Bastos ganhou recursos, deixou de depender de esmolas de DEA e CIA para operar, fechou as portas para a palpitologia ilegal do FBI.
Para quem imagina que se pode recortar a história e, assim, monitorá-la, um lembrete: o Márcio Thomaz Bastos que arrancou a condenação dos assassinos de Chico Mendes é o mesmo que esteve à frente do ministério da Justiça quando a Polícia Federal se tornou objeto de respeito e admiração.
A mesma Polícia Federal que, duas décadas antes, não apenas não conseguiu impedir o assassinato de Chico Mendes como por ele mesmo era acusada de integrar "um complô" para matá-lo.
Sobre a Polícia Federal de hoje, a do pré e pós Satiagraha, Márcio Thomaz Bastos alerta:
- ...Em alguns casos há uma clara tentativa de se atacar, de se destruir a Polícia Federal...
A propósito, quanto ao passado - mas sem que se descure do presente- vale destacar o fator que Márcio Thomaz Bastos considera vital, aquele que nascido na Europa e nos Estados Unidos no rastro do assassinato de Chico Mendes, chegou ao Brasil como um vagalhão e levou à condenação de Darly e Darci:
- ...Então o que se levantou foi uma autoridade moral...
Terra Magazine - Há 20 anos morria Chico Mendes e há 18 o senhor era assistente de acusação, mas conduzia a acusação na prática, contra os assassinos de Chico, Darly e Darci Alves da Silva. Passado tanto tempo...
Márcio Thomaz Bastos - Inesquecível. Aquele é um dos raros momentos na vida em que alguém... Em que eu me senti falando em nome de todos, me senti falando em nome da humanidade. É uma sensação impressionante, e inesquecível. O ambiente, as pessoas, tudo...
O ambiente, a Amazônia?
Isso. Você de repente fala por todos. Defender a memória do Chico, acusar os que o mataram, era falar pela Amazônia, falar em nome da humanidade. Ali nós tivemos claramente a explicitação do que era o bem e do que era o mal.
E quanto ao resultado, do ponto de vista jurídico?
A condenação, que se deu em tempo recorde, dois anos depois do crime, ocorreu por vários fatores. Um deles é que somos ainda um país de colonizados, então foi muito importante ali a pressão internacional, o protesto do mundo todo, que criou o ambiente, a pressão pelo julgamento rápido. Aquele julgamento criou, ou imaginávamos estar criando, um novo paradigma, o de uma justiça eficiente, rápida...
Foi só uma ilusão?
Foi só uma ilusão. O Judiciário não funciona como deveria. É lento, ineficaz, o Brasil tem um sistema, um Judiciário que fala para si mesmo, que não está em conexão com o mundo exterior, com a sociedade, que é, em uma palavra, solipsista. Um ano depois do julgamento, me lembro, escrevi um artigo para a Folha de S.Paulo...
Já sem ilusões?
Já sem ilusões, já tínhamos voltado a ser o que sempre fomos. A mesma lentidão, o mesmo sistema penitenciário, as mesmas cadeias lotadas, as mesmas injustiças...
E o senhor imaginava uma quebra de paradigma...
Encaminhamos modificações durante minha passagem pelo Ministério da Justiça, defendemos uma ampla reforma do Judiciário. Já há uma maior celeridade... Acho, cada vez mais, que o Conselho Nacional de Justiça deve ter um papel muito importante nesse cenário. Outro dia participei de um julgamento e está claro para mim que já há modificações importantes, já há condições para maior celeridade, mas nem por isso podemos deixar de dizer que o Judiciário, como um todo, não funciona adequadamente.
A propósito, passados 20 anos, temos o Supremo nessa questão em pauta já há meio ano, a "Operação Satiagraha"...
Olha, quanto ao Supremo, esse Supremo, o de hoje, está mais próximo das ruas, mais do que nunca esteve...
Mas não lhe parece que está nas ruas mas ainda de toga? Não há um descompasso muito grande entre o que o Supremo escuta, percebe, e o país real? Não estamos aqui, claro, a sugerir que o Supremo atenda a "clamores populares", mas não lhe parece às vezes que eles estão ainda distantes, isolados, presos às suas vaidades, sem perceber o que de verdade pulsa no país real?
Eu diria que, em tese, você tem razão, mas, para o bem e para o mal, hoje ele está mais voltado para o povo de carne-e-osso, para a Nação real.
A propósito de teses, há outras na praça; haveria uma "fascistização" em curso, embalada por um "estado policialesco"... Proponho uma outra tese: a hipotética "fascistização" não nasceria, antes de qualquer coisa, numa sociedade que aceita a impunidade? Que não consegue levar ao fim os julgamentos contra quem tem poder, dinheiro? Que vê se arrastar por anos, décadas, até a prescrição, os processos contra quem tem grana?
A propósito dessa tese basta lembrar das nossas raízes e costumes ibéricos, voltarmos a Raimundo Faoro e o país patrimonialista exposto em Os donos do Poder (Nota da Redação: um clássico da sociologia, publicado em 1958), ou em Raízes do Brasil, por Sérgio Buarque de Holanda (NR: outra leitura clássica sobre o Brasil, esta de 1936).
Quanto às teses em curso...
Outro dia li, alguém disse, algo em latim, algo sobre o "abuso não deve impedir o uso". Ou seja, se há excessos, incorreções eventuais, que isso seja corrigido, que as corregedorias funcionem de verdade, não como meros instrumentos com outros fins, mas o que não se pode fazer é buscar destruir as instituições só porque agora elas funcionam um pouco melhor e, cumprindo seu papel, passaram a incomodar quem antes se sentia confortável.
Se bem entendi o senhor está falando da Polícia Federal?
Também. Em alguns casos há uma clara tentativa de se atacar, de se destruir a Polícia Federal.
... Tentativa de quem um dia foi preso, de quem teme ser preso um dia, de quem teme uma polícia séria, forte, eficaz. Tentativa de uma certa porção do establishment...
... Certamente. Mas eu tenho certeza de que não conseguirão. Tenho muito orgulho do trabalho que fizemos, que fez minha equipe, na recuperação da Polícia Federal, da sua imagem, das suas ações...
Uma polícia que até então tinha que usar verbas da DEA (NR: Drug Enforcement Administration) para operar, que tinha um de seus braços, à época chamava-se SOIP, construído com verbas do Departamento de Estado dos EUA - leia-se CIA -, assim como o mesmo departamento de Estado havia "doado" automóveis para o tal SOIP, não sei como se chama hoje...
Pois é, mas tudo isso foi modificado, reformulado, a polícia foi reaparelhada, ganhou autonomia, nossa polícia hoje se parece muito, tem a eficácia (risos) dos "feds" (NR: os policiais federais dos EUA)...e eu tenho a convicção de que ela continuará sendo eficiente. Estão tentando, mas não vão conseguir destruí-la.
Voltemos a Chico Mendes e às metáforas correlatas, estas que ligam os dois tempos, aquele e o de hoje. Você lembra que lá em Xapuri, no Acre, onde estávamos no julgamento, rádios, televisões, jornais, diziam, repetiam, que lá estavam "5 mil pessoas acompanhando o julgamento"... e que, na verdade, não estavam ali mais do que 300 pessoas que não fossem de Xapuri?
Me lembro, perfeitamente. Foi isso mesmo.
Lembra? Manchetes e mais manchetes. À época escrevi algo sobre isso, "Holofotes na Selva", sobre "as 5 mil pessoas" que na verdade nunca lá estiveram.
Me lembro, falava-se muito nesse número e de fato isso nunca existiu.
Isso não diz muito sobre o que era, como funcionava, funciona a mídia?
De fato... Mas ali era o mundo que queria falar, queria punir os criminosos, era o Bem contra o Mal. Daí os exageros. Naquele caso, a mídia captou o sentimento geral, aquela vontade de justiça que estava no ar.
E o senhor soube que, à época, fotógrafos, cinegrafistas, jornalistas, davam dinheiro ao filho pequeno (NR: Sandino, aos 4 anos) de Chico Mendes para que ele posasse ao lado do túmulo do pai? E que pagavam picolés à filha, também pequena (NR: Elenira, então com 6 anos, que hoje, já adulta, escreveu para o Blog da Amazônia e Terra Magazine uma carta em memória ao pai, Chico Mendes), para que desfilasse nas ruas de Xapuri com um cartaz com a foto do pai? Desta forma garantiam as manchetes, as fotos, as capas da noite ou do dia seguinte. O senhor chegou a ver ou saber disso?
Não, disso eu não soube... Eu estava muito isolado, concentrado na acusação, como você deve se lembrar. Quase não fui às ruas, não acompanhei essa movimentação externa ao julgamento. Vi, sabia que não estavam lá 5 mil pessoas, mas não soube disso.
