quinta-feira, 31 de julho de 2008

Ainda sobre pesquisas eleitorais

Mais vez, e, sinceramente, esperando não estar abusando da paciência de vocês, reproduzo mais abaixo trechos de um análise feita po César Maia, em seu ex-blog, sobre o significado, neste momento das campanhas para vereadores e prefeitos, dos resultados das pesquisas eleitorais. Essas observações são particularmente importantes para quem acompanha a disputa em cidades como Belo Horizonte (MG) e Natal (RN).

QUANDO E POR QUE O RESULTADO DAS ELEIÇÕES NADA TEM A VER COM AS PESQUISAS DE INÍCIO DAS CAMPANHAS!

1. Os períodos anteriores às campanhas eleitorais vão informando ao eleitor sobre os políticos, suas posições e posturas, sobre os governos, as conjunturas que se sucedem... Especialmente nas pré-campanhas isso ocorre com intensidade. Por isso Paul Lazarsfeld dizia que era como uma foto (daquele tempo): impregnava a imagem no celulóide para ser revelada em campanha. Nos EUA a pré-campanha -as Primárias- é uma verdadeira eleição desde um ano antes das eleições. Nos regimes parlamentares -quase sempre binários- com os chefes de governo -atual e potencial de oposição- conhecidos, todo dia é dia de campanha, pois -teoricamente- os governos podem cair a qualquer momento e as eleições serem chamadas em 45 dias.

2. No Brasil além de nada disso ocorrer, ainda há uma legislação eleitoral que proíbe a pré-campanha e a reprime drasticamente com risco de inelegibilidade. Com isso, o eleitor chega ao processo eleitoral, 90 dias antes das eleições, com baixa informação. As exceções existem quando os candidatos são os que já foram governantes ou são para eleição. Exemplo: 2000 no Rio quando os candidatos eram um ex-governador, a vice-governadora, um ex-prefeito e o prefeito. Ou seja: o eleitor estava informado. Esse ano em SP da mesma forma. Os candidatos são um ex-governador/ex-prefeito, uma ex-prefeita, um ex-governador e o prefeito. O eleitor tem todas as informações sobre os atores políticos.

3. Mas quando isso não ocorre o eleitor entra em campanha muito mais desinformado do que deveria estar. Claro, pela ausência de pré-campanha, mas também porque a cobertura política é basicamente a cobertura dos governos. Sobre esses sim há informações. Os que já foram recentemente candidatos majoritários -a governador, prefeito e senador- têm seus nomes mais lembrados e em pesquisas antes da entrada da TV aparecem mais (o eleitor só entra em campo para valer uns 10 dias depois da TV)."

Sobre a queda do número de homicídios em São Paulo

Quando muitos celebram a "política de enfrentamento" como único meio de enfrentamento da criminalidade, devemos analisar cuidadosamente os dados (mesmo que precários) sobre homicídios no Brasil. Merecem especial atenção informações acerca do Rio de Janeiro e São Paulo. Pois, de algum modo, o que ocorre nessas duas unidades da federação impacta no restante do país. Por isso mesmo, reproduzo, abaixo, parte de uma reportagem publicada hoje nno jornal Folha de São Paulo.

"Homicídios caem em SP, mas PM mata mais
No primeiro semestre, número de assassinatos caiu 13% no Estado; mortes causadas por policiais em serviço subiram 21,2%

Casos de roubo e latrocínio aumentaram no período; pesquisador credita queda nos homicídios ao maior investimento do Estado

JOSÉ ERNESTO CREDENDIO
DA REPORTAGEM LOCAL

O número de homicídios dolosos manteve no semestre passado a tendência de queda verificada no Estado de São Paulo desde 1999, segundo dados divulgados ontem pelo governo José Serra (PSDB).
A comparação com o mesmo período do ano passado, no entanto, revela que a Polícia Militar está matando mais e que houve pequeno aumento nos roubos e latrocínios.
O Estado registrou 2.183 assassinatos no primeiro semestre, uma redução de 13% em relação a igual período de 2007, quando houve 2.509 casos. A redução foi uniforme, tanto em São Paulo como no interior.
Na cidade de São Paulo, o número de assassinatos caiu de 777 para 630, enquanto no interior do Estado decresceu de 1.011 para 884 casos.
As demais cidades da região metropolitana também acompanham a tendência, com 52 registros a menos neste ano.
Outro dado positivo da estatística: o número deste ano representa menos da metade das 4.521 mortes ocorridas entre janeiro e junho de 2004.
O número de mortes por PMs em serviço passou de 170 para 206 (21,2% a mais), na comparação entre o primeiro semestre de 2007 e o de 2008.
São muitos casos, mas bem abaixo das 290 mortes atribuídas a policiais militares em 2006, ano em que a PM reagiu aos ataques da facção criminosa PCC. Quatro anos atrás, o número de mortos por PMs no primeiro semestre foi de 254.
A quantidade de policiais militares mortos durante o expediente se manteve em 12 casos. No mesmo período de 2006, foram 19 casos de policiais assassinados."

Assinante UOL lê mais aqui.

Em outra postagem, voltarei ao assunto.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

A crítica do capitalismo por Marx e Weber: uma aula de Michel Löwy

Na última reunião da ANPOCS, Michel Löwy proferiu uma conferência sobre as crítica ao capitalismo feitas por Marx e Weber. Abaixo, disponibilizo o vídeo. Vale a pena assisti-lo.

terça-feira, 29 de julho de 2008

O brilho da candidatura de Obama na leitura de Marcos Nobre


Marcos Nobre, professor de filosofia e colunista da Folha, em artigo publicado hoje, que reproduzo abaixo, faz uma boa análise do fenômeno que deu vida nova à política norte-americana (e não só, se você olha para a foto acima e se dá conta que 200 mil alemães foram ouvi-lo quando da sua recente passagem pelo país).

"MARCOS NOBRE

Obama
MULTIDÕES EM TRANSE por Obama. E a cobertura e as análises da mídia dizem: calma. O candidato democrata leva 200 mil pessoas para a rua na Alemanha (!). E os comentários dizem: isso pode prejudicá-lo.
Parece que está mesmo difícil aceitar a novidade. Depois da devastação conservadora, espalhou-se a sensação de que nada pode mesmo mudar muito, que política é o tédio e os cambalachos de sempre, que democracia é simplesmente a vitória do dinheiro e dos interesses. A candidatura de Obama mostra que o jogo não está jogado. E não só nos EUA.
O que Obama provocou vai muito além de uma candidatura presidencial. É a canalização de energias de transformação que pareciam perdidas.
Se for mesmo eleito, Obama não poderá jamais corresponder a essas expectativas. Mas, na situação atual, o mais importante, em primeiro lugar, é impor uma derrota ao conservadorismo. E, mais que isso, reabrir espaços de discussão e convivência democráticos que ficaram fechados por muito tempo.
Obama sabe bem aproveitar toda essa energia. Tenta colar sua imagem à de Kennedy, usando o paletó pendurado no ombro e discursando em Berlim. Parece o presidente negro daquele filme-catástrofe de Hollywood.
Ao mesmo tempo, o profissionalismo de sua equipe conta com os quadros mais experientes da campanha de Hillary Clinton e do próprio governo Bill Clinton. Diz-se que sua comitiva na visita ao Iraque contava pelo menos 20 carros.
O seu discurso é vago e genérico?
Sem dúvida. Como presidente, terá de fazer composições políticas que vão frear muito desse movimento de renovação? Com certeza. Mas o que parece mais estranho é o esforço para conter as expectativas desde já, como uma preparação para a decepção que virá. A idéia é que muita mobilização vai acabar por produzir uma imagem de arrogância e desprezo pelos EUA, colocando em risco sua eleição.
Para quem não tem qualquer simpatia por Obama, essa é uma maneira sutil de miná-lo sem ter de mostrar sua posição. Procura reforçar a sensação de arrogância ao tratá-lo já como presidente e não como um candidato em início de campanha.
Algo parecido acontece quando se diz que um governo republicano é melhor para os interesses brasileiros porque menos protecionista. Como se o Brasil se reduzisse simplesmente aos interesses das empresas instaladas aqui. Quem tem simpatia pela candidatura deveria pensar antes que o melhor de Obama é o que ele produziu. E que ganhar a eleição é de fato decisivo. Mas não mais importante do que ver as pessoas na rua mostrando sua cara."

Ricardo Abramovay, a FAO e a crise alimentar.

Já lhes apresentei, em outra oportunidade, o Abramovay. Hoje lhes indico um link para uma entrevista dele sobre a crise alimentar, o etanol e a conferência da FAO. Vale a pena dar olhada. Confira aqui.

A diva dos pés descalços

A cantora caboverdiana Cesária Évora é um fenômeno. Suas canções são ouvidas em todas as partes do mundo. Talvez seja um bom exemplo de que a chamada globalização não é uma força de mão única e que o que se produz fora das metrópoles e cidades-mundo da economia mundial (seja música, cinema, pintura ou literatura) também pode alçar longos vôos. Veja aqui uma apresentação dela cantando "sodade".

