terça-feira, 30 de setembro de 2008

Um artigo de Bruno Latour sobre a imagem

A revista Horizontes Antropológicos, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFRGS, em seu último número, publicou um artigo de Bruno Latour. Um dos expoentes da nova sociologia francesa, Latour (para mais informações sobre ele, clique aqui) é um cientista social dedicado à reflexão sobre formas científicas e não-científicas de produção do conhecomento. Para ler o artigo, acesse aqui.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Matéria sobre Machado



Leia, no Estadão de hoje, matéria sobre Machado de Assis. Acesse aqui.

domingo, 28 de setembro de 2008

A memória no Brasil: um artigo do historiador Peter Burke

Coloquei, abaixo, trechos de interessante artigo de autoria do historiador Peter Burke. Foi publicado na edição de hoje do jornal Folha de São Paulo.

Quase memória

Relação do brasileiro com seu passado é mais tênue do que aquela construída nos países europeus e mesmo nas demais nações latino-americanas

PETER BURKE
COLUNISTA DA FOLHA

Na última geração, os europeus experimentaram um "boom de memória", uma onda de interesse, tanto acadêmico quanto popular, pelas lembranças; não apenas memórias individuais, mas também coletivas -em outras palavras, imagens compartilhadas do passado.
Essa onda de interesse foi ao mesmo tempo expressada e incentivada pela série de sete livros de enorme sucesso lançada pelo estudioso-editor Pierre Nora entre 1984 e 1993, sob o título "Les Lieux de Mémoire" [Os Lugares de Memória].
A idéia central de Nora foi pedir a seus colaboradores que se concentrassem em lugares associados a memórias coletivas do passado francês - lugares geográficos, como Versalhes ou o Panteão, mas também lugares metafóricos, como a "Enciclopédia Larousse" ou mesmo a "Marselhesa".
A série foi imitada em outros países europeus, como a Alemanha e a Itália. Poderia ou deveria ser imitada também no Brasil?
Poder-se-ia afirmar que no Brasil ou em outros lugares do Novo Mundo um empreendimento como o de Nora seria inadequado, pois, em comparação com a Europa, nas Américas um edifício é considerado antigo quando data da década de 1930, e a população de muitos países é relativamente jovem e mais voltada para o futuro do que para o passado.
Na verdade, os brasileiros parecem ainda menos preocupados com o passado do que as populações de outros países latino-americanos, especialmente a Argentina.
De todo modo, o Brasil tem seus próprios "lugares de memória". Os nomes de muitas localidades, de Iguaçu a Paraíba, têm um significado em tupi e assim nos lembram, ou deveriam lembrar, os tupinambás e outros "primeiros povos".

Cidades, pessoas
As cidades, por outro lado, muitas vezes evocam memórias da Europa. Os imigrantes tentaram recriar nas Américas um mundo conhecido, batizando suas cidades de Belém, Nova Friburgo, Nova Odessa e assim por diante.
Em comparação, os escravos africanos que foram trazidos para o Brasil contra a sua vontade não tiveram a oportunidade de impor nomes familiares à paisagem estranha. No entanto tentaram a reconstrução simbólica do espaço africano nos terreiros de candomblé.
As memórias locais também são importantes. Os nomes de algumas cidades e muitas ruas se referem a líderes e acontecimentos locais -João Pessoa, avenida Nove de Julho etc. Nomes como esses foram conseqüência de iniciativas oficiais.
Um testemunho mais direto de memórias populares ou atitudes em relação ao passado vem dos nomes pessoais.
Para um visitante europeu, é uma espécie de surpresa descobrir quantos brasileiros têm nomes de heróis culturais como Edison, Milton, Newton ou Washington.
O único problema é descobrir se esses nomes foram escolhidos pelos pais por sua sonoridade ou por sua associação com o Reino Unido, os EUA, a ciência ou a democracia.
Um equivalente brasileiro a "Os Lugares de Memória", se fosse publicado, como espero que um dia o seja, naturalmente incluiria as comemorações oficiais de eventos como a descoberta do Brasil pelos portugueses ou a expulsão dos portugueses da Bahia em 1823.
Como no caso da Europa, os locais de memória incluiriam museus e monumentos (embora os visitantes europeus possam se surpreender ao ver monumentos aos imigrantes no Brasil).
Também haveria espaço para pinturas históricas como "Independência ou Morte", de Pedro Américo, ou suas imagens da guerra contra o Paraguai.
De todo modo, os principais lugares de onde a maioria dos brasileiros extrai suas visões do passado são certamente o Carnaval e a telenovela.
Temas históricos são comuns nos enredos das escolas de samba do Rio e seus equivalentes em outras cidades -eventos como a descoberta do Brasil ou a abolição da escravatura e indivíduos como Zumbi ou o imperador d. Pedro 2º. Quanto às telenovelas, pense-se no sucesso de "A Escrava Isaura" em 1976 e novamente em 2004; e de "Sinhá Moça" em 1986 e também 20 anos depois, assim como novelas relacionadas à história mais recente, de "Éramos Seis" (1994) a "Terra Nostra" (1999).