Ali tínhamos um poder: o dos fazendeiros, grileiros, que era um poder grande lá em Xapuri, no Acre, mas que era um poderzinho, um poder menor diante da gigantesca força moral que se levantou com o assassinato do Chico Mendes...
Exatamente. Então o que se levantou foi uma autoridade moral que veio com muita força do exterior, que levou todo o mundo do trabalho no Brasil a Xapuri. Me lembro claramente do Lula chegando a Xapuri, da Marina Silva, do Jair Meneguelli, que era presidente da CUT...
Voltando às metáforas. Chico Mendes morreu na noite de 22 de dezembro. O Brasil não o conhecia. Ele era um absoluto desconhecido e naquela noite...
Eu não conhecia o Chico. Tinha ouvido falar, mas não o conhecia, não tinha dimensão da sua luta. E sua luta pela Amazônia, pelos seringueiros, também não tinha toda aquela dimensão, repercussão, antes da sua morte. O Lula conhecia o Chico, sabia disso tudo, mas eu, não.
Nem os jornalistas conheciam. Teve repórter (NR: Edílson Martins) que tentou, sem conseguir, emplacar matéria no Jornal do Brasil sobre a morte próxima, anunciada, de um líder dos seringueiros, o Chico Mendes. Aliás, na noite em que o Chico morreu, o Brasil todo estava parado, assistindo, debatendo excitado um outro assassinato. Naquela noite o Brasil parou para saber, na novela das 8, quem havia matado Odete Roittman (NR: Beatriz Segall, em personagem hiper malvada da novela Vale Tudo).
Eu não sabia disso.
O que ficou na sua memória, passados 20 anos do assassinato e 18 do julgamento?
Aquela sensação de que enquanto acusava os assassinos do Chico Mendes, eu falava em nome da humanidade. Ali ficou claro, e nem sempre é assim, é muito difícil ter isso tão claro, que tínhamos um embate do Bem contra o Mal. Ficou também a impressão de que tínhamos quebrado um paradigma, o da injustiça permanente, do Judiciário que não funciona, que é fechado em si mesmo. Mas, apesar dos avanços que também são evidentes, vejo que foi só uma ilusão.
Apesar disso, são essas lutas que dão sentido concreto à História. Todos esses fatos se acumulam no tempo, esses valores pelos quais lutamos vão sedimentando uma cultura, vão formando e inspirando outras mentes.
Em algum momento, as mudanças se precipitam e a realidade se transforma, embora de maneira mais lenta do que gostaríamos. De modo que, passados 20 anos, Chico Mendes continua sendo uma inspiração e uma presença para todos nós.
Thomaz Bastos: "Querem destruir a Polícia Federal"
Bob Fernandes
Noite de 22 de dezembro de 1988. Dezenas e dezenas de milhões de brasileiros de olhos grudados na telas de televisão.
Tensão, ansiedade, expectativa. Aquela era uma morte anunciada por meses e meses, país afora se intuía, inevitável o assassinato ao final daquela história. O crime foi cometido e, na ante-véspera do Natal, o Brasil parou em busca da resposta:
- Quem matou Odete Roitmann?
Leia também:
» Opine aqui sobre os vinte anos da morte de Chico Mendes
» Darly Alves: "Chico Mendes foi um mártir e eu também"
» Em carta, filha de Chico Mendes diz: "Você tentava dizer algo..."
Odete, a malvadona vivida por Beatriz Seggal na novela Vale Tudo. Mais malvada - mas há controvérsias - que a Flora interpretada por Patrícia Pillar em A Favorita neste 2008.
Naquela noite em que o Brasil parou para descobrir o assassino de Odete Roitmann, nos confins da Amazônia morria, assassinado, um homem até então desconhecido.
Sua morte, como a de Odete, era mais do que anunciada. Disto se sabia na longeva Xapuri, disto sabiam os poucos que conheciam a luta que se travava nos seringais do Acre.
Mesmo jornalistas, sempre ciosos do saber tudo, só descobriram o personagem e sua dimensão quando ele já estava morto. Alguns, poucos, tentaram evitar a morte anunciada. Não conseguiram. Jornais, revistas, a televisão, não tinham espaço e tempo para um ilustre desconhecido.
Disto bem sabe o repórter Edílson Martins, que em vão tentou contar no Jornal do Brasil a história do homem marcado para morrer.
E foi assim, cercados por uma cortina de silêncio da mídia - que naquele tempo só se chamava "imprensa" - que pai e filho, Darly e Darci Alves da Silva, assassinaram Chico Mendes.
Darly e Darci, dois pobre-diabos que enchiam a boca ao se apresentar como "fazendeiros".
Dois anos depois, em 1990, a atenção do mundo se voltava para Xapuri. Darly e Darci estavam, em tempo recorde, no banco dos réus.
Na acusação, apenas formalmente como Assistente, o criminalista Márcio Thomaz Bastos, a quem Terra Magazine ouve hoje, há exatos 20 anos do assassinato. Atuação impecável, Thomaz Bastos arrancou a condenação de Darly e Darci em julgamento célebre, que recorda na entrevista que se segue:
- Inesquecível. Aquele é um dos raros momentos na vida em que alguém... Em que eu me senti falando em nome de todos, me senti falando em nome da humanidade.
Em seu escritório à Avenida Faria Lima, São Paulo, enquanto regressa ao passado, ao assassinato e à condenação, enquanto, certamente, perscruta os seus 73 anos, Márcio Thomaz Bastos torna concreto o que viveu em Xapuri:
- ...Ficou claro, e nem sempre assim, é muito difícil ter isso tão claro, que tínhamos ali um embate do Bem contra o Mal...
Também hoje, em trabalho do blogueiro da Amazônia de Terra Magazine, Altino Machado, os internautas podem ver, ler e ouvir a versão da história contada pelo assassino, Darly Alves da Silva.
No julgamento dos assassinos, em Xapuri, a imprensa buscou se purgar. E, para tanto, mentiu muito. Criou um mundo que não existia, não existiu.
No verão de 1990, para saciar a sede de justiça do mundo e, talvez, sua inoperância pregressa, jornais, revistas, rádios e televisões levaram a Xapuri mais de "5 mil pessoas". Tal multidão existiu apenas nas manchetes. Lá não estiveram mais de 300 manifestantes, além de centenas de jornalistas.
Inesquecível, pelos piores motivos, as cenas de filhos de Chico Mendes: Sandino, 4 anos de idade, e Elenira, 6 anos, a desfilar pela ruas de Xapuri com a foto do pai morto pregado em um cartaz, ou a posar ao lado de seu túmulo.
O fizeram, o faziam, a mando de fotógrafos, cinegrafistas, repórteres. A mídia que se calara até o assassinato, por desconhecimento ou desinteresse, para incensar manchetes durante o julgamento pagava picolés aos filhos do líder morto.
Duas décadas depois Márcio Tomaz Bastos faz um outro balanço, o da Justiça no Brasil:
- Xapuri foi só uma ilusão. O Judiciário não funciona como deveria. É lento, ineficaz, o Brasil tem um sistema, um Judiciário que fala para si mesmo, que não está em conexão com o mundo exterior, com a sociedade, que é, em uma palavra, solipsista... O judiciário não funciona adequadamente.
Quando Darly e Darci foram condenados, Thomaz Bastos imaginou que ali "se quebrava um paradigma". Ilusão, como ele mesmo agora constata.
Márcio Thomaz Bastos foi por cinco anos, como se sabe, ministro da Justiça do governo Lula. Entre seus grandes êxitos, a construção de uma Polícia Federal objeto de admiração e respeito. Na tarefa, e no comando da Polícia Federal, o delegado Paulo Lacerda.
O mesmo Paulo Lacerda ilhado e atacado por adversários de fora e de dentro do governo nestes dias de 2008.
De dentro, por aqueles que temem o passado e o futuro, ou apenas o invejam e jogam o jogo.
De fora do governo, pelos milhares que foram para a cadeia em operações da PF, pelos que temem uma Polícia Federal forte e eficaz e, mais do que nunca, por uma diminuta mas barulhenta corte de rábulas & Associados.
Atacado não pelos milhares de advogados do Brasil, mas por facções daquela parcela que vive dos milhõe$ e milhõe$ de quem sempre tungou cofres públicos. Tungou, tungavam, até então sem problemas.
A PF de Thomaz Bastos ganhou recursos, deixou de depender de esmolas de DEA e CIA para operar, fechou as portas para a palpitologia ilegal do FBI.
Para quem imagina que se pode recortar a história e, assim, monitorá-la, um lembrete: o Márcio Thomaz Bastos que arrancou a condenação dos assassinos de Chico Mendes é o mesmo que esteve à frente do ministério da Justiça quando a Polícia Federal se tornou objeto de respeito e admiração.