Tocando em frente.

Desde sempre, acordo cedo. É coisa de camponês. As atividades diárias começavam com o nascer do sol na minha infância. Filho de um trabalhador rural do semi-árido, herdei o hábito. Mas, em alguns dias, sei lá se motivado pela insônia da noite anterior, ou pelo peso do tempo que passa, sinto que o fardo fica um pouco mais pesado. Aí a música ajuda a recuperar as forças e enfrentar os desafios do dia. Nesses momentos, não raramente, canto prá mim mesmo uma música de Almir Sater. Aproveito e coloco aqui o link dela no you tube para você curti-la também.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Ainda sobre a "lei seca"

Hoje, na Folha de São Paulo, a Procuradora de Justiça Luiza Nagib Eluf publica um libelo em favor da lei que proíbe os motoristas de dirigerem após consumir bebidas alcoólicas. Reproduzo do artigo, intitulado "Lei Seca, uma boa idéia", a sua parte final:

"Todos deveriam se sentir aliviados, mas, estranhamente, há muitos inconformados, bradando a inconstitucionalidade, a arbitrariedade, o retrocesso, o cerceamento injustificável trazido pela lei, mas ingerir álcool e dirigir é uma rematada irresponsabilidade. Merece punição severa.
A lei nº 11.705/08 foi apelidada de "lei seca", mas, na verdade, não é. Ela não proíbe o consumo de bebida alcoólica, apenas limita as possibilidades de quem ingere álcool, proibindo-o de dirigir.
A lei seca "pegou" justamente porque estávamos precisando dela. Por sua baixa tolerância, tem importante papel educativo. O álcool não pode ser difundido a todo momento e em todos os lugares como a maior maravilha de todos os tempos, a cura para todos os males, a verdadeira diversão, pura alegria engarrafada. Está com gripe? Tome um conhaque. Está combalido? Tome um vinho. Está nervoso? Tome um uísque. Está contente?
Celebre com um champanhe. Está na praia? Tome uma caipirinha. Acabou de jantar? Tome um licor...
A pressão é enorme em favor do álcool, assumido por alguns como verdadeira religião. Quem gosta de beber não vai sofrer cerceamento, só é proibido dirigir veículo depois. Não há razão para tanta gritaria."

Assinante UOL lê o artigo completo aqui.

domingo, 27 de julho de 2008

Fátima Bezerra e Orestes Quércia: a semelhança é mera coincidência?

Setembro de 1986. Vivíamos as primeiras eleições livres para deputados, senadores e governadores de estado, após quase duas décadas de disputas garroteadas pelas legislações eleitorais fabricadas pela engenharia política dos Generais. Na ressaca das diretas, derrotadas por gente que hoje se distribui democraticamente por quase todos os partidos de nosso espectro político, o Colégio Eleitoral, no ano anterior, consagrara Tancredo Neves Presidente. Mas os deuses, brincalhões como sempre, tiraram a vida de Tancredo e nos empurraram Sarney, o vice, egresso da ARENA e do PDS. Naquele momento, o Plano Cruzado, intervenção macro-econômico de peso, que, dentre outras coisas, instituiu um controle de preços, traduzido popularmente nas figuras histéricas dos “fiscais do Sarney”, já começava a ruir. Mesmo assim, o PMDB, partido que encabeçara a Aliança Democrática (a conjunção de forças que levara a melhor sobre Maluf nas eleições indiretas), ainda se beneficiava dos efeitos positivos do Plano, em que pese o desabastecimento já começar a se sentir, especialmente nos setores de carnes e leite e derivados.

O PMDB ia bem em todo o país, menos em São Paulo. Na “locomotiva da federação”, o candidato peemedebista a governador, o então Senador Orestes Quércia, via-se abandonado até mesmo pelas candidaturas ao Senado do seu partido. Mário Covas e Fernando Henrique Cardozo, os candidatos, flertavam abertamente com Antônio Ermírio de Moraes, o nome do PTB na disputa ao governo paulista. Como diria hoje a minha enteada, a candidatura de Antônio Ermírio “bombava”. Para completar, artistas renomados declaravam apoio ao mega-empresário e ninguém menos do que Roberto Carlos era o seu garoto-propaganda na TV. Quércia já era conhecido pelo seu estilo tratorista de fazer política. Entre o seu estilo, desenvolvimentista (mas também demagógico e autoritário), e aquele do então governador paulista, Franco Montoro, mais apegado à idéias que se consagrariam somente duas décadas mais tarde (racionalização e enxugamento do Estado, respeito aos direitos humanos, responsabilidade fiscal, etc.), havia uma distância quilométrica. Não era, por certo, o candidato dos sonhos daquele grupo de peemedebistas que, três anos mais tarde, criariam o PSDB. Quércia era determinado. Impusera sua candidatura. O caipira da pequena Pedregulho derrotara internamente os engalanados doutores da capital. E estes davam o troco, mesmo que de forma velada, apoiando Antônio Ermírio.

As eleições, como todos lembram, ocorreriam no dia 15 de novembro. Em setembro restavam, portanto, menos de dois meses de campanha. E o cenário para Quércia não era nada animador. Lembro-me que o peemedebista aparecia na TV, falando com aquele seu sotaque carregado, tendo como fundo uma parede de tijolos aparentes. Pois bem, refletindo o clima da campanha, um grande jornal (ou revista, não me lembro bem) publicou uma charge na qual membros do partido vinham por trás do candidato e retiravam tijolos dessa parede.

Quércia tinha pouco tempo para a virada. E ele conseguiu. Uma feliz (para ele, obviamente) conjugação de eventos contribuiu para isso. O primeiro deles foi “Suplicy ficar fora do eixo”. O candidato do PT, Eduardo Suplicy, que, no ano anterior, obtivera uma grande votação (para os modestos padrões de voto do PT na primeira metade da década de oitenta) para prefeito de São Paulo, e, indiretamente ajudara a derrotar Fernando Henrique e eleger Jânio Quadros, perdia pontos a cada pesquisa. O petista crescera até o momento em que militantes do partido, ligados ao PCBR, realizaram um tresloucado assalto a uma agência bancária em Salvador (BA). Os paulistas começaram a fugir do então marido da Marta, e, este, com muita honestidade e pouco tino político, declarou-se em “crise existencial”. Para encontrar o seu “eixo”, pegou um livro de Paulo Coelho (“O Alquimista”) e foi se refugiar em alguma tranqüila montanha do interior. Os votos petistas deslizaram para Quércia. Um outro elemento decisivo foi um debate eleitoral ocorrido na televisão. Embora não se comunicasse tão bem quanto Maluf, outro candidato ao governo, pelo então PDS, Quércia era melhor comunicador do que Ermírio de Moraes. Mas o decisivo mesmo foi que, nesse debate, Antônio Ermírio, para mostrar o seu distanciamento de Maluf (isso era fundamental para conquistar a classe média, apoiadora de Covas e FHC), afirmou que jamais procurara Maluf no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista. Maluf, não sei se por coincidência, estava preparado: mostrou fotos de Antônio Ermírio em visitas ao Palácio e em animadas conversas com ele, Maluf. Quércia pegou a deixa e passou a se colocar como um “político sincero”. Tal como Suplicy, Antônio Ermírio perdeu o eixo (embora não tenha explicitado isso em público) e a sua candidatura desinflou de um dia para o outro. O terceiro fator, talvez o mais decisivo, foi a decisão política de Sarney, atendendo ao clamor do PMDB, de dar uma sobrevida ao Plano Cruzado e encenar a “prisão” de bois nos pastos para garantir o abastecimento de carne.

No início de novembro de 1986, covistas e fernandistas, resignados, voltavam ao regaço e declaravam juras de amor ao candidato do partido. Quércia disparou nas pesquisas e, no dia 15, venceu com folga a eleição. Para se vingar, mais aí já é outra história, quando no governo, tratou a pão e água a “quinta-coluna” peemedebista.

Quais as semelhanças entre Fátima Bezerra e Orestes Quércia? Vejamos. Fátima entrou em 2008 derrotada politicamente no PT. Seu agrupamento político perdera as eleições para os diretórios estadual e municipal de Natal. O grupo ligado ao Deputado Fernando Mineiro (a "Articulação") parecia, enfim, ter se livrado do convívio forçado e nada amistoso com o “pessoal da Fátima” no mesmo condomínio político (a direção do partido). E Mineiro pareceu pilotar sua nave política em céu de brigadeiro por alguns dias. Lançou-se pré-candidato e, em que pese a fragilidade estrutural do partido na capital (destroçado financeiramente), tinha alguma chance, se não de ganhar as eleições municipais, ao menos de “fazer o debate político” e deixar claro o que o PT propõe para a capital potiguar. Mas, Fátima, tal qual Quércia, sabe jogar e é persistente. Lançou um balão de ensaio, a candidatura de Vírginia Ferreira, e enquanto Mineiro se preparava para enfrentar a “novidade”, a deputada articulava, “por cima”, a união da base de apoio ao Governo Lula em torno do seu nome. O petismo, refém da balela de que as eleições municipais são decisivas para a governabilidade presidencial e para as eleições seguintes (essa proposição, lembremos, construiu em 2004 o desastre do Mensalão em 2005), deixou-se enredar pelo canto de sereia da união da base aliada. E em seu nome sacrificou tudo. Até a eleição de um representante na Câmara Municipal.