(...)
PETER BURKE é historiador inglês, autor de "O Que É História Cultural?" (ed. Zahar). Escreve na seção "Autores", do Mais!.
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.


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sábado, 27 de setembro de 2008

Quanto pesa o apoio de Lula nestas eleições?

O jornal Folha de São Paulo, na sua edição de hoje, fez a seguinte questão a dois cientistas políticos: o apoio de Lula será um fator decisivo nas eleições municipais deste ano? Veja, abaixo, partes das respostas dadas. Trata-se de um debate interessante.

SIM

Do amor na política

RENATO LESSA

NOS IDOS do império, nos quais eleições razoavelmente limpas configuravam-se como impossibilidades existenciais, houve uma que se destacou das demais na arte de produzir desrepresentação.
A coisa passou-se nos anos 40 do século 19, sob o consulado de Alves Branco e de seu partido -o Liberal-, que impôs aos seus adversários um massacre eleitoral de tal monta que o evento acabou consagrado na crônica da bestialogia nacional como "as eleições do cacete".
Ante a grita dos massacrados, que acusavam o governo de manipulação eleitoral, o liberal ministro foi didático: não há que confundir o princípio das "maiorias por compressão" -artificiais e obtidas pela força- com o das "maiorias de amor" -que resultam de modo natural do "princípio da gratidão". E era este, é claro, o caso.
Bastaram a Alves Branco apenas um partido, alguma desfaçatez e muita fraude para desfrutar de seu experimento amoroso. Ao presidente Lula bastam os incontáveis partidos de sua base parlamentar, uma popularidade pessoal crescente e uma vocação política para o "unanimismo". Parece não haver queixas diante do experimento amoroso revivido na safra 2008: qual dos candidatos a prefeito das capitais se apresenta como desafeto de Lula? No início de setembro, dava-se como provável a vitória do presidente em 20 das 26 capitais. Engana-se o leitor que supuser que nas demais se exerce a republicana praxe do contraditório político-eleitoral. Está aí o candidato do PSDB à prefeitura de Teresina, Silvio Mendes, a ser processado pelos rivais petistas... pelo uso positivo da imagem do próprio Lula.
A faca na boca e a espuma no canto dos lábios, dos idos de 2005, desapareceram, por ora, da cena nacional. Nas capitais nas quais o bloco do presidente lidera, dois casos interessantes devem ser considerados. O de Kassab é pungente. O gerente da urbe paulistana declara abertamente seu amor por Lula. Teve o cuidado de compensá-lo com menções afetuosas a José Serra e a Fernando Henrique Cardoso, mas nada que dissipe a sensação de que vivemos eleições sem política, sem algo que ultrapasse a medíocre cultura da gestão.
No Rio de Janeiro, um ex-deputado hidrófobo da CPI do Mensalão se apresenta como esteio da colaboração município-Estado-União. Ao lado do "governador-que-ri" -o boa-praça Sérgio Cabral Filho-, o candidato do PMDB sente-se inteiramente à vontade para incluir Lula em seu panteão. Para completar o cafarnaum habitual carioca, Lula torce por Marcelo Crivella e sua versão do teológico-político. A ver navios, ficam partido do presidente e dois aliados, desde os tempos magros: o PC do B e o PSB.
O conjunto dos mais de 5.000 municípios submetidos à temporada de captura de sufrágios, versão 2008, configura um vasto e variado mundo cuja complexidade recomenda não acreditar que algum fator comum, por mais forte que seja, possa definir os resultados. É prudente supor que fatores locais poderão ter papel relevante nas escolhas dos eleitores, para além da gratidão a um presidente tão popular.