A mesma Polícia Federal que, duas décadas antes, não apenas não conseguiu impedir o assassinato de Chico Mendes como por ele mesmo era acusada de integrar "um complô" para matá-lo.
Sobre a Polícia Federal de hoje, a do pré e pós Satiagraha, Márcio Thomaz Bastos alerta:
- ...Em alguns casos há uma clara tentativa de se atacar, de se destruir a Polícia Federal...
A propósito, quanto ao passado - mas sem que se descure do presente- vale destacar o fator que Márcio Thomaz Bastos considera vital, aquele que nascido na Europa e nos Estados Unidos no rastro do assassinato de Chico Mendes, chegou ao Brasil como um vagalhão e levou à condenação de Darly e Darci:
- ...Então o que se levantou foi uma autoridade moral...
Terra Magazine - Há 20 anos morria Chico Mendes e há 18 o senhor era assistente de acusação, mas conduzia a acusação na prática, contra os assassinos de Chico, Darly e Darci Alves da Silva. Passado tanto tempo...
Márcio Thomaz Bastos - Inesquecível. Aquele é um dos raros momentos na vida em que alguém... Em que eu me senti falando em nome de todos, me senti falando em nome da humanidade. É uma sensação impressionante, e inesquecível. O ambiente, as pessoas, tudo...
O ambiente, a Amazônia?
Isso. Você de repente fala por todos. Defender a memória do Chico, acusar os que o mataram, era falar pela Amazônia, falar em nome da humanidade. Ali nós tivemos claramente a explicitação do que era o bem e do que era o mal.
E quanto ao resultado, do ponto de vista jurídico?
A condenação, que se deu em tempo recorde, dois anos depois do crime, ocorreu por vários fatores. Um deles é que somos ainda um país de colonizados, então foi muito importante ali a pressão internacional, o protesto do mundo todo, que criou o ambiente, a pressão pelo julgamento rápido. Aquele julgamento criou, ou imaginávamos estar criando, um novo paradigma, o de uma justiça eficiente, rápida...
Foi só uma ilusão?
Foi só uma ilusão. O Judiciário não funciona como deveria. É lento, ineficaz, o Brasil tem um sistema, um Judiciário que fala para si mesmo, que não está em conexão com o mundo exterior, com a sociedade, que é, em uma palavra, solipsista. Um ano depois do julgamento, me lembro, escrevi um artigo para a Folha de S.Paulo...
Já sem ilusões?
Já sem ilusões, já tínhamos voltado a ser o que sempre fomos. A mesma lentidão, o mesmo sistema penitenciário, as mesmas cadeias lotadas, as mesmas injustiças...
E o senhor imaginava uma quebra de paradigma...
Encaminhamos modificações durante minha passagem pelo Ministério da Justiça, defendemos uma ampla reforma do Judiciário. Já há uma maior celeridade... Acho, cada vez mais, que o Conselho Nacional de Justiça deve ter um papel muito importante nesse cenário. Outro dia participei de um julgamento e está claro para mim que já há modificações importantes, já há condições para maior celeridade, mas nem por isso podemos deixar de dizer que o Judiciário, como um todo, não funciona adequadamente.
A propósito, passados 20 anos, temos o Supremo nessa questão em pauta já há meio ano, a "Operação Satiagraha"...
Olha, quanto ao Supremo, esse Supremo, o de hoje, está mais próximo das ruas, mais do que nunca esteve...
Mas não lhe parece que está nas ruas mas ainda de toga? Não há um descompasso muito grande entre o que o Supremo escuta, percebe, e o país real? Não estamos aqui, claro, a sugerir que o Supremo atenda a "clamores populares", mas não lhe parece às vezes que eles estão ainda distantes, isolados, presos às suas vaidades, sem perceber o que de verdade pulsa no país real?
Eu diria que, em tese, você tem razão, mas, para o bem e para o mal, hoje ele está mais voltado para o povo de carne-e-osso, para a Nação real.
A propósito de teses, há outras na praça; haveria uma "fascistização" em curso, embalada por um "estado policialesco"... Proponho uma outra tese: a hipotética "fascistização" não nasceria, antes de qualquer coisa, numa sociedade que aceita a impunidade? Que não consegue levar ao fim os julgamentos contra quem tem poder, dinheiro? Que vê se arrastar por anos, décadas, até a prescrição, os processos contra quem tem grana?
A propósito dessa tese basta lembrar das nossas raízes e costumes ibéricos, voltarmos a Raimundo Faoro e o país patrimonialista exposto em Os donos do Poder (Nota da Redação: um clássico da sociologia, publicado em 1958), ou em Raízes do Brasil, por Sérgio Buarque de Holanda (NR: outra leitura clássica sobre o Brasil, esta de 1936).
Quanto às teses em curso...
Outro dia li, alguém disse, algo em latim, algo sobre o "abuso não deve impedir o uso". Ou seja, se há excessos, incorreções eventuais, que isso seja corrigido, que as corregedorias funcionem de verdade, não como meros instrumentos com outros fins, mas o que não se pode fazer é buscar destruir as instituições só porque agora elas funcionam um pouco melhor e, cumprindo seu papel, passaram a incomodar quem antes se sentia confortável.
Se bem entendi o senhor está falando da Polícia Federal?
Também. Em alguns casos há uma clara tentativa de se atacar, de se destruir a Polícia Federal.
... Tentativa de quem um dia foi preso, de quem teme ser preso um dia, de quem teme uma polícia séria, forte, eficaz. Tentativa de uma certa porção do establishment...
... Certamente. Mas eu tenho certeza de que não conseguirão. Tenho muito orgulho do trabalho que fizemos, que fez minha equipe, na recuperação da Polícia Federal, da sua imagem, das suas ações...
Uma polícia que até então tinha que usar verbas da DEA (NR: Drug Enforcement Administration) para operar, que tinha um de seus braços, à época chamava-se SOIP, construído com verbas do Departamento de Estado dos EUA - leia-se CIA -, assim como o mesmo departamento de Estado havia "doado" automóveis para o tal SOIP, não sei como se chama hoje...
Pois é, mas tudo isso foi modificado, reformulado, a polícia foi reaparelhada, ganhou autonomia, nossa polícia hoje se parece muito, tem a eficácia (risos) dos "feds" (NR: os policiais federais dos EUA)...e eu tenho a convicção de que ela continuará sendo eficiente. Estão tentando, mas não vão conseguir destruí-la.
Voltemos a Chico Mendes e às metáforas correlatas, estas que ligam os dois tempos, aquele e o de hoje. Você lembra que lá em Xapuri, no Acre, onde estávamos no julgamento, rádios, televisões, jornais, diziam, repetiam, que lá estavam "5 mil pessoas acompanhando o julgamento"... e que, na verdade, não estavam ali mais do que 300 pessoas que não fossem de Xapuri?
Me lembro, perfeitamente. Foi isso mesmo.
Lembra? Manchetes e mais manchetes. À época escrevi algo sobre isso, "Holofotes na Selva", sobre "as 5 mil pessoas" que na verdade nunca lá estiveram.
Me lembro, falava-se muito nesse número e de fato isso nunca existiu.
Isso não diz muito sobre o que era, como funcionava, funciona a mídia?
De fato... Mas ali era o mundo que queria falar, queria punir os criminosos, era o Bem contra o Mal. Daí os exageros. Naquele caso, a mídia captou o sentimento geral, aquela vontade de justiça que estava no ar.
E o senhor soube que, à época, fotógrafos, cinegrafistas, jornalistas, davam dinheiro ao filho pequeno (NR: Sandino, aos 4 anos) de Chico Mendes para que ele posasse ao lado do túmulo do pai? E que pagavam picolés à filha, também pequena (NR: Elenira, então com 6 anos, que hoje, já adulta, escreveu para o Blog da Amazônia e Terra Magazine uma carta em memória ao pai, Chico Mendes), para que desfilasse nas ruas de Xapuri com um cartaz com a foto do pai? Desta forma garantiam as manchetes, as fotos, as capas da noite ou do dia seguinte. O senhor chegou a ver ou saber disso?
Não, disso eu não soube... Eu estava muito isolado, concentrado na acusação, como você deve se lembrar. Quase não fui às ruas, não acompanhei essa movimentação externa ao julgamento. Vi, sabia que não estavam lá 5 mil pessoas, mas não soube disso.
Ali tínhamos um poder: o dos fazendeiros, grileiros, que era um poder grande lá em Xapuri, no Acre, mas que era um poderzinho, um poder menor diante da gigantesca força moral que se levantou com o assassinato do Chico Mendes...
Exatamente. Então o que se levantou foi uma autoridade moral que veio com muita força do exterior, que levou todo o mundo do trabalho no Brasil a Xapuri. Me lembro claramente do Lula chegando a Xapuri, da Marina Silva, do Jair Meneguelli, que era presidente da CUT...