Fátima, como Quércia, foi beneficiada pelos erros de uns (a "Articulaçao" e a maioria dos petistas) e as espertezas de outros. Coloquemos entre os espertos alguns dos grandes jogadores políticos do RN neste momento (a Governadora Wilma de Faria, o Senador Garibaldi Filho e o prefeito de Natal, Carlo Eduardo Alves), os quais têm que jogar e estabelecer parcerias, mas não têm nenhuma confiança um nos outros. A candidatura de Vírginia, por exemplo, seria ideal para Carlos Eduardo, mas era inaceitável para Wilma e Garibaldi. Rogério Marinho, candidato de parte do wilmismo, era inaceitável para Carlos Eduardo. O PMDB, sem um nome forte, poderia até jogar com Micarla, mas aí não ficaria bem com o Palácio do Planalto, e Garibaldi, bom jogador que é, sabe que brigar com Lula é um desastre, especialmente tendo em vista sua ampla base de apoio no interior (que apóia Lula e, ao mesmo tempo, precisa da proximidade de um Presidente do Senado que é parceiro do presidente). Nesse quadro, Fátima surgiu como uma opção razoável. Como estão empenhados em embaralhar as cartas com vistas a 2010, os jogadores não podem se dar ao luxo de jogadas arriscadas. Precisam estar de bem com o Palácio do Planalto, e, ao mesmo tempo, não podem trabalhar com a hipótese do fortalecimento extraordinário de nenhum deles. Com a candidatura de Fátima, eles nem perdem e nem ganham. E, sejamos sinceros, Fátima sendo eleita ou não.

Espertos, os jogadores fizeram o acordo e ficaram esperando para vê no que ia dar. Na esperteza, foram arrogantes. Deixaram de fora nada menos do que o Presidente da Assembléia Legislativa, o deputado Robinson Faria, e João Maia, deputado federal do PR, que conta com uma base política em franco crescimento no interior do estado. E estes decidiram não vir a reboque. O que fazer? Na última hora, encontraram uma solução: Fátima abdicar da postulação em nome de João Maia. Mas aí já era tarde! Estávamos no último dia para as convenções partidárias, e o PT não aceitou mais essa re-arrumação. Fátima teve sangue-frio, manteve-se firme e pagou pra ver. Os outros recuaram e a sua candidatura foi confirmada.

Fátima fez o estilo Geraldo Alkimim (eis aí outro paulista do interior a destronar a finesse paulistana): atropelou internamente os adversários e se impôs aos aliados. Mineiro, Rogério Marinho, Virginia e João Maia foram jogados de escanteio para que ela pudesse ser A CANDIDATA. “Jogou bem”, dizem-me, com indisfarçável orgulho, alguns amigos petistas. Pode até ser. Mas qual o preço que o PT pagará pela candidatura de Fátima? O partido teve que fechar uma aliança para a Câmara Municipal com o PMDB e o PSB. O que isso significa? Nunca nenhum candidato a vereador do PT ultrapassou os seis mil votos em Natal. Ora, esse é o número de votos alcançados pelos eleitos em último lugar nos dois partidos aliados. Assim, para garantir a candidatura de Fátima, o PT teve de entregar o seu histórico e cobiçado voto de legenda para ajudar, dentre outros, candidatos apanhados pela chamada “Operação Impacto”. Teve mais: o PT aceitou o veto imposto por neo-aliados à aliança com o partido de Osório Jácome, vereador que tem tido uma atuação destacada e pontuada pela proposição de debates públicos substantivos. Osório, representante dos evangélicos progressistas, esperou até o último momento por uma aliança com o PT. Excluído, restou-lhe buscar espaço junto à coligação de Wolber Júnior.

Fátima está, neste final de julho, como Quércia estava em setembro de 1986. Com um diferencial positivo: não se conhece (pelo menos até agora!) um petismo quinta-coluna. Mineiro não se comportou como Covas e FHC em 1986. É um homem de partido (ainda existem esses, acredite!). Engoliu em seco a derrota e dedica-se à defesa da candidatura de Fátima com o ardor de um cristão-novo. Nos últimos dias, tal qual o César Maia nas últimas eleições presidenciais, faz cálculos criativos com base em pesquisas eleitorais francamente desfavoráveis para a sua candidata para mostrar à “militância” (sobre a existência dessa “entidade”, sim, tenho dúvidas) que é “possível uma virada”.

Com o que conta, então, a deputada petista para construir a sua virada? Com um “fato novo” em um debate? Micarla, a sua principal adversária e líder disparada nas pesquisas eleitorais no momento, é uma incógnita nesse quesito. À parte isso, o fato é que os próprios debates não têm o mesmo peso político das décadas anteriores. Com a popularidade e o apoio de Lula? As eleições municipais são sempre menos nacionais do que desejam os petistas. A “transferência de votos” do presidente deve ser, portanto, relativizada. Com o tempo na televisão? Fátima terá um horário eleitoral esticado (cerca de dez minutos, três a mais do que Micarla), mas tempo de sobra na TV nem sempre é um fator positivo. Nas eleições presidenciais de 1989, para tomar um exemplo, Aureliano Chaves, do PFL (atual DEM), dispunha do maior tempo no horário eleitoral. Abertas as urnas, tirou menos de dois por cento dos votos e ficou bem atrás de um candidato cujo tempo de TV era suficiente apenas para a verberação de um bordão: “meu nome é Enéas!”.

Por outro lado, a alta “taxa de alheamento do processo eleitoral” (em Natal quase 50% dos eleitores ainda não decidiram em quem votar nas próximas eleições) possibilita a emergência de cenários imprevisíveis. Mas, quem pode contar com o imponderável? Nas últimas eleições para prefeito na capital potiguar, um candidato que propunha a “construção de uma ponte ligando Natal a Ilha de Fernando de Noronha” (sic) obteve 20% dos votos. Os chamados “cacarecos” assomam sempre nesses momentos de indefinições.

Fátima, como Quércia, é persistente. E esse é um traço importante para quem se dispõe a jogar o jogo pesado das disputas eleitorais no Brasil. A sua candidatura atropelou muita gente e isso cria ressentimentos. Mas, como sabemos de há muito, os ressentimentos em política são facilmente superados com a perspectiva de proximidade com o poder. Até o final de agosto, Fátima precisa crescer nas pesquisas para, como Quércia no início de novembro de 1986, começar a contar com o retorno dos descontentes. Só assim poderá criar condições para vencer a disputa.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Um texto fundamental da análise de redes

A análise de redes (netork analysis) é um dos movimentos teóricos mais importantes da sociologia nas duas últimas décadas. Situa-se naquele campo de intersecção entre a sociologia e a ciência política e incorpora aportes advindos de tradições distintas (neo-institucionalismo, sociologia econômica, teoria bourdieusiana da prática, dentre outras). Tem ancorado importantes pesquisas também na história (não poucos investigadores têm aplicado a análises de redes como modelo para lançar novas luzes sobre momentos históricos específicos, sendo o exemplo clássico o de um trabalho sobre os Médicis - o qual citarei em outra oportunidade). Mas a análise de redes, ao potencializar uma renovação da "sociologia relacional", também pode ser considerada, nos termos de Jeffrey Alexander, como um "novo movimento teórico". E, se a assertiva anterior tiver algum sentido, o texto fundador desse "movimento" é, sem dúvida, "Manifesto for a relational sociology".

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Um ótimo blog sobre saúde coletiva, medicina e produção científica em geral

São tantos os blogues... Tem gente que me diz que nem tem mais disposição para olhar nada. É o cansaço com a internet. Mas, acreditem, vale a pena navegar por alguns desses "veículos". Paulo Lotufo, professor de medicina da USP, mantém um blog que é, segundo a sua apresentação, um "espaço destinado à informação e ao debate de assuntos relacionados à demografia, epidemiologia, história da medicina, indústria farmacêutica e economia em saúde no Brasil e no mundo". Eu acesso diariamente e garanto a sua qualidade e nível de informação. Dê um olhada aqui.