RENATO LESSA , 54, doutor em ciência política, é professor titular de teoria e filosofia política do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) e da UFF (Universidade Federal Fluminense) e presidente do Instituto Ciência Hoje.
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NÃO

O efeito decisivo e o efeito marginal

JAIRO NICOLAU

A CAMPANHA eleitoral deste ano tem reforçado duas tendências já vistas em eleições anteriores. Na falta de nome melhor, vou chamar a primeira de rotinização das campanhas.
Desde a redemocratização, esta é a sétima eleição para prefeitos e vereadores. As eleições já não são mais a novidade que eram na década de 80.
Aos poucos elas foram assumindo um caráter menos excepcional e mais rotineiro. As campanhas ficaram mais curtas, mais concentradas na TV, viram a maioria dos militantes voluntários desaparecerem, poluem menos as cidades e despertam menos interesse dos eleitores e da imprensa.
Vejo a cobertura rarefeita que a campanha tem recebido dos jornais neste ano e lembro dos cadernos especiais de outras disputas. Observo os carros sem adesivos e lembro de eleições passadas, quando avaliava a força do candidato contando os adesivos.
A segunda tendência é a concentração da discussão da campanha nos temas locais. Aos poucos, eleitores vão aprendendo quais são as reais atribuições do prefeito. Aprendem que ele tem responsabilidade pelo trânsito da cidade, mas pouco pode fazer para gerar emprego em larga escala. Aprendem que as prefeituras podem cuidar bem da educação infantil, mas não da superior. Aprendem que, por mais que se diga o contrário, a responsabilidade maior pela segurança pública é do governador, e não do prefeito.
Cada cidade tem sua agenda particular. Em algumas, a disputa assume um caráter plebiscitário, sobretudo quando o prefeito atual concorre à reeleição. Em outras, a disputa se dá em torno de umas poucas famílias/ grupos dominantes. Em alguns lugares, os partidos influenciam mais a disputa. Em outros, vale o peso de lideranças carismáticas. Mas, em quase todas elas, candidatos e eleitores estão pensando nos problemas e soluções de sua cidade, de costas para o que acontece em outros lugares.
Não conheço candidato a prefeito que tenha sido vitorioso falando de temas nacionais ou concentrando seu programa em grandes questões doutrinárias. A última vez que a política nacional influenciou para valer uma disputa para prefeito foi em 1988, quando o Exército invadiu a CSN, matou e feriu trabalhadores. O evento, ocorrido poucos dias antes do pleito, comoveu o país e produziu uma maré de votos para os partidos de esquerda nas maiores cidades. Alguns analistas e parte da imprensa parecem não gostar da tendência ao municipalismo das eleições e buscam desesperadamente sinais de nacionalização. A premissa é que uma eleição municipal determinará a disputa de dois anos depois. 2008 teria que explicar 2010. Por isso, tanto espaço para os bastidores da escolha em Belo Horizonte. Por isso, a importância da disputa na cidade de São Paulo.
Por isso, o presidente deve influenciar decisivamente o pleito deste ano.
Porém, as evidências dessa associação são tênues. Para ficar em um exemplo: em um estudo, comparei os votos obtidos por Lula em 2008 com os dos PT em 2006 e descobri que a associação estatística entre eles é praticamente inexistente.
Pelo que vi em outras campanhas e pelo que tenho acompanhado nesta, continuo convencido de que as eleições municipais são movidas basicamente pelos temas locais. Os atores externos à vida municipal têm quase sempre efeito marginal sobre o resultado final da disputa.
Quando sugiro que as coisas se passam assim ouço a pergunta inevitável: não será diferente com Lula? Não adianta lembrar que já houve uma eleição em 2004, no meio do primeiro mandato de Lula, e que os efeitos de seu apoio não foram tão expressivos.
A confusão talvez ocorra por conta do que cada um de nós chama de influência. Ou, como está na pergunta de hoje, o que cada um entende como "fator decisivo". Não duvido de que o apoio do presidente possa ajudar alguns candidatos a subir um pouco.

(...)
JAIRO NICOLAU, 44, doutor em ciência política, é diretor de Ensino do Iuperj. Durante as eleições deste ano assina uma coluna na veja.com .