Voltando às metáforas. Chico Mendes morreu na noite de 22 de dezembro. O Brasil não o conhecia. Ele era um absoluto desconhecido e naquela noite...
Eu não conhecia o Chico. Tinha ouvido falar, mas não o conhecia, não tinha dimensão da sua luta. E sua luta pela Amazônia, pelos seringueiros, também não tinha toda aquela dimensão, repercussão, antes da sua morte. O Lula conhecia o Chico, sabia disso tudo, mas eu, não.
Nem os jornalistas conheciam. Teve repórter (NR: Edílson Martins) que tentou, sem conseguir, emplacar matéria no Jornal do Brasil sobre a morte próxima, anunciada, de um líder dos seringueiros, o Chico Mendes. Aliás, na noite em que o Chico morreu, o Brasil todo estava parado, assistindo, debatendo excitado um outro assassinato. Naquela noite o Brasil parou para saber, na novela das 8, quem havia matado Odete Roittman (NR: Beatriz Segall, em personagem hiper malvada da novela Vale Tudo).
Eu não sabia disso.
O que ficou na sua memória, passados 20 anos do assassinato e 18 do julgamento?
Aquela sensação de que enquanto acusava os assassinos do Chico Mendes, eu falava em nome da humanidade. Ali ficou claro, e nem sempre é assim, é muito difícil ter isso tão claro, que tínhamos um embate do Bem contra o Mal. Ficou também a impressão de que tínhamos quebrado um paradigma, o da injustiça permanente, do Judiciário que não funciona, que é fechado em si mesmo. Mas, apesar dos avanços que também são evidentes, vejo que foi só uma ilusão.
Apesar disso, são essas lutas que dão sentido concreto à História. Todos esses fatos se acumulam no tempo, esses valores pelos quais lutamos vão sedimentando uma cultura, vão formando e inspirando outras mentes.
Em algum momento, as mudanças se precipitam e a realidade se transforma, embora de maneira mais lenta do que gostaríamos. De modo que, passados 20 anos, Chico Mendes continua sendo uma inspiração e uma presença para todos nós.
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Tome Sérgio Sampaio
Sérgio Sampaio fez parte de minha formação musical no início dos anos 70 (putz, agora todo mundo vai saber que eu não sou tão novo assim...). Perdido nos dias sem fim da Várzea do Rio Apodi, em uma parte esquecida do Semi-Árido nordestino, eu ouvia, pela Rádio Rural de Mossoró, o hit "Eu quero é botar o meu bloco na rua". Me apaixonei pela música. E a paixão se mantém viva, mais de três décadas depois. Então, para você, um pouquinho da mais conhecida música do agora lendário Sampaio.
Salif Keita prá você também
Estou no trabalho. Acabei de almoçar e corri para a minha sala. Tenho que concluir uns trabalhos burocráticos relacionados a uma banca de concurso para professor da UFRN. Para agüentar o tranco, nessas horas, recorro a algum conforto musical. Salif Keita é uma boa pedida. Como não sou egoísta, divido com você uma das músicas da "voz de ouro da África". Keita, acho que você sabe, é do Mali e é albino. Logo, logo, assim que possível, postarei aqui alguma coisa sobre a dramática situação dos albinos em alguns países africanos.
segunda-feira, 22 de dezembro de 2008
O fracasso da estratégia norte-americana de combate ao narcotráfico
No El País, uma notícia dá conta do aumento da produção de coca na Colômbia. É a tradução exata do fracasso da estratégia norte-americana de enfrentamento ao narcotráfico. Bom lembrar isso porque não poucos, dentre os articulistas da dita "grande imprensa", querem nos empurrar para o mesmo caminho desastroso trilhado pelos colombianos.
El aumento de la producción de coca en Colombia
El Plan Colombia, destinado a aumentar la seguridad y a eliminar los cultivos de droga, ha fracasado. EE UU invirtió en él seis mil millones de dólares pero el 90% de la cocaína que consumen los estadounidenses procede del país suramericano. Según la Oficina de Cuentas del Gobierno de EE UU (GAO, en sus siglas en inglés), el cultivo de coca creció un 15% entre 2000 y 2006. Son aún más alarmantes las cifras de un estudio de la ONU, que sitúan el aumento de la producción en un 27% sólo en 2007. La coca, base para la producción de cocaína, continúa financiando a los grupos paramilitares y a las FARC. Sin embargo, a pesar de las fumigaciones aéreas y de las operaciones militares colombianas contra las guerrillas, el tráfico de droga no ha disminuido. La falta de alternativas para los campesinos que cultivan coca ha provocado que trasladen sus plantaciones hacia regiones más remotas.
El aumento de la producción de coca en Colombia
El Plan Colombia, destinado a aumentar la seguridad y a eliminar los cultivos de droga, ha fracasado. EE UU invirtió en él seis mil millones de dólares pero el 90% de la cocaína que consumen los estadounidenses procede del país suramericano. Según la Oficina de Cuentas del Gobierno de EE UU (GAO, en sus siglas en inglés), el cultivo de coca creció un 15% entre 2000 y 2006. Son aún más alarmantes las cifras de un estudio de la ONU, que sitúan el aumento de la producción en un 27% sólo en 2007. La coca, base para la producción de cocaína, continúa financiando a los grupos paramilitares y a las FARC. Sin embargo, a pesar de las fumigaciones aéreas y de las operaciones militares colombianas contra las guerrillas, el tráfico de droga no ha disminuido. La falta de alternativas para los campesinos que cultivan coca ha provocado que trasladen sus plantaciones hacia regiones más remotas.
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Uma estrela sobrevive
Algumas estrelas, mesmo quando aparentemente derrotadas para sempre, passam pelo teste do tempo. A estrela acima fazia parte do uniforme dos militantes republicanos que lutaram contra o fascismo franquista na Guerra Cívil espanhola. Foi encontrada em uma escavação que está sendo feita em uma trincheira republicana. Ao ler sobre esse fato no El País lembrei de uma música de Pablo Milanês e Chico Buarque. Coisa aí do final dos anos setenta.
Os limites da globalização
Africanos presos pela polícia espanhola quando tentavam adentrar o velho continente. Com o acirramento da crise, cresce a xenofobia e a agressividade das políticas anti-imigração. E as análises de Zigmunt Bauman sobre os limites da globalização tornam-se mais e mais referentes para a apreensão do nosso presente.
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domingo, 21 de dezembro de 2008
O mau gosto da nação forrozeiro e a derrota da cidadania
Transito em muitos lugares da região metropolitana de Natal. O que me chama a atenção nos bairros populares, ou das classes médias baixas, vá lá!, para continuar no mesmo terreno precário da imprecisão sociológica, é o quanto os decibéis dos aparelhos de som parece subir quanto mais baixo descemos na, digamos, escala social. São carros populares (ou nem tão populares assim, como as onipresentes picapes cabine duplas), com potentes estruturas de som a obrigar transeuntes e vizinhos a ouvir uma barulheira que somente com muita generosidade e espírito pluralista poderíamos definir como “música”. Destacam-se, nessa terra de ninguém, os grupos de forró.
Para além dos carros, nos canteiros das ruas, ou em praças onde deveriam existir equipamentos de uso coletivo para crianças e adolescentes, temos botecos nos quais se vendem cervejas e cachaça. Neles, o som advém de aparelhos de DVD acoplados a pequenos telões. O mesmo som se difunde, com o acompanhamento, na tela, das imagens de loiras de farmácia em suas, como direi?, performances. E as letras? Me parece que, hoje, não se pode mais fazer uma letra de forró sem as palavras “puta”, “raparigueiro”, “cabaré” e “cachaça”. Miséria total!
Em Parnamirim, onde moro, esses elementos dominam a paisagem. Não raro, na proximidade de colégios públicos e privados. No lugar onde deveriam estar crianças brincando, marmanjos e candidatas derrotadas a patricinhas bebendo e se rebolando. De vez em quando, gritos primais e vivas a uma certa “nação forrozeira”. Quem consegue ouvir, uma música que seja, da banda “Aviões do forró”, para ficar aqui só com um exemplar da espécie, sabe que essa é a nação do deboche e do mau gosto. Mas, parece-me, é uma nação vitoriosa. Para a sua supremacia conta com a omissão do ministério público e a cumplicidade demagógica das autoridades municipais.
Se gosto se discute, como nos ensina, por exemplo, a sociologia de Pierre Bourdieu, o mau gosto musical que domina as nossas paisagens merece uma profunda discussão. Se não por outros motivos, pelo menos porque o domínio dessa "nação forrozeira" sobre o espaço público é, com certeza, mais uma expressão da derrota da cidadania entre nós.