O etanol brasileiro e o mercado internacional na ótica da NSE

O Professor Ricardo Abramovay, generosamente, disponibiliza em sua página na internet artigos publicados na imprensa diária e em periódicos. Professor da FEA/USP, Abramovay é um dos mais importantes cientistas sociais brasileiros da atualidade. Suas pesquisas sobre o rural brasileiro são conhecidas pelo público da área. Nos últimos anos tem incorporado fortemente os aportes da Nova Sociologia Econômica às suas análises. Neste post, destaco, pela importância do assunto, artigo por ele publicado no jornal Valor Econômico. Intitulado "A construção política das instituições de mercado", o texto trata basicamente procura responder à seguinte questão: "Como explicar a tão forte oposição internacional ao etanol brasileiro?". Leia-o aqui.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

A construção social do mercado de drogas

Uma análise criativa e corajosa sobre as condições de trabalho no mercado de drogas no Rio de Janeiro, levando em conta os aportes de Karl Polanyi, autor de "A grande transformação", obra de referência da Nova Sociologia Econômica, foi feita pelo Professor Michel Misse (UFRJ) em Mesa redonda ocorrida no Encontro Anual da ANPOCS de 2007. O título da mesa redonda, da qual também participou a Professora Adriana Piscitelli (UNICAMP), era "O mundo do trabalho pelo avesso". A intervenção de Misse, depois transformada em artigo (eu colocarei o link do mesmo em outra postagem), pode ser acompanhada aqui.

MÚSICA PARA ALEGRAR A ALMA




Para os amantes da boa música, a cantora Fortuna dispensa apresentações. Eu, provinciano e idolátra dos adjetivos, sinto a pobreza do meu vocabulário para dizer-lhe quão lindas ficam as músicas quando cantadas por ela. O CD Caelestia, com participação do Coro de Monges Beneditinos do Mosteiro de São Bento (São Paulo), lançado em 2005, é uma das melhores produções musicais brasileiras dos últimos anos. Se você tem ou não uma filiação religiosa (e qualquer que seja ela), não importa, tenho certeza de que haverá de se emocionar com a performance da artista cantando "Bendigamos al altissimo", música da tradição sefaradita. Quer conhecê-la mais? Acesso ao seu site.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Homicídios, tráfico de drogas e crise juvenil em Natal (RN): por que as candidaturas à prefeitura precisam se posicionar sobre essas questões.

Homicídios, tráfico de drogas e crise juvenil se desenrolam nas paisagens destituídas de atrações turísticas das regiões periféricas de Natal e ceifam vidas de jovens pobres e negros. O que a/o próximo prefeita/o da capital do RN tem a dizer a respeito? E, mais importante, o que ela (ou ele, sei lá!) propõe-se a fazer a respeito? No que segue, trato dessa questão e tento apontar um caminho para a intervenção do poder público municipal nessa dramática realidade.

Em 2007, segundo levantamento realizado pela Coordenadoria de Direitos Humanos e das Minorias da Secretaria de Justiça e Cidadania do RN, ocorreram 322 homicídios no município de Natal. Quase um homicídio por dia! Desse total, segundo análise preliminar que ainda estou realizando, mais de 90% das vítimas eram jovens com idade entre 15 e 27 anos, pertenciam ao sexo masculino e residiam em bairros periféricos de Natal (RN), especialmente na Zona Norte. Quando ouvidas a respeito, as autoridades policiais locais, invariavelmente, atribuem as mortes à guerra de gangues e a ação de grupos de extermínio. A causa dessa verdadeira guerra é facilmente identificada por essas mesmas autoridades: o resultado do ajuste de contas, cobranças de dívidas e disputas por controles de territórios e espaços sociais por grupos ligados ao tráfico de drogas.

Mesmo se levarmos em conta o necessário distanciamento crítico que devemos ter em relação a discursos pouco fundamentados em resultados finais de inquéritos policiais concluídos, como é o habitual no posicionamento das nossas autoridades policiais, não restam dúvidas a respeito da dramaticidade da violência na capital do Rio Grande do Norte. E essa realidade é não apenas uma reversão de tendência anterior (de queda relativa na taxa de homicídios), mas também a expressão de uma situação que é frontalmente contraditória com a situação mais geral de ligeira queda da taxa de homicídios no país na última década. Pode-se, e deve-se, discutir causas e razões mais profundas desse quadro. Entretanto, neste momento, mesmo contando com informações ainda pouco sistematizadas, podemos apontar alguns elementos que são fundamentais para um diagnóstico aprofundado e para a formulação de um conjunto de ações e projetos de enfrentamento desse quadro. Fazemo-lo por entendermos que a disputa eleitoral que se avizinha pode vir a se constituir em um momento privilegiado para um debate sério sobre essa questão decisiva para a construção de uma cidade cidadã e segura. O entendimento subjacente a esse posicionamento, como já adiantei em postagem anterior, é o de que o poder público municipal não pode se alhear das questões relacionadas à segurança pública.

1. O TRÁFICO DE DROGAS É MAIOR AMEAÇA À PAZ E A SEGURANÇA URBANA EM NATAL
Se no mundo social das grandes metrópoles, penso particularmente em São Paulo, uma droga como o crack funciona como um elemento devastador e como base impulsionadora de delitos e de aniquilamento físico e psíquico de jovens e adolescentes, nos bairros periféricos de Natal a disseminação dessa droga tem afetado muito mais profundamente o tecido social. Uma das primeiras conseqüências da expansão do crack tem sido a destruição da segurança ontológica da família. Isso porque, nessa realidade, inexiste experiência anterior significativa com drogas que possam funcionar como referência a ser mobilizada nas dolorosas situações em que os parentes (pais e mães, particularmente) descobrem que um dos seus se tornou um usuário ou pequeno traficante.

Os desdobramentos cruéis dessa situação – furtos em casa, busca de “soluções” pela adesão a algum culto religioso e que termina com o acompanhamento impotente das ameaças de morte e execução de seus filhos, filhas ou irmãos – se traduzem em um aumento da sensação de insegurança e, não raramente, na perda de sentido existencial. O seu corolário é a emergência de um sofrimento social que se expressa através do absenteísmo político (produzindo uma descrença generalizada em relação a qualquer ação de mudança sobre o mundo) e em um velado ressentimento contra os que não foram atingidos pelo mesmo drama. Essa situação corrói os as bases da solidariedade comunitária e diminui as possibilidades de atuar positivamente sobre o seu próprio sofrimento. Fraturas familiares (aumento de separações conjugais e da violência intrafamiliar), alcoolismo e depressão, eis alguns dos outros efeitos perversos da expansão do consumo do crack nas regiões periféricas.

2. O IMPACTO DEVASTADADOR DO ALCOOL COMO MEDIADOR DAS RELAÇÕES ENTRE JOVENS E ADOLESCENTES

Nos canteiros e praças das ruas de muitos bairros da capital, muitas vezes na proximidade de colégios, pequenos bares e lanchonetes, precariamente instalados nos espaços públicos, são pontos de reunião e de consumo de bebidas alcoólicas. Nesses locais, quase sempre, predomina a presença de jovens e até adolescentes. Se o consumo de bebidas alcoólicas atinge e provoca sofrimentos também no universo da classe média (basta se levar em conta o seu impacto sobre os acidentes de trânsito!), o seu efeito destrutivo é muito maior entre os jovens das classes populares. Não apenas porque as famílias têm menos recursos para enfrentar os efeitos do envolvimento de seus parentes com o consumo (e o vício) do álcool, mas também, e esse é o lado mais perverso e devastador do consumo de bebidas alcoólicas nesse universo, porque isso implica, na maioria das vezes, no estancamento do já difícil processo de mobilidade social desses jovens e de suas famílias. Isso porque, quanto mais bebem mais eles se afastam da única e frágil ponte para a sua melhoria de suas vidas: a escola.

3. A CRISE JUVENIL E SEUS DESDOBRAMENTOS

A sensação de fechamento de horizontes emerge cedo entre os jovens das classes populares. Embora essa não seja uma situação específica de Natal, nesta cidade, dominada pelas paisagens e locais destinados ao consumo de luxo das atividades turísticas, essa é uma sensação que pesa mais fortemente. E essa sensação é a expressão da derrota de conquistar os requisitos necessários para o reconhecimento em universo no qual as identidades pessoais são, em grande parte, modeladas pelos objetos de consumo.

Os dados a respeito do desempenho dos estudantes das redes públicas de ensino da região da Grande Natal, realizados pelo MEC, são preocupantes. Se há registro de algum avanço no ensino fundamental, no nível médio, desafortunadamente, a situação continua quase inalterada. E sabemos bem qual realidade o baixo desempenho no ENEM traduz: reprovação, absenteísmo e mera matrícula formal nas escolas. E os dados extra-oficiais, fornecidos pelos diretores de escolas, dão contornos mais cinzas a esse quadro ao apontar os altos índices de evasão escolar. Ora, a exclusão do universo escolar tem conseqüências sociais e culturais significativas. Normalmente, adolescentes e jovens vivenciam a sensação de perda da capacidade integradora da escola (como “um lugar social” que poderia fornecer elementos vitais como identidade e expectativas de mobilidade social) como uma amarga constatação das suas limitações de afirmação pessoal e sucesso.