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sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Revista traz dossiê sobre Pierre Bourdieu




O sociólogo Pierre Bourdieu é tema do dossiê da revista CULT deste mês. Vale a pena ler!

Quem são eles?



Coloquei a foto acima, no post "Eles que amavam tanto a revolução", e recebi mensagens pedindo para que eu disesse quem é quem. Republico a foto, mas não vou revelar os nomes. Pesquisem um pouco, ou, como dizem lá em Apodi, "puxem pela memória".

O populismo eletrônico: um artigo de Alex Galeno




Alex Galeno, o cara da foto acima, é professor de sociologia da UFRN e um criativo analista do social. Tem diversas obras e artigos publicados (veja aqui o seu curriculum lattes) sobre política, literatura e epistemologia. Nos brinda, agora, com um texto sobre o peso do populismo eletrônico nestas eleições municipais. Leia-o aí abaixo.

Populistas eletrônicos

Vivemos a proliferação de Homo Videns (Sartori). Sujeitos construídos artificialmente por imagens eletrônicas e, em geral, desprovidos de consistência e do lastro do pensamento. Não existem porque pensam, mas existem porque aparecem. São políticos que se assemelham a vedetes televisivas. A conseqüência desse sentimento midiático é transferida para a política. Assistimos na passarela eleitoral, em Natal, diversos homo videns dessa espécie. A começar pela candidata Micarla de Sousa - PV. Uma candidatura forjada (editada?) pela imagem de seu programa diário na emissora da qual é proprietária. Aparece sob os efeitos das lentes do fotógrafo de estrelas da revista Playboy, J.R. Duran. Com cabelos alisados, dentes branqueados, roupas de grifes, fala com sotaque para parecer diferente. Uma espécie de Alice ingênua e imatura politicamente, que diante dos desafios e dificuldades para discernir o caminho certo para o destino de nossa cidade, poderá escolher qualquer um. O mais importante. Sob a chancela da bandeira ecológica se diz defensora do meio-ambiente, embora esteja aliada com aqueles que mais têm destruído o ambiente e representado o capital especulativo na história da cidade do Natal. Refiro-me ao DEM do senador de grife, José Agripino. Sua única tradição em política é sua filiação ao já falecido senador populista Carlos Alberto. Que usou programas na TV e nas rádios para doar cadeiras de rodas. Este fez escola. Basta que olhemos o atual deputado estadual Luis Almir ( PSDB), quando na televisão se transforma num chefe político eletrônico que despacha com seus espectadores. Podemos destacar ainda: Gilson Moura, atual deputado estadual-PV e candidato a prefeito em Parnamirim, Aquino Neto, Salatiel de Sousa e Paulo Wagner, todos concorrendo a uma vaga na câmara municipal de Natal. Este último parece mais um ator que encena cotidianamente, em seu programa, espetáculos da crueldade. Lembrando os espetáculos nos antigos coliseus romanos, quando nobres assistiam aos leões estraçalharem pessoas. Uma espécie de xerife eletrônico destilando moralismo e punições aos mais pobres.

As celebridades midiáticas são eficientes na relação com seus espectadores-eleitores. Caso contrário, não estariam representando seus papéis no teatro político das eleições. A TV e seus programas têm transformado o tradicional líder carismático da política, numa celebridade de auditório. O princípio da liderança das ruas, hoje, parece substituído pelo princípio do programa televisivo. A política virou edição e se apresenta como videoclipe. E aí reside o perigo civilizatório. O Brasil já vivenciou tal vedetismo quando da eleição de Fernando Collor de Melo para a presidência da República. O homem que parecia portar a imagem do justiceiro caçador de marajás, mas quando a população se deu conta que se tratava de um ilusionista ou de uma imagem fake, foi para as ruas pedir seu impeachment. Natal deverá ficar atenta a esta experiência midiática e histórica da política. A cidade não é uma TV com seus programas e apresentadores ávidos por audiências eleitorais. Nem sua administração é uma ilha de edição que transforma seus habitantes em meros espectadores-eleitores.