Para além dos carros, nos canteiros das ruas, ou em praças onde deveriam existir equipamentos de uso coletivo para crianças e adolescentes, temos botecos nos quais se vendem cervejas e cachaça. Neles, o som advém de aparelhos de DVD acoplados a pequenos telões. O mesmo som se difunde, com o acompanhamento, na tela, das imagens de loiras de farmácia em suas, como direi?, performances. E as letras? Me parece que, hoje, não se pode mais fazer uma letra de forró sem as palavras “puta”, “raparigueiro”, “cabaré” e “cachaça”. Miséria total!
Em Parnamirim, onde moro, esses elementos dominam a paisagem. Não raro, na proximidade de colégios públicos e privados. No lugar onde deveriam estar crianças brincando, marmanjos e candidatas derrotadas a patricinhas bebendo e se rebolando. De vez em quando, gritos primais e vivas a uma certa “nação forrozeira”. Quem consegue ouvir, uma música que seja, da banda “Aviões do forró”, para ficar aqui só com um exemplar da espécie, sabe que essa é a nação do deboche e do mau gosto. Mas, parece-me, é uma nação vitoriosa. Para a sua supremacia conta com a omissão do ministério público e a cumplicidade demagógica das autoridades municipais.
Se gosto se discute, como nos ensina, por exemplo, a sociologia de Pierre Bourdieu, o mau gosto musical que domina as nossas paisagens merece uma profunda discussão. Se não por outros motivos, pelo menos porque o domínio dessa "nação forrozeira" sobre o espaço público é, com certeza, mais uma expressão da derrota da cidadania entre nós.
sexta-feira, 19 de dezembro de 2008
Sobre mudança climática
Tenho transcrito aqui muitos dos artigos publicados pelo jornalista Washington Novaes. Lúcido e corajoso, o articulista é uma das poucas penas com espaço na grande imprensa a tratar com profundidade temáticas relacionadas à questão ambiental. Leia, mais abaixo, artigo sobre as mudanças climáticas globais. Vale a pena!
Clima vai exigir muito mais pressão
Washington Novaes
Há quantas décadas os cientistas advertem que não se devem desmatar encostas e topos de morros, nem ocupá-los com construções, porque se corre o risco de deslizamentos e mortes? Há quantas décadas a legislação proíbe essa ocupação? Há quanto tempo a ciência mostra os riscos de ocupar a planície natural de inundação de rios, que periodicamente ali produzem enchentes mais fortes, com vítimas e perdas materiais, ainda mais se canalizados, retificados, obstruídos por barragens? Não são conhecidos há muito tempo os riscos de impermeabilizar todo o solo das cidades com asfalto e não deixar espaço para a infiltração de água - agravando o risco de inundações? Há quantas décadas o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) alerta para a maior freqüência e o agravamento dos chamados "eventos extremos" do clima, principalmente chuvas intensas em curto espaço de tempo?
Quem acompanhou nas últimas semanas o noticiário sobre as chuvas e inundações em Santa Catarina viu todos os fenômenos indesejáveis acontecerem em poucos dias, nos quais morreu mais de uma centena de pessoas, mais de 100 mil foram desalojadas (principalmente moradores de encostas, topos de morros e adjacências), cidades se inundaram, rodovias, gasodutos e portos foram danificados, o turismo teve prejuízos imensos. Numa das cidades choveu mais de 850 milímetros (850 litros de água por m2 de solo) em 36 horas, quando menos de um quarto disso estava previsto para todo o mês. Sofreu-se com a falta de políticas públicas adequadas aos conhecimentos científicos, falta de ações administrativas conseqüentes, falta de informação, de organização da sociedade. Não se tratou apenas de fatalidade.
Pode-se transpor agora o tema para o plano universal. Há pelo menos 20 anos o IPCC vem advertindo para o aumento da temperatura do planeta em conseqüência da emissão de gases poluentes, que intensificam o efeito estufa e agravam os eventos climáticos extremos. Ao longo desse tempo, a Organização Meteorológica Mundial vem mostrando que a cada ano aumentam os milhões de vítimas desses eventos, assim como os prejuízos financeiros, já na casa das centenas de bilhões de dólares anuais. O IPCC alerta que as emissões precisam cair em pelo menos 80% até 2050, para evitar que a temperatura suba mais que 2 graus Celsius (já subiu 0,8 grau) e os problemas sejam ainda mais graves. A Agência Internacional de Energia advertiu em outubro que mesmo com a redução de 80% a elevação da temperatura será de 3 graus. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, nos seus cenários para o Brasil, prevê que a temperatura na Amazônia poderá subir até 6 graus, na tendência atual, e 3 a 4 graus no Centro-Oeste (com a contribuição da perda anual de 22 mil km2 no Cerrado) - e tudo isso influenciará o clima em todo o País, principalmente no Semi-Árido, que poderá perder 20% de seus recursos hídricos. Para completar, o estudo do ex-economista-chefe do Banco Mundial sir Nicholas Stern diz que temos menos de uma década para enfrentar todas essas questões, aplicando anualmente de 2% a 3% do produto bruto mundial (de US$ 1,2 trilhão a US$ 1,8 trilhão) - se não quisermos ter a mais grave recessão econômica da história.
Nada disso foi suficiente para levar os 192 países da Convenção do Clima a chegar, na Polônia, na reunião encerrada no dia 13, a um acordo para reduzir as emissões. A Grã-Bretanha anunciou-se disposta a cortar as suas em 40% até 2030 e 80% até 2050. A União Européia enfrenta resistência de alguns de seus países membros para reduzir 20% até 2020. Os EUA dizem que até 2020 podem cortar 17% sobre as emissões de 2000. E fica-se por aí, sem decisão conjunta, à espera de novas reuniões. Os países "em desenvolvimento" pediam que os industrializados destinassem US$ 20 bilhões por ano para o repasse de tecnologias que os ajudassem a enfrentar o problema; conseguiram míseros US$ 80 milhões. Os países detentores de florestas tropicais queriam que se criasse um mecanismo internacional para custear a redução de desmatamento, queimadas e mudanças no uso do solo em florestas tropicais; só conseguiram a aprovação teórica do sistema (REDD), mas não o caminho concreto para a mobilização e destinação do dinheiro.
O mundo continuará à espera. E o Brasil não sabe como fará para obter os US$ 3 bilhões a US$ 4 bilhões anuais em financiamentos internacionais que o Ministério do Meio Ambiente diz serem necessários para atingir sua meta (sem compromisso na convenção) de baixar o desmatamento na Amazônia em 70% até 2018 - o que significaria chegar a esse ano desmatando 7,5 mil km2 por ano e até lá ainda perder 70 mil km2 de florestas no bioma. Mas quem financiará o mecanismo, sem poder descontar a redução em seu balanço de emissões?
Enquanto isso, diz a ONU (Estado, 6/12) que este ano os dramas do clima já atingem 18 milhões de pessoas na América Latina e no Caribe. Diz o Banco Mundial que o produto bruto dessas mesmas regiões pode cair mais de 11% até 2080. E diz o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, que a crise financeira não deve ser desculpa para a inação. Mas o secretário da Convenção do Clima, Yvo de Boer, admitiu na Polônia que de lá saía com "alguma amargura". Que provavelmente terá aumentado nesta semana com um relatório da minoria republicana no Senado norte-americano enumerando as divergências de centenas de cientistas com relação às conclusões do IPCC.
Nada disso autoriza ou justifica o desânimo. Ao contrário. Reforça a necessidade de mais informação, mais organização social, mais pressão política, mais urgência, para que seja feito o indispensável: programas de redução de emissões, programas de adaptação às mudanças, criação de sistemas de defesa civil em cada município. E sistemas sofisticados de previsão de eventos. Não há alternativa.
Washington Novaes é jornalista
E-mail: wlrnovaes@uol.com.br
Clima vai exigir muito mais pressão
Washington Novaes
Há quantas décadas os cientistas advertem que não se devem desmatar encostas e topos de morros, nem ocupá-los com construções, porque se corre o risco de deslizamentos e mortes? Há quantas décadas a legislação proíbe essa ocupação? Há quanto tempo a ciência mostra os riscos de ocupar a planície natural de inundação de rios, que periodicamente ali produzem enchentes mais fortes, com vítimas e perdas materiais, ainda mais se canalizados, retificados, obstruídos por barragens? Não são conhecidos há muito tempo os riscos de impermeabilizar todo o solo das cidades com asfalto e não deixar espaço para a infiltração de água - agravando o risco de inundações? Há quantas décadas o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) alerta para a maior freqüência e o agravamento dos chamados "eventos extremos" do clima, principalmente chuvas intensas em curto espaço de tempo?