Por outro lado, conhecedores do inacessível universo de consumo (e do seu aparecer social), especialmente, como já afirmei mais acima, em uma cidade como Natal, esses jovens não se satisfazem mais com a vida e as conquistas da geração de seus pais. Não raramente, desdenham de “vitórias” que se expressam na aquisição de bens como geladeiras, televisão e frágeis casas próprias. Querem mais do que isso, embora, dolorosamente, nem mesmo “isso” esteja facilmente ao seu alcance.
A frustração do jovem ou adolescente que se percebe sem “lugar no mundo” é continuamente alimentada pelos sentimentos de injustiça e do não-reconhecimento. Quando a tradição (e os seus ritos e papéis) não parece ter sentido, abre-se uma avenida para que se comece a projetar caminhos alternativos (“mágicos” e desastrosos, como sabemos) para uma afirmação de si na única dimensão da vida social passível de conferir reconhecimento nos dias que correm: o consumo. E, assim, como que prisioneiros de um círculo de giz, esses jovens, buscam no inatingível consumo a afirmação como sujeitos.

Nesse universo, a ação social afirmativa, base de movimentos, é continuamente solapada pela descrença e pelo conformismo. Por isso mesmo, a revolta quando emerge, e ela assoma de vez em quando, dirige-se contra pessoas e não estruturas. Transmuta-se em atos de vandalismo, agressividade contra os mais próximos (especialmente os mais vulneráveis!) e em destruição de bens e espaços públicos.
O déficit educacional e uma socialização predominantemente horizontal (na medida em que se aprende, e se torna “gente”, mais na vivência com os amigos da mesma idade do que com a escola ou com os parentes mais velhos) desabilitam uma boa parte desses jovens para o exercício de atividades de trabalho que têm como pré-requisitos a disciplina (do corpo, do tempo e do espaço) e o respeito à autoridade. E, na medida em que rejeitam o penoso trabalho de seus pais como alternativa, não raro, sujeitam-se à “ficar à deriva”, sobrevivendo de pequenos expedientes. E as atividades criminosas, que seguem em uma onda concêntrica, de Natal para as demais cidades da região metropolitana, terminam se constituindo em uma “alternativa”.

E O QUE PODE FAZER A/O PRÓXIMA PREFEITA/O DE NATAL DIANTE DE TUDO ISSO?

Ora, o que está posto acima são traços e expressões locais de uma questão social mais ampla e nem mesmo as três esferas de governo atuando juntas e concertadas, poderiam mudar muito esse quadro, dizem-me não poucos interlocutores. Outros, com desdém, afirmam que “segurança pública não é questão precípua do poder municipal”. Afirmo-lhes que um governo municipal orientando pela ampliação da cidadania não apenas não pode ficar alheio a essa situação, mas, pelo contrário, deve atuar fortemente sobre ela, tomando-a como foco central de sua ação nos próximos anos. Apoio-me em uma proposição, formulada pelo ex-prefeito de Porto Alegre, Raul Pont, em um debate a que tive oportunidade de assistir há alguns anos: “as prefeituras municipais devem ser concebidas como vanguardas sociais”, isto é, como instâncias governamentais que, estando mais próximas dos cidadãos e de seus problemas, mobilizam pessoas, entidades e outras instâncias de governo para enfrentar problemas bem identificados. Em politiquês acadêmico, denomina-se isso de “liderança governamental”.

Apoiado nessa perspectiva, entendo que um(a) candidato(a) ao governo municipal da cidade do Natal que realmente queira politizar o próximo processo eleitoral local não deveria temer enfrentar as questões que encimam este post. Até porque, reconheçamos, elas têm sido, pelo menos até aqui, monopólio dos demagogos e da direita tradicional. Talvez assim, quem sabe, teríamos a oportunidade de ouvir uma(o) candidata formulando o seguinte compromisso: “VAMOS DISPUTAR CADA CRIANÇA, ADOLESCENTE E JOVEM DESTA CIDADE QUE ESTEJA SOB INFLUÊNCIA DO TRÁFICO DE DROGAS!”.

E, se a frase acima for a expressão de uma escolha política séria e aprofundada, esse candidato ou candidata proporá um conjunto de ações factíveis para dar substância à sua escolha. E nem precisaria se preocupar em formular coisas muito mirabolantes, bastar analisar tomar como referência experiências já realizadas em cidades como Diadema (SP) e Belo Horizonte. Da primeira, traria importantes lições sobre como a Guarda Municipal pode vir a se constituir em uma força catalisadora de energias para enfrentar altas taxas de homicídios. Já de Belo Horizonte, buscaria informações a respeito do projeto “Fique vivo”.

Objetivamente, uma boa intervenção de um governo municipal na segurança pública em Natal deve se orientar por três objetivos básicos:
1) Formular e desenvolver projetos e programas direcionados para a diminuição substantiva da delinqüência na cidade do Natal;
2) Promover ações que levem à redução da vitimização (particularmente homicídios, estupros, agressões físicas e ameaças à integridade das pessoas) na cidade;
3) Realizar intervenções diretas objetivando a retirada de jovens e adolescentes do raio de influência do tráfico de drogas e do crime organizado;
4) Criar espaços e eventos que funcionem como alternativas e atrações para jovens e adolescentes envolvidos com o consumo de drogas e gangues.

Tais objetivos poderiam se traduzir nas seguintes ações e projetos:

a)Com base na condensação de informações científicas sobre as ocorrências policiais na Cidade do Natal, identificar áreas prioritárias de intervenção social (APIS). Seguindo o modelo preconizado pelo Governo Federal no PRONASCI, cada APIS terá uma coordenação específica e procurará articular, com para alcançar os objetivos acima, as ações dos órgãos da Prefeitura atuantes na região;

b)A prefeita (ou prefeito, vá lá, tudo é possível) deve articular com a bancada federal do estado a inclusão da Grande Natal como região prioritária (para receber forças policiais e recursos) do PRONASCI;

c)Campanha e apoio a ações da PM e da Polícia Civil para o desarmamento. O número de homicídios perpetrados por armas de fogo foi significativo nos últimos doze meses em Natal. Por isso, campanhas pelo desarmamento, além do apoio da Guarda Municipal e da STTU à ações de desarmamento promovidas pelos órgãos policiais são fundamentais;

d)Articular espaços de encontro e sociabilidade nas comunidades periféricas. Muitos conflitos interpessoais que resultam em mortes ocorrem em bares. Isso porque, quando o bar é o único espaço de sociabilidade disponível, a tendência é o aumento de conflitos e agressões. Some-se a isso a ampliação do alcoolismo e da visibilidade pública de comportamentos socialmente indesejados. Para enfrentar essa realidade, através da mobilização da Fundação Capitania das Artes, a Prefeitura da Cidade do Natal deverá realizar atividades culturais nas comunidades e bairros periféricos;

e)Criar um Programa Municipal de Apoio Psicológico às vítimas diretas e “ocultas” da violência em Natal. Quando ocorre um homicídio, a vítima nunca é apenas a pessoa assassinada. Estudos psicológicos e criminológicos, conduzidos dentre outros pelo Professor Gláucio Ary Dillon Soares, indicam que, além da vítima primeiramente identificada, outras vítimas (ocultas) padecem de sofrimento e perdas irreparáveis. São não apenas pais, filhos, irmãos e amigos do(a) assassinado (a), mas também todos os que, direta ou indiretamente, entraram em contato com o evento, como as testemunhas (policiais, pessoal do SAMU, médicos, etc.). A PMN deve implantar um amplo programa de apoio à essas vítimas, contratar psicólogos e montar um serviço específico com esse objetivo nos serviços municipais de saúde.

Em uma outra postagem tratarei do seguinte tópico:
PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS DE UMA INTERVENÇÃO DA PREFEITURA MUNICIPAL NA SEGURANÇA PÚBLICA DE NATAL

Sobre a Lei Seca e a "Nova Direita"

Hoje bem cedo, ouvindo a CBN enquanto preparava o café da manhã, fui informado de que, em Minas Gerais, um advogado obteve liminar garantindo-lhe o "direito" de não se submeter ao bafômetro. Nos sites e blogues da chamada "nova direita" (falo depois sobre a dita cuja!), no geral, há uma histeria contra a nova lei e a atuação policial contra os que dirigem após ingerir bebidas alcoolicas. Tudo em nome das "liberdades individuais". Seria cômico, não fosse trágico. Reproduz-se, agora, o mesmo discurso do plebiscito sobre as armas. Em um páis no qual uma das músicas de sucesso, já há algum tempo, é "beber, cair e levantar" e onde o número de mortes ligadas aos acidentes de trânsito, a nova lei seca faz parte de nosso processo civilizacional. Deve ser defendida como uma medida a favor da vida. Aproveito para reproduzir, abaixo, parte de artigo do Dr. Dráuzio Varella, publicado no jornal Folha de São Paulo do dia 19.