Manuela, o fenômeno




Manuela, a candidata a prefeitura de Porto Alegre (RS) pelo PC do B, segundo apontam as pesquisas, conseguiu se isolar no segundo lugar. E, mais interessante ainda, é a candidata com mais chances de derrotar o atual prefeito, o peemedebista José Fogaça, no segundo turno. Os porto-alegrenses parecem que começam a produzir um novo fenômeno político: a bela Manuela. Pelo visto, ainda bem!, ouviremos falar muito dessa ex-presidente da UNE nos próximos dias. Ah!, se o meu título eleitoral fosse de Porto Alegre... Mas, veja só como o mundo é injusto: além de não me chamar José Eduardo Cardozo (o deputado petista que é namorado da futura prefeita - eu aposto meu reino que ela será eleita!), ainda tenho que me contentar em escolher, entre Maurício e Gilson Moura, quem deve ser o prefeito de Parnamirim...

Um artigo de Washington Novaes

Abaixo, coloco um artigo do jornalista Washington Novaes. Foi publicado hoje no Estadão.


As previsões inúteis e o roteiro possível

Washington Novaes

Não é preciso repetir todos os números. Quem tenha lido o caderno Pnad Especial, que este jornal publicou (19/9), e visto os números terríveis - 14,1 milhões de analfabetos no País, 4,8 milhões de crianças que trabalham, 40 milhões de trabalhadores sem carteira assinada, 8,1 milhões de desempregados -, assim como o índice de desigualdade social (pior que o da Índia) e o da concentração de renda (patamar semelhante ao de El Salvador, Panamá, Zimbábue, Zâmbia, Suazilândia), certamente estará perdendo noites de sono, imaginando caminhos mais alentadores para o futuro. Mas pensando também em como buscar alternativas sustentáveis num mundo mergulhado em crise financeira, social (925 milhões de pessoas passando fome, segundo a ONU, quase metade da humanidade abaixo do linha de pobreza) e ambiental (consumo além da capacidade de reposição do planeta, mudanças climáticas).

Pode haver caminhos interessantes para o País. Como, por exemplo, os indicados pelo professor Ignacy Sachs, da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais da França, uma das pessoas que mais têm estudado as nações ditas em desenvolvimento. No livro Inclusão Social pelo Trabalho (Garamond/Sebrae/Pnud, 2003) ele já apontava para o Brasil a possibilidade de estratégias prioritárias em favor dos pequenos produtores (8,6 milhões) e empreendedores informais (4,3 milhões). E lembrava que 3,6 milhões de pequenas e microempresas já absorviam 44% da mão-de-obra com registro no País e respondiam por quase 20% do produto interno bruto (PIB). No País todo, havia 8,6 milhões de pessoas que trabalhavam nas cidades por conta própria, 4,3 milhões em empresas informais, 4,53 milhões de agricultores familiares trabalhando por conta própria, 4,76 milhões não remunerados e 4,54 milhões de "operários agrícolas". As soluções teriam de passar por essas sendas, onde estão os "arquitetos potenciais do futuro".

Em síntese, já propunha o professor Sachs um "crescimento puxado pelo emprego", e não apenas crescimento de números absolutos do PIB a qualquer custo. E esse caminho pressupunha consolidação e expansão da agricultura familiar (que continua a expulsar mão-de-obra), promoção das pequenas e microempresas, ampliação das oportunidades de trabalho autônomo no meio urbano. Os setores prioritários para geração de trabalho e renda deveriam ser os de obras públicas e de infra-estrutura, serviços sociais, educacionais e sanitários, construção habitacional e gestão de recursos naturais. Preconizava o autor, com ênfase, a transformação do meio rural, porque esse espaço não é só agricultura e esta não é apenas plantio de grãos - deve incluir industrialização de matérias-primas, associação com várias áreas (como a de produção de biocombustíveis, entre outras), turismo rural, assistência a idosos e deficientes (que teriam no espaço rural mais qualidade de vida e segurança, além de gerarem trabalho). Muitos caminhos que, na sua quase totalidade, não estão sendo trilhados hoje.

Mas haverá tempo e condições para as mudanças nestes tempos em que "o ritmo de melhora é exasperantemente lento", como disse a este jornal o economista Eduardo Giannetti da Fonseca (19/9)? Em 2001, o livro Previsões (Editora Record) reuniu o pensamento de alguns luminares a respeito do futuro no século que se iniciava. É curioso relembrar alguns deles.

Noam Chomsky, por exemplo, um dos pensadores mais radicais destes tempos, dizia que "qualquer previsão sobre questões sérias provavelmente