Quem acompanhou nas últimas semanas o noticiário sobre as chuvas e inundações em Santa Catarina viu todos os fenômenos indesejáveis acontecerem em poucos dias, nos quais morreu mais de uma centena de pessoas, mais de 100 mil foram desalojadas (principalmente moradores de encostas, topos de morros e adjacências), cidades se inundaram, rodovias, gasodutos e portos foram danificados, o turismo teve prejuízos imensos. Numa das cidades choveu mais de 850 milímetros (850 litros de água por m2 de solo) em 36 horas, quando menos de um quarto disso estava previsto para todo o mês. Sofreu-se com a falta de políticas públicas adequadas aos conhecimentos científicos, falta de ações administrativas conseqüentes, falta de informação, de organização da sociedade. Não se tratou apenas de fatalidade.
Pode-se transpor agora o tema para o plano universal. Há pelo menos 20 anos o IPCC vem advertindo para o aumento da temperatura do planeta em conseqüência da emissão de gases poluentes, que intensificam o efeito estufa e agravam os eventos climáticos extremos. Ao longo desse tempo, a Organização Meteorológica Mundial vem mostrando que a cada ano aumentam os milhões de vítimas desses eventos, assim como os prejuízos financeiros, já na casa das centenas de bilhões de dólares anuais. O IPCC alerta que as emissões precisam cair em pelo menos 80% até 2050, para evitar que a temperatura suba mais que 2 graus Celsius (já subiu 0,8 grau) e os problemas sejam ainda mais graves. A Agência Internacional de Energia advertiu em outubro que mesmo com a redução de 80% a elevação da temperatura será de 3 graus. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, nos seus cenários para o Brasil, prevê que a temperatura na Amazônia poderá subir até 6 graus, na tendência atual, e 3 a 4 graus no Centro-Oeste (com a contribuição da perda anual de 22 mil km2 no Cerrado) - e tudo isso influenciará o clima em todo o País, principalmente no Semi-Árido, que poderá perder 20% de seus recursos hídricos. Para completar, o estudo do ex-economista-chefe do Banco Mundial sir Nicholas Stern diz que temos menos de uma década para enfrentar todas essas questões, aplicando anualmente de 2% a 3% do produto bruto mundial (de US$ 1,2 trilhão a US$ 1,8 trilhão) - se não quisermos ter a mais grave recessão econômica da história.
Nada disso foi suficiente para levar os 192 países da Convenção do Clima a chegar, na Polônia, na reunião encerrada no dia 13, a um acordo para reduzir as emissões. A Grã-Bretanha anunciou-se disposta a cortar as suas em 40% até 2030 e 80% até 2050. A União Européia enfrenta resistência de alguns de seus países membros para reduzir 20% até 2020. Os EUA dizem que até 2020 podem cortar 17% sobre as emissões de 2000. E fica-se por aí, sem decisão conjunta, à espera de novas reuniões. Os países "em desenvolvimento" pediam que os industrializados destinassem US$ 20 bilhões por ano para o repasse de tecnologias que os ajudassem a enfrentar o problema; conseguiram míseros US$ 80 milhões. Os países detentores de florestas tropicais queriam que se criasse um mecanismo internacional para custear a redução de desmatamento, queimadas e mudanças no uso do solo em florestas tropicais; só conseguiram a aprovação teórica do sistema (REDD), mas não o caminho concreto para a mobilização e destinação do dinheiro.
O mundo continuará à espera. E o Brasil não sabe como fará para obter os US$ 3 bilhões a US$ 4 bilhões anuais em financiamentos internacionais que o Ministério do Meio Ambiente diz serem necessários para atingir sua meta (sem compromisso na convenção) de baixar o desmatamento na Amazônia em 70% até 2018 - o que significaria chegar a esse ano desmatando 7,5 mil km2 por ano e até lá ainda perder 70 mil km2 de florestas no bioma. Mas quem financiará o mecanismo, sem poder descontar a redução em seu balanço de emissões?
Enquanto isso, diz a ONU (Estado, 6/12) que este ano os dramas do clima já atingem 18 milhões de pessoas na América Latina e no Caribe. Diz o Banco Mundial que o produto bruto dessas mesmas regiões pode cair mais de 11% até 2080. E diz o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, que a crise financeira não deve ser desculpa para a inação. Mas o secretário da Convenção do Clima, Yvo de Boer, admitiu na Polônia que de lá saía com "alguma amargura". Que provavelmente terá aumentado nesta semana com um relatório da minoria republicana no Senado norte-americano enumerando as divergências de centenas de cientistas com relação às conclusões do IPCC.
Nada disso autoriza ou justifica o desânimo. Ao contrário. Reforça a necessidade de mais informação, mais organização social, mais pressão política, mais urgência, para que seja feito o indispensável: programas de redução de emissões, programas de adaptação às mudanças, criação de sistemas de defesa civil em cada município. E sistemas sofisticados de previsão de eventos. Não há alternativa.
Washington Novaes é jornalista
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Artigo de Mercadante
Transcrevo abaixo artigo de autoria do Senador Mercadante (PT-SP), publicado hoje no jornal O Estado de São Paulo. Vale a pena conferir!
Wall Qaeda
Aloizio Mercadante*
No dia 11 de setembro de 2001, um bando de dementes fundamentalistas derrubou as torres gêmeas de Nova York, centro econômico e financeiro mundial, matando covardemente milhares de pessoas. A poucas centenas de metros dali, Wall Street tremeu duas vezes. A primeira vez, literalmente, a segunda, metaforicamente. Com efeito, houve um princípio de pânico financeiro que obrigou o Federal Reserve (Fed) a injetar US$ 300 bilhões no sistema bancário em apenas três dias para prover a liquidez necessária. Quando a bolsa reabriu, em 17 de setembro, o Índice Dow Jones desceu 7,1%, durante a sessão de abertura, e 14,3% ao longo da semana. O dólar caiu e os preços o ouro e do petróleo subiram rapidamente.
Esses efeitos, contudo, foram de curto prazo. Em fins de outubro a situação já tinha voltado ao normal. As medidas fiscais e monetárias funcionaram e no quarto trimestre de 2001 a economia norte-americana apresentou um aumento de 2,7%, iniciando um ciclo de crescimento que só se interrompeu de fato neste ano. Do ponto de vista econômico e financeiro, Osama bin Laden tinha fracassado.
Mas havia bombas muito mais poderosas que as de Bin Laden que vinham sendo armadas contra a economia norte-americana. Dois anos antes, em 1999, a maioria republicana no Congresso dos EUA havia praticamente imposto ao presidente Bill Clinton a revogação da Lei Glass-Steagall. Implementada em 1933, com o intuito de separar bancos comerciais de bancos de investimentos e regular o sistema financeiro no pós-crash de 1929, essa lei vinha sendo questionada desde meados da década de 80 pelos interesses de financistas e investidores ávidos em participar mais intensamente da crescente financeirização da economia mundial. A revogação dessa lei e várias outras medidas de desregulamentação financeira facilitaram aos bancos dos EUA alavancar extraordinariamente o mercado de crédito. Essa alavancagem, associada ao crescimento especulativo do mercado imobiliário e dos preços dos imóveis, ensejou forte emissão de títulos lastreados em hipotecas. Como conseqüência, houve uma explosão da expansão de ativos bancários lastreados em títulos financeiros, por sua vez lastreados em hipotecas. Tal florescente e sofisticado mercado de derivativos cresceu muito além do necessário para sustentar empréstimos de hipotecas, constituindo-se em fonte especulativa de ganhos de curto prazo. Durante algum tempo essa autêntica e gigantesca pirâmide financeira invertida, construída sob as barbas do Fed, permitiu aos bancos dos EUA, bem como a outros bancos do mundo inteiro, operar com garantias descoladas do seu capital, burlando as exigências das Convenções de Basiléia.
Ao final do processo, esse descomunal mercado de derivativos já concentrava 75% da liquidez mundial e equivalia a oito PIBs mundiais. Bin Laden, gênio financeiro fosse, não poderia ter concebido plano mais pérfido e insidioso para pôr os EUA e o mundo de joelhos. Quando os preços dos imóveis começaram a cair e as taxas de juros, a aumentar, ao final de 2006, o frágil castelo de cartas dessa nova arquitetura financeira principiou a desmoronar. Em poucos meses, cerca de 10 milhões imóveis passaram a valer menos do que suas hipotecas e a inadimplência disparou. A bomba financeira explodiu com toda a sua fúria destrutiva, em 2008. O resto já é história. Triste história que ameaça repetir a crise de 1929. Os EUA e o mundo mergulham numa recessão cujas intensidade e duração ninguém ainda consegue prever.