DRAUZIO VARELLA

Lei seca no trânsito

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Tem cabimento ingerir uma droga que altera os reflexos e sair por aí pilotando uma máquina?
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GOSTO DE BEBER, e confesso sem o menor sentimento de culpa. Álcool, de vez em quando, em quantidade pequena, dá prazer sem fazer mal à maioria das pessoas. Aos sábados e domingos, quando estou de folga, tomo uma cachaça antes do almoço, hábito adquirido com os carcereiros da antiga Casa de Detenção. Difícil é escolher a marca, o Brasil produz variedade incrível. Tomo uma, ocasionalmente duas, jamais a terceira. Essa é a vantagem em relação às bebidas adocicadas que você bebe feito refresco, sem se dar conta das conseqüências. Cachaça impõe respeito, o usuário sabe com quem está lidando: exagerou, é vexame na certa.
Cerveja, tomo de vez em quando. O primeiro gole é um bálsamo para o espírito; no calor, depois de um dia de trabalho e horas no trânsito, transporta o cidadão do inferno para o paraíso. O gole seguinte já não é igual, infelizmente. A segunda latinha decepciona, deixa até um resíduo amargo; a terceira encharca.
Uísque e vodca, só tenho em casa para oferecer às visitas.
De vinho eu gosto, mas tomo pouco, porque pesa no estômago. Além disso, meu paladar primitivo não permite reconhecer notas de baunilha ou sabores trufados; não tenho idéia do que seja uma trava sutil de tanino, nem o aroma de cassis pisado, nem o frescor de framboesas do campo. Em meu embotamento olfato-gustativo, faço coro com os que admitem apenas três comentários diante de um copo de vinho: é bom, é ruim, e bebe e não enche o saco.
Feita essa premissa, quero deixar claro ser a favor da chamada lei seca no trânsito.

Assinante UOL leia mais aqui.

Um texto de Marcos Rolim

O ex-deputado federal Marcos Rolim é uma das figuras mais inteligentes que tive oportunidade de conhecer. Quando, na já distante década de oitenta, a militância política da esquerda, especialmente aquela ancorada no PT, satisfazia-se com os lugares-comuns das análises políticas superficiais e sobredeterminadas ideologicamente, Rolim, navengando contra a corrente, apontava novos pontos de pauta e indicava novos alvos de crítica. Pagava um alto preço por isso. Foi um parlamentar brilhante e sua atuação destacada mereceu reconhecimento, especialmente de entidades ligadas à defesa dos direitos humanos. Mas, talvez o Rolim fosse bom demais para o parlamento brasileiro. Nos últimos anos, distante da militância partidária, dedica-se à consultoria na área de direitos humanos e segurança pública. Continua com a mesma verve e o grande tino político. Reproduzo, abaixo, texto de sua autoria sobre as prisões relacionadas ao caso Daniel Dantas.

DEMOCRACIA E REPÚBLICA DOS DEMÔNIOS
19 de julho de 2008
Marcos Rolim
Jornalista

A democracia não é óbvia. Há que pense, por exemplo, que ela é o regime que consagra a vontade da maioria. Triste e perigoso engano. Uma República dos Demônios, diria Kant, seria então “democrática”. Não. A democracia é o regime orientado pela vontade da maioria e que respeita os direitos da minoria. Por isso, há determinados temas que não são suscetíveis de votação; que estão fora da regra de maioria e que integram as chamadas “cláusulas pétreas” da Constituição.
A “Operação Satyagraha” da Polícia Federal tem provocado um debate sobre democracia que pode ser muito útil. A Polícia Federal está realizando um trabalho histórico e demonstrando o quanto pode produzir uma polícia inteligente – o que significa sobretudo não produzir cadáveres, mas provas. A instituição, então, merece a admiração pública que vem conquistando e deve persistir em seus esforços na luta contra a corrupção que parasita a Nação. Alguns dos seus procedimentos, entretanto, são mais do que discutíveis. Elenco três deles: a) a PF tem vazado informações de seus inquéritos, permitindo que suspeições já não aceitas pelo Poder Judiciário como razoáveis cheguem à imprensa. Boa parte da mídia, então, produz notícias que atingem de forma avassaladora a imagem de pessoas que são inocentes – como todas as demais – até prova em contrário. b) ordens de prisão devem ser cumpridas sem que a mídia seja avisada (na verdade, a mídia não foi avisada, apenas a Rede Globo). Exibir a imagem de pessoas sendo presas em suas residências é ato de humilhação que, ironicamente, contraria tudo aquilo que Gandhi pretendeu como “Satyagrahi” (aquele que pratica a filosofia da não-violência) e c) algemas não são instrumentos-padrão. O uso de algemas é técnica a ser empregada diante do risco de resistência. Por isso, normalmente, algemas não são necessárias, porque – como regra – as pessoas não reagem à prisão e o farão com muito menor probabilidade diante de operações que empregam expressivo aparato. Estas e outras questões valem para qualquer prisão, seja o acusado rico ou pobre. É claro, no Brasil, poucas pessoas dão alguma importância à humilhação sofrida pelos pobres quando estes são presos. Como não sou um deles, sinto-me mais à vontade para dizer: não devemos universalizar o desrespeito e a humilhação, mas o respeito e o tratamento digno.

Por fim, entendo que a prisão preventiva de Daniel Dantas poderia ter sido decretada, porque sua liberdade provisória coloca em risco a instrução criminal. O Ministro Gilmar Mendes entendeu o contrário, e o fez com agilidade impressionante. Ainda assim, o chavão “a polícia prende, o judiciário solta” - que aparece tantas vezes no debate público como uma crítica radical – traduz uma ameaça. Já imaginaram o que seria viver em um país onde a polícia prendesse e o judiciário não soltasse? O que se perde de vista com o chavão é que prisão é, como regra, o resultado de sentença transitada em julgado. Em alguns poucos casos, a lei admite a prisão anterior ao julgamento, mas a regra do processo penal é a liberdade. Ainda bem. Não fosse assim, estaríamos em uma “República dos Demônios”.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

A sociologia e a corrupção: uma dica de leitura.

Um moralismo, via de regra rente ao senso comum, alimenta as análises sobre a corrupção no Brasil. Que esse tipo de abordagem predomine nos jornalões, vá lá, a gente até entende, mas quando cientistas sociais põem-se a escrever sobre a corrupção de forma geral e a-histórica, dá pena. Mark Granovetter, um dos mais importantes nomes da Nova Sociologia Econômica, escreveu recentemente um interessante artigo sobre o tema. Foi traduzido para o português e publicado na revista Política & Sociedade. Leia aqui o artigo.

Amor, sexo e dinheiro segundo a NSE

A nova sociologia econômica (NSE) tem sido um dos mais férteis movimentos teóricos da sociologia nos últimos anos. Investigações singulares têm sido desenvolvidas ancoradas em suas contribuições teóricas. Das redes criminosas ao mercado de serviços sexuais, passando pela construção social do consumo do vinho, é vasta a possibilidade de aplicação dos insights da NSE. Há algum tempo, publiquei artigo na revista Política & Sociedade sobre turismo e mercado do sexo no qual busquei incorporar alguns dos aportes da NSE. Leia aqui o meu artigo.

SOBRE A ÚLTIMA PESQUISA ELEITORAL PARA A PREFEITURA DE NATAL

A pesquisa eleitoral publicada no último final de semana pelo Diário de Natal/O poti não pode ser levada muito a sério. Não que não seja uma pesquisa séria, mas é que ela diz muito pouco da disputa eleitoral que recém começa e do quadro que, acredito, só estará melhor definido no final de agosto. O único dado realmente significativo da nova pesquisa é que quase 50% dos eleitores ainda não definiu em quem votará em outubro. Nesse sentido, vale a pena ler análise sobre as últimas pesquisas eleitorais feita pelo Prefeito César Maia em seu Ex-Blog. Advirto aos patrulheiros de carteirinha que o prefeito do Rio, discordâncias políticas à parte, tem uma grande capacidade de análise dos processos eleitorais (obviamente, algumas vezes, enfia o pé na jaca, como nas suas análises sobre as eleições presidenciais passadas, mas, no geral, tem uma boa visão do que é uma eleição municipal no Brasil).

"TAXA DE ALHEAMENTO DO ELEITOR, MAIOR QUE NUNCA!

1. A última pesquisa do Ibope realizada entre 15 e 17 de julho- vem prejudicada pelos fortes acontecimentos que comoveram a opinião pública carioca naqueles dias, com a tragédia da morte de um menino fuzilado por uma ação desastrada da polícia. Nem o Ibope, nem o Estado de SP, nem a TV Globo tem culpa. Mas esta é uma pesquisa que deve ser desconsiderada. A taxa de não-voto (nulo+branco+não sabe+não respondeu) cresceu para 32% (uma semana antes eram 20%). Todos caíram. Mas quando há um choque de opinião, a distribuição dos que desistiram de escolher candidato é totalmente aleatória e portanto qualquer um poderia ter caído mais ou menos. No caso dos 3 que estão empatados em terceiro lugar há 45 dias, estatisticamente não há diferença em função do aumento do não-voto em 50%.

2. Mas é mais complexo do que isso. As pesquisas que vão se sucedendo mostram uma enorme volatilidade de quase todos os candidatos. Muitas vezes uma mesma porcentagem não traduz um mesmo perfil de eleitor. Analisando um período de 3 meses, o que menos flutua sob qualquer ponto de vista é o candidato do PSOL, sempre na faixa dos 5%.

3. Este Ex-Blog já chamou a atenção quanto a inexistência de pré-campanha em 2008, seja pelos limites da legislação, seja pelos fatos de grande repercussão que ocorreram no primeiro semestre e desviaram a atenção. A pesquisa do Ibope se comparada a outras e se supõe, as anteriores do próprio Ibope mostrou um aumento de pelo menos 12 pontos no "não-voto".

4. Em Belo Horizonte, esta mesma pesquisa do Ibope-ESP-TVG dá ao candidato do governador e do prefeito da capital, com toda a divulgação de imprensa, meros 8%. Os líderes têm 17% e 14%. Mas o surpreendente é que em BH, o "não voto" alcançou nessa pesquisa 49% das intenções de voto. Rio e Belo Horizonte são as capitais em que as Taxas de Alheamento, são as maiores do Brasil.

5. O melhor que fariam os contratantes dessa pesquisa num quadro de clamor público é deixá-la de lado, esperar um pouco, e contratar outra."

quarta-feira, 16 de julho de 2008

A ÚLTIMA BATALHA DO CAMPO: os intelectuais e as ações afirmativas no Governo Lula




O debate sobre as ações afirmativas e as políticas de enfrentamento ao racismo no Brasil, propostas pelo Governo Lula ou por parlamentares isolados, como é o caso do Senador Paulo Paim (PT-RS), ganhou, a partir do segundo semestre de 2005, proporções jamais imaginada. Uma discussão que, até aquele momento, empolgava muito pouco, e sobre a qual a chamada opinião pública mantinha uma razoável indiferença, adentrou o universo dos mídias e conquistou inaudita visibilidade. O ambiente político de fundo daquele ano, marcado pela emergência do chamado “escândalo do Mensalão”, o plebiscito sobre a proibição da venda de armas e as inquietações provocadas pela reeleição do Presidente Lula, possibilitou uma amplificação significativa do até então modorrento debate sobre a questão. Intelectuais brasileiros, notadamente cientistas sociais, foram, abusemos um pouco aqui da terminologia bourdieusiana, legitimados como produtores legítimos de opiniões legítimas sobre racismo e anti-racismo. Seus artigos, opiniões e rostos assomaram nas revistas semanais, no rádio e na TV. De lá pra cá, a situação não mudou substancialmente.

Nesse ambiente, a produção crítica e distanciada sobre o racismo foi sendo gradativamente engolfada pelas teias do debate político ordinário. Intérpretes aliaram-se aos ditos “formadores de opinião” e, rapidamente, encantaram-se com a condição do que Zigmunt Baumam definiu como “legisladores do social”. E aí o debate assumiu as proporções de confronto. E um manifesto (há sempre um manifesto para marcar um campo!) foi lançado para nos lembrar de antiga e olvidada consigna: a de que “todos têm direitos iguais na república democrática”.

Mais do que questionar a correção ou não dos posicionamentos sobre as cotas, há uma tarefa ainda não realizada pelas Ciências Sociais no Brasil sobre a temática: trata-se de perscrutar o que estava em jogo para além da aparência fática de defesas apaixonadas de posições cristalizadas. Acredito que o poder de nomear, de interpretar e de propor questões e demandas sobre direitos sociais era (e ainda é) o móvel da disputa e que uma análise do debate sobre as cotas pode nos fornecer importantes pistas para pensar as relações de força, posições e estratégias de acumulação de capital científico (prestígio, posições, financiamentos, indicações para comissões, etc.) no campo acadêmico brasileiro.

A justificativa para o exercício de objetivação do campo intelectual brasileiro aqui proposto é a assunção de que a forma como a discussão sobre as ações afirmativas foi (e está sendo conduzido) no Brasil não apenas é reveladora das regras do jogo nesse campo, mas, o que é mais significativo e duradouro, que essa forma teve (e terá) grandes e graves conseqüências na construção de uma pauta de discussão e de demandas em torno do enfrentamento do racismo e das desigualdades no país. A realização de tal tarefa, desaconselhável para quem se orienta na vida acadêmica pela cuidadosa acumulação de divisas, também pode contribuir para desmistificar a quase naturalizada suposição de que existiria uma vocação progressista da intelectualidade brasileira pós-democratização.

Para realizar tal tarefa, acredito, deve-se buscar analisar não apenas as produções discursivas, mas, o que nos parece inseparável, os contextos políticos e os ambientes institucionais nos quais aquelas emergem e ganham força. Assim, os posicionamentos que clamaram contra as cotas para afro-descendentes em nome de um universalismo que estaria sendo “apunhalado” pelos defensores de “políticas identitárias” só podem ser compreendidos se levarmos em conta tanto as matrizes discursivas que ancoraram as disputas políticas e ideológicas da sociedade brasileira nos últimos anos quanto os interesses em disputa no próprio campo intelectual brasileiro (e, particularmente, no campo acadêmico).

O percurso analítico, esboçado acima, aponta também para a necessidade de uma problematização das estratégias de acúmulo de prestígio e força no campo da produção cultural no Brasil contemporâneo. Até porque, adianto essa intuição, essa talvez seja uma das pistas para a explicação do inusitado fato de prestigiados antropólogos aparecerem publicamente como organizadores de um livro como “Divisões perigosas”. Essa obra, uma coletânea de artigos, a maior parte publicadas em jornais como “O Globo” e a “Folha de São Paulo”, é repleta não apenas de rotulações (as mais brandas são as de “essencialistas” e “revisionistas”), mas também de insultos contra os adversários reais ou imaginários construídos pelos autores. Na verdade, causa espanto o fato de o tema das ações afirmativas ter se constituído, no Brasil, em expressão maior da degradação do debate público e, em particular, das discussões no campo acadêmico do país.

Essa degradação intelectual, tradução “pós-moderna” de antiqüíssima estratégia de desqualificar, se possível com formulações genéricas e “irrespondíveis” (essa a sutileza da violência simbólica da mobilização do “universal” como recurso argumentativo contra os defensores das cotas), é algo significativo. Não por traduzir o “estado da arte” das ciências sociais no Brasil, mas por expressar forma nova de traço estruturante da vida social no nosso país: a condenação do “outro” (no caso, aquele que não pertence ao círculo dos iniciados e que, portanto, não tem um “lugar de fala” legítimo) à condição de sujeito passivo do debate público relevante.

Assim, e na superfície do que realmente era importante, o argumento de autoridade de Pierre Bourdieu, em artigo menor e politicamente sofrível, foi invocado repetidas vezes para (des)qualificar as trocas culturais e políticas transnacionais da diáspora negra. Não raro, estas foram tratadas expressões do enredamento dos atores sociais de países periféricos nas “astúcias da razão imperialista”. Mas não só o grande mestre da sociologia francesa do século XX foi mobilizado para fazer frente às construções e propostas (algumas, sem dúvida, problemáticas) de ações afirmativas no Brasil. Também intelectuais de ponta dos estudos culturais negros, como Paul Gilroy e Kwame Anthony Appiah, tiveram partes de suas obras convenientemente amputadas para servir de base para ataques menores às propostas de ações afirmativas. Dessa forma, posições políticas ou argumentos científicos criteriosos e plenamente justificáveis em seus contextos iniciais, quando transladados para o contexto da disputa política pós-2005 no Brasil, referenciaram menos proposições plausíveis em favor da desconstrução da “Raça” como âncora analítica ou política, e, mais, o “racismo da inteligência” no qual não poucos dos adversários das cotas para afro-descendentes deixaram se enredar.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

O MUNICÍPIO E A SEGURANÇA PÚBLICA

Neste momento, quando se avizinham as eleições municipais, vale a pena analisar as proposições dos diversos postulantes à cadeira de Prefeito/a de nossa cidade em relação ao papel do município no que toca à segurança pública. Não poucos candidatos, prisioneiros de um discurso ideológico que remete o enfrentamento da insegurança urbana à resolução das “questões sociais”, passam ao largo da discussão. Além de deixarem uma avenida aberta para o crescimento dos discursos autoritários (“tolerância zero”, dentre outros), deslizam para um imobilismo que só traz prejuízo aos setores populares, exatamente os que contam com menos instrumentos (vigilância privada, cercas elétricas, residências em condomínios fechados, etc.) para se defender ante a violência urbana. Existem ainda aqueles, pouco criativos, que chamam a atenção para as limitações constitucionais das ações da Guarda Municipal. Como se as ações de uma Prefeitura Municipal em relação à segurança pública só pudessem contar com a Guarda. A construção de uma política de paz e segurança urbana nas nossas cidades exige criatividade, ousadia e superação de velhos e superados clichês ideológicos. Qualquer candidatura que tencione construir um diálogo com os setores dispersos e desorganizados (a maioria da população, especialmente em uma cidade como Natal), deve apontar claramente um conjunto de ações e medidas relacionadas à construção de um plano de paz e segurança urbana para o município.

Uma perspectiva política que aposte em tal caminho incorporará noções como as de liderança governamental e de capital social. Essa direção política significa tomar o Estado (no nosso caso, a Prefeitura Municipal da Cidade do Natal) como uma instância catalisadora de energias sociais. Ou, em outras palavras, alicerça-se na ampliação do leque de proposições a respeito do que é possível fazer desde o “lugar social” do estado. E, mais importante, de que como é possível, na gestão pública moderna, a instituição de relacionamentos proveitosos (e transparentes) entre as agências estatais e os atores privados.

PS: Continuarei a bater nessa tecla em outras postagens.

BLOGUEIRO NA TV

Hoje, a partir das 20:30 hs, estarei participando do Programa "Grandes Temas" (TV Universitária). Será uma mesa redonda sobre "Programa Policial".

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Chegou ao fim o "século americano"?

Para Ari Shavit, do jornal israelense Haaretz, a resposta é afirmativa. E, curiosamente, o jornalista vê em Barak Obama a salvação da lavoura. O artigo, intitulado The end of the American Century, é mais uma indicação de leitura deste blog.

A Operação Satiagraha na leitura de Alon Feuerwerker

O Alon Feuerwerker (ex-Folha de São Paulo) é um dos melhores jornalistas brasileiros na atualidade. Os seus escritos, quase sempre, expressam análises sérias, distanciadas e críticas da realidade política nacional. Algo raro nesses tempos de alinhamento automático e de estigmatização e demonização de quem não segue cartilhas. Ele não foge à regra na análise sobre a mais recente operação da Polícia Federal. Vale a pena conferir o texto dele sobre o assunto. O título é "Interesses especialíssimos".

NO TRIBUNAL DO MEU PAI: UMA LEITURA AGRADÁVEL E INFORMATIVA



A Cia das Letras lançou recentemente o livro "No tribunal do meu pai", do renomado escritor de origem polonesa Issac Bashevis Singer. É uma narrativa auto-biográfica na qual, a partir de uma perspectiva do narrador quando criança, são relatados fatos marcantes (com poesia e muito humor, diga-se de passagem!) sobre o universo do judaismo hassídico polonês. Simplesmente encantador! Um conselho: compre um vinho bom e deguste, cada noite, uma boa taça e uma estória sobre as disputas no tribunal rabínico do pai do autor. Você terá noites agradáveis, eu juro.

A NOVA SOCIOLOGIA ECONÔMICA E DANIEL DANTAS

A produção discursiva sobre Daniel Dantas, muito antes de sua prisão (“espetaculosa”, segundo a sensibilidade seletiva do presidente do STF), foi analisada exemplarmente, sob a ótica da Nova Sociologia Econômica, por Roberto Grün. O artigo, intitulado ENTRE A PLUTOCRACIA E A LEGITIMAÇÃO DA DOMINAÇÃO FINANCEIRA, foi publicado no nº 65 da Revista Brasileira de Ciências Sociais. Roberto Grün é Professor da UFSCAR e um dos principais animadores da nova sociologia econômica no Brasil.

A SOCIOLOGIA FRANCESA ATUAL: UM BALANÇO

Em artigo publicado na Sociedade & Estado, revista de sociologia da UNB, Frédéric Vandenberg, professor da Universidade de Estudos Humanistas (Países Baixos), com passagens no IUPERJ e na UNB, faz um interessante balanço da sociologia francesa da última década. Intitulado Construção e crítica na nova sociologia francesa”, trata, em especial, da produção sociológica de autores como Pierre Bourdieu, Luc Boltansky e Bruno Latour. Para o leitor brasileiro, o artigo possibilita um contato com a obra mais recente, e ainda pouco conhecida no nosso país, de Boltansky.

ALVAREZ E A ANÁLISE SOCIOLÓGICA DA DEMANDA POR PUNIÇÃO

Marcos César Alvarez, professor do Departamento de Sociologia da USP e membro do Núcleo de Estudos da Violência, é um estudioso da obra de Michel Foucault que tem se dedicado a pesquisar o crescimento da demanda social por punição nas sociedades contemporâneas. Sobre essa temática, no final do ano passado, quando esteve na UFRN participando de uma banca de mestrado, proferiu uma concorrida palestra. Alvarez tem artigos publicados em diversas revistas (Dados e Tempo Social, dentre outras) sobre questões relacionadas à justiça e à violência. Esses textos estão disponíveis no www.scielo.br. Recentemente publicou um artigo, intitulado “Os sentidos da punição”, na revista eletrônica da SBPC (Com Ciência). Vale a pena coferir!

UMA BOA NEWSLETTER SOBRE SOCIOLOGIA ECONÔMICA

Organizado por Nina Bandelj, da University of Califórnia, o ECONOMIC SOCIOLOGY-the european eletronic newsletter é o veículo mais indicado para um primeiro contato com o campo da nova sociologia econômica (NSE). Trata-se de uma publicação quadrimestral que tem como um dos membros do seu Conselho Editorial nada menos que Richard Sweldberg, um dos principais nomes da NSE e autor, dentre outros, do livro Max Weber e a idéia de sociologia econômica (Editora da UFRJ). O endereço da newsletter é: http://econosoc.mpifg.de.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

A Universidade está se tornando uma fábrica de doentes

Cobranças burocráticas, superposições de reuniões, predominância da avaliação quantitativa sobre a qualitativa, eis alguns dos males que rondam as nossas universidades e que estão tornando a dita atividade docente em algo desgastante e pouco prazeroso. O pior é que alguns poucos se matam e uma boa parte parasita e ganha pontos (já que tem tempo de sobra para preencher os formulários de registro de suas "produções"). E nunca se adoeceu tanto na universidade! Como tenho encontrando gente doente!

Seminário de Fátima revela miopia da esquerda brasileira

Recebi um e-mail com convite para seminário da campanha da Deputada Fátima Bezerra (PT). No convite, informa-se que doze grupos temáticos discutirão temas que, acredito, constituirão os eixos articuladores da campanha da deputada à prefeitura da cidade do Natal. Estaria tudo bem se não tivesse constatado, não sem um certo desapontamento, que não haverá espaço para a discussão da segurança pública no referido evento. Desapontado, mas não surpreso. Talvez fosse realmente pedir demais que máquinas eleitorais, encimadas por projetos eleitorais e não políticos, abrissem espaço para discussões realmente substantivas. Por outro lado, essa é uma ausência reveladora. Expressa a incapacidade da esquerda brasileira em enfrentar, com algo mais do que figuras retóricas, uma questão central das grandes metrópoles nos dias atuais: a sensação generalizada de insegurança e de aumento da criminalidade da maioria da população. É como se, de forma um tanto dissimulada, permanecesse aquele velho e empobrecido jargão de que a segurança pública se resolverá quando se solucionar a questão social. Além de um convite para o imobilismo, trata-se de um caminho que distancia tal esquerda das questões que afligem cotidianamente a maioria dos cidadãos. Como conseqüência, ao seguir essa trilha, a esquerda deixa uma avenida aberta para que o discurso autoritário e demagógico, sedento de ações repressivas, cresça e conquiste corações e eleitores.

A análise de redes e o crime organizado

Um dos campos emergentes da sociologia nas últimas décadas é aquele da análise de redes (network analysis). Animado teoricamente por autores como Emmanuel Lazega, Mustafa Emirbayer e Harrison White, esse campo fornece importantes aportes para a pesquisa sobre o crime organizado. O especialista em criminologia alemão Klaus von Lampe tem procurado incorporar os insigts do campo no estudo do crime organizado. No google, você pode encontrar alguns dos seus trabalhos. Pessoalmente, acho que o cruzamento dessa perspectiva analítica com algumas das pistas produzidas pela chamada nova sociologia econômica pode nos levar à produção de trabalhos mais qualificados sobre o crime organizado nas ciências sociais. E esse é um dasafio que vale a pena. Quando, como agora após a prisão do banqueiro Daniel Dantas, assistimos ao Festival de Besteiras sobre crime organizado e corrupção, nos damos conta do imenso vazio que é a ausência de uma sociologia do crime organizado no Brasil.