Onde o fundamentalismo demente da Al-Qaeda fracassou, a exuberância irracional da "Wall Qaeda" teve êxito retumbante. É preciso considerar, todavia, que essa exuberância irracional e a desregulamentação do mercado financeiro foram fortemente estimuladas por políticas equivocadas do governo dos EUA, pela omissão irresponsável do Fed e, acima de tudo, por um padrão de desenvolvimento da economia norte-americana que é absolutamente insustentável. Os EUA, que "desterritorializaram" boa parte da sua produção industrial, absorvem 60% dos fluxos mundiais de capital e 80% da poupança planetária, financiando, dessa forma, os seus gigantescos déficits gêmeos e um consumo doméstico incompatível com seu PIB. De fato, o consumidor norte-americano deve 140% da sua renda anual disponível. Esse padrão de acumulação baseado num forte endividamento e na importação crescente de capitais financeiros, particularmente da China, tem limites estruturais que a crise tornou amargamente óbvios.
Assim, o presidente eleito Barack Obama terá pela frente a dupla e hercúlea tarefa de retirar os EUA da recessão e, ao mesmo tempo, implantar os fundamentos de um novo e mais racional padrão de financiamento da economia norte-americana. É provável que esse processo implique mudanças geoeconômicas significativas e que a economia dos EUA se torne um pouco menor, em relação a algumas economias emergentes, como a chinesa, a indiana e a brasileira. Mas é algo que terá de ser feito, sob pena de as crises se repetirem num ritmo célere.
John K. Galbraith, canadense e civilizado, afirmou, na sua obra Uma Breve História da Euforia Financeira, que a euforia especulativa que antecede a crise ocorre, entre outros fatores, porque a memória financeira é notavelmente curta e há o "direito adquirido ao erro" por parte dos investidores, que ganham muito nas fases do pico especulativo. Controlar esse bárbaro capitalismo bipolar não é fácil, especialmente nos EUA de hoje, que têm ojeriza à regulação estatal e vivem de financiamentos especulativos. Obama, contudo, tem a seu favor um bom capital político e a grande memória de Franklin Delano Roosevelt.
É um começo promissor.
* Aloizio Mercadante, economista, professor licenciado da
PUC-SP e da Unicamp, é senador da República (PT-SP)
Wall Qaeda
Aloizio Mercadante*
No dia 11 de setembro de 2001, um bando de dementes fundamentalistas derrubou as torres gêmeas de Nova York, centro econômico e financeiro mundial, matando covardemente milhares de pessoas. A poucas centenas de metros dali, Wall Street tremeu duas vezes. A primeira vez, literalmente, a segunda, metaforicamente. Com efeito, houve um princípio de pânico financeiro que obrigou o Federal Reserve (Fed) a injetar US$ 300 bilhões no sistema bancário em apenas três dias para prover a liquidez necessária. Quando a bolsa reabriu, em 17 de setembro, o Índice Dow Jones desceu 7,1%, durante a sessão de abertura, e 14,3% ao longo da semana. O dólar caiu e os preços o ouro e do petróleo subiram rapidamente.
Esses efeitos, contudo, foram de curto prazo. Em fins de outubro a situação já tinha voltado ao normal. As medidas fiscais e monetárias funcionaram e no quarto trimestre de 2001 a economia norte-americana apresentou um aumento de 2,7%, iniciando um ciclo de crescimento que só se interrompeu de fato neste ano. Do ponto de vista econômico e financeiro, Osama bin Laden tinha fracassado.
Mas havia bombas muito mais poderosas que as de Bin Laden que vinham sendo armadas contra a economia norte-americana. Dois anos antes, em 1999, a maioria republicana no Congresso dos EUA havia praticamente imposto ao presidente Bill Clinton a revogação da Lei Glass-Steagall. Implementada em 1933, com o intuito de separar bancos comerciais de bancos de investimentos e regular o sistema financeiro no pós-crash de 1929, essa lei vinha sendo questionada desde meados da década de 80 pelos interesses de financistas e investidores ávidos em participar mais intensamente da crescente financeirização da economia mundial. A revogação dessa lei e várias outras medidas de desregulamentação financeira facilitaram aos bancos dos EUA alavancar extraordinariamente o mercado de crédito. Essa alavancagem, associada ao crescimento especulativo do mercado imobiliário e dos preços dos imóveis, ensejou forte emissão de títulos lastreados em hipotecas. Como conseqüência, houve uma explosão da expansão de ativos bancários lastreados em títulos financeiros, por sua vez lastreados em hipotecas. Tal florescente e sofisticado mercado de derivativos cresceu muito além do necessário para sustentar empréstimos de hipotecas, constituindo-se em fonte especulativa de ganhos de curto prazo. Durante algum tempo essa autêntica e gigantesca pirâmide financeira invertida, construída sob as barbas do Fed, permitiu aos bancos dos EUA, bem como a outros bancos do mundo inteiro, operar com garantias descoladas do seu capital, burlando as exigências das Convenções de Basiléia.
Ao final do processo, esse descomunal mercado de derivativos já concentrava 75% da liquidez mundial e equivalia a oito PIBs mundiais. Bin Laden, gênio financeiro fosse, não poderia ter concebido plano mais pérfido e insidioso para pôr os EUA e o mundo de joelhos. Quando os preços dos imóveis começaram a cair e as taxas de juros, a aumentar, ao final de 2006, o frágil castelo de cartas dessa nova arquitetura financeira principiou a desmoronar. Em poucos meses, cerca de 10 milhões imóveis passaram a valer menos do que suas hipotecas e a inadimplência disparou. A bomba financeira explodiu com toda a sua fúria destrutiva, em 2008. O resto já é história. Triste história que ameaça repetir a crise de 1929. Os EUA e o mundo mergulham numa recessão cujas intensidade e duração ninguém ainda consegue prever.
Onde o fundamentalismo demente da Al-Qaeda fracassou, a exuberância irracional da "Wall Qaeda" teve êxito retumbante. É preciso considerar, todavia, que essa exuberância irracional e a desregulamentação do mercado financeiro foram fortemente estimuladas por políticas equivocadas do governo dos EUA, pela omissão irresponsável do Fed e, acima de tudo, por um padrão de desenvolvimento da economia norte-americana que é absolutamente insustentável. Os EUA, que "desterritorializaram" boa parte da sua produção industrial, absorvem 60% dos fluxos mundiais de capital e 80% da poupança planetária, financiando, dessa forma, os seus gigantescos déficits gêmeos e um consumo doméstico incompatível com seu PIB. De fato, o consumidor norte-americano deve 140% da sua renda anual disponível. Esse padrão de acumulação baseado num forte endividamento e na importação crescente de capitais financeiros, particularmente da China, tem limites estruturais que a crise tornou amargamente óbvios.
Assim, o presidente eleito Barack Obama terá pela frente a dupla e hercúlea tarefa de retirar os EUA da recessão e, ao mesmo tempo, implantar os fundamentos de um novo e mais racional padrão de financiamento da economia norte-americana. É provável que esse processo implique mudanças geoeconômicas significativas e que a economia dos EUA se torne um pouco menor, em relação a algumas economias emergentes, como a chinesa, a indiana e a brasileira. Mas é algo que terá de ser feito, sob pena de as crises se repetirem num ritmo célere.
John K. Galbraith, canadense e civilizado, afirmou, na sua obra Uma Breve História da Euforia Financeira, que a euforia especulativa que antecede a crise ocorre, entre outros fatores, porque a memória financeira é notavelmente curta e há o "direito adquirido ao erro" por parte dos investidores, que ganham muito nas fases do pico especulativo. Controlar esse bárbaro capitalismo bipolar não é fácil, especialmente nos EUA de hoje, que têm ojeriza à regulação estatal e vivem de financiamentos especulativos. Obama, contudo, tem a seu favor um bom capital político e a grande memória de Franklin Delano Roosevelt.
É um começo promissor.
* Aloizio Mercadante, economista, professor licenciado da
PUC-SP e da Unicamp, é senador da República (PT-SP)
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Clint Eastwood
Leia abaixo matéria publicada no El País (está em espanhol, não tive tempo de traduzir) sobre Clint Eastwood. Aos 78 anos, Eastwood é alguém que cresceu com o passar dos anos. Tanto como ator quanto como diretor, ele não se rende aos lugare-comuns e conseguiu a díficil façanha de fazer sucesso e não ser tragado pela máquina moedora de gente da indústria cultura, especialmente a de Hollyood, a mais poderosa de todas.
"Es ridículo que los actores no interpretemos la edad que tenemos"
Que te presenten a Clint Eastwood es como ver una secuoya de California por primera vez. La diferencia es que esta secuoya, incluso con 78 años, te da la mano con una firmeza que todavía intimida, por mucho tiempo que te hayas estado preparando para el apretón.
Eastwood llega a la entrevista en el restaurante Mission Ranch-en California- como si fuera el dueño; en realidad es que lo es. Se tomó su primera copa legal en este bar a finales de los años 40, cuando estaba destinado en la base del Ejército que había cerca. En 1986 compró la propiedad y lo reconstruyó a su gusto, con un piano-bar, vistas impresionantes a las olas del océano que rompen en Point Lobos y mucha carne en el menú. A pesar de lo que ponga en Wikipedia, Eastwood no es vegano y parece un poco horrorizado cuando se entera de lo que significa. "Nunca me meto en Internet por esa misma razón", explica.
A diferencia de los papeles taciturnos que hace en la pantalla, el cineasta es voluble, parlanchín y se ríe con una agudeza y un entusiasmo que le hacen parecer mucho más joven. Eastwood está seguro también en otro terreno: en dos meses se conceden los Óscar y tiene dos películas que podrían obtener el galardón, El intercambio, con Angelina Jolie, y Gran Torino, que acaba de terminar de rodar este verano y que se estrenó la semana pasada en Estados Unidos.
En Gran Torino, Eastwood encarna a Walt Kowalski, un veterano de la Guerra de Corea, trabajador retirado de una línea de montaje de Ford e intolerante a tiempo completo que sufre en su porche de Detroit viendo cómo su barrio es invadido por inmigrantes del Sudeste de Asia. Cuando una banda presiona a un adolescente vecino para que intente robarle a Walt su Gran Torino de época, el envejecido veterano se ve inmerso contra su propia voluntad y con violencia en la vida de sus vecinos.
Eastwood nunca ha conseguido el Oscar como actor. Y no actúa desde Million dollar baby (2004) Afirma que no le importan mucho los premios. Cuando le preguntan para quién hace películas, el cineasta responde: "Lo tienes delante". Premeditada o no (porque sus películas tienden a estrenarse a mitad de la campaña de los Oscar), esta postura parece encantar a los académicos de Hollywood, que han premiado sus películas en numerosas ocasiones, incluidas dos estatuillas a Mejor película. Si algo ha hecho su ritmo como director en los últimos cinco años ha sido acelerarse. Presentó El intercambio en mayo en Cannes, cuando acababa de comprar el guión de Gran Torino, y luego rodó este libreto durante el verano al ritmo de un cineasta de guerrilla: en 32 días. Esta velocidad, explica Eastwood, le ayudó con los miembros del reparto, ya que la mayoría nunca había actuado y muchos de ellos ni hablaban inglés. "Les iba dando algunas pistas, el abc del actor", añade. "Y yo iba a una velocidad que no les dejaba mucho tiempo para pensar". Antes de rematar Gran Torino, paró a promocionar el estreno en EE UU de El intercambio (31 de octubre). Y no descansó. Volvió a Carmel, donde vive con su mujer, Dina Ruiz, y gestiona sus inversiones. Estuvo una semana trabajando con sus dos montadores en una casa de labranza de 1862 que hay dentro de su propiedad de Mission. Entre sesión y sesión se sentaba al piano y elegía una partitura: ha escrito la banda sonora de varias de sus películas, como en El intercambio. Hasta canta una de sus propias melodías en los títulos de crédito de Gran Torino, con su voz reducida a un suspiro (el propio Eastwood se niega a denominarlo "cantar" porque le hace acordarse de La leyenda de la ciudad sin nombre, su fracaso musical de 1969. "Me juré que nunca volvería a hacer eso", asegura).
Antes del rodaje se rumoreaba que Eastwood estaba haciendo otra secuela de Harry, el sucio. Lo que sí que tienen en común Gran Torino y las películas de Harry el Sucio es la fuerza de su falta de corrección. Grazer, productor de El intercambio, ve en este estilo tan directo un punto fuerte. "Lo que más me interesó de Clint Eastwood como director es la honestidad y la intensidad que les pone a las películas que dirige", afirma. "Está tan seguro como realizador que permite que la ocasional fealdad de la vida viva en las secuencias de sus películas". Por esa seguridad también decide rápido: la misma mañana que leyó el guión de El intercambio, decidió rodarlo. Llamó a Brian Grazer, éste le respondió que Angelina Jolie estaba interesada en el proyecto, y Eastwood cerró el trato: "Me parece muy buena actriz y me gustó la posibilidad". De esta forma, contó la historia de una mujer californiana que primero sufre el secuestro de su hijo, y seis meses más tarde la policía le devuelven un chaval que aseguran es su crío. Sólo ella está convencida de que le han dado el cambiazo. Y luchará en contra de todos y de todo.
Tanto El intercambio como Gran Torino se saltan cualquier tipo de condescendencia y falsa moralidad. "Mucha gente está cansada de todo lo políticamente correcto", señala. "En Gran Torino estás mostrando a un tío de otra generación. Muestra la forma que tiene de hablar. Este país ha llegado muy lejos en materia de relaciones raciales, pero el péndulo va igual de lejos en la otra dirección. Todo el mundo quiere ser muy..." - aquí se para y entrecierra los ojos, como Harry el Sucio apuntando a un malhechor- "sensible".
Si Eastwood tiene parte de la culpa por todos los Rambo y Jungla de cristal que vinieron después, deberíamos concederle el mérito de mostrar en sus películas protagonistas cuyas acciones se contradicen con sus creencias. Lo que contribuye a que la contradicción de Gran Torino resulte creíble es la mera presencia física de Eastwood. Al contrario que las estrellas, él interpreta su edad real. A los 78 años puede que esté más delgado que antes, pero con un aspecto vigoroso que revela fuerza y, al mismo tiempo, la aplaca.
Para Eastwood ser capaz de encarnar a alguien de 78 años es una ventaja más de una larga trayectoria. "Es ridículo que los actores no interpretemos la edad que tenemos", afirma. "¿Sabes cuando eres joven y ves una obra en el instituto, y los chicos tienen el pelo pintado de gris y están intentando ser viejos y no tienen ni idea de lo que es? Pues es igual de estúpido al revés". Otra ventaja es que, tras una buena trayectoria cinematográfica, puedes crear otra. "Después de El bueno, el feo y el malo iba por la calle y todo el mundo silbaba..." y aquí canta la famosa canción de la película. "Luego pasó a ser 'Alégrame el día'. Pero ha ido progresando. Aunque no sé si se ha producido por mis esfuerzos". Walt también tiene un latiguillo en Gran Torino. "Esto es lo que hago", le dice a un adolescente antes del acto final de la película. "Termino mis cosas". También lo hace Eastwood, sólo que no de la forma que uno esperaría.
Y puede que no haya acabado. Ha habido gente que ha dicho -también en Internet- que éste sería su último papel, un rumor que Eastwood contribuyó a avivar. Sin embargo, ahora afirma que no tiene por qué ser cierto. "Alguien me preguntó qué iba a hacer después y le contesté que no sabía cuántos papeles hay para tíos de 78 años", añade. "No tiene nada de malo hacer de mayordomo, pero a menos que haya algún obstáculo que sortear, preferiría quedarme detrás de la cámara". Planes no le faltan: ya prepara El factor humano, un filme sobre la presidencia del surafricano Nelson Mandela basado en el libro de John Carlin.
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quinta-feira, 18 de dezembro de 2008
Deu no Blog do Frederico Vasconcelos: Juiza negra no TRT de Santa Catarina
O blog do Frederico Vasconcelos é um bom lugar para você obter informações sobre os acontecimentos relacionados ao judiciário. É dele que colho a boa notícia abaixo transcrita. Para acessar diretamente o blog, clique aqui.
TRT de Santa Catarina tem primeira juíza negra
O Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina informa que tomará posse, nesta quarta-feira (17/12), a primeira juíza negra do TRT: Maria Aparecida Caitano.
A juíza togada vai ocupar a vaga deixada pela morte do juiz Marcus Pina Mugnaini, em setembro, quando ele ainda ocupava a Presidência do TRT-SC.
Segundo a assessoria de imprensa do TRT-SC, a data da posse foi escolhida pela própria magistrada para coincidir com o aniversário do juiz Marcus, que completaria 60 anos na quarta-feira. A indicação, pelo critério de antigüidade, foi feita pelos juízes do Pleno em 20 de outubro. Na ocasião, Maria Aparecida declarou sentir muito "orgulho por ser a primeira juíza negra a fazer parte do Pleno do TRT", que é composto por 18 juízes.
Currículo
Paranaense de Cambará, graduou-se em Direito pela Universidade de São Paulo em 1970. Orientada pelo jurista Sérgio Pinto Martins, concluiu mestrado em Direito do Trabalho pela mesma universidade em 2002, com a dissertação "Direito do Trabalho x Direito ao Trabalho: Crise de Desemprego".
Ingressou na magistratura em 1987 no TRT do Pará e posteriormente, mediante novo concurso, passou a judicar em Santa Catarina em novembro do mesmo ano. Antes de ingressar na magistratura exerceu o magistério de 1º Grau, a advogacia e, por fim, a função de Oficial de Justiça na 9ª VT de São Paulo. No TRT-SC, atua como juíza convocada há 16 anos. Desde 1993, vinha exercendo a titularidade da 3ª VT de Florianópolis.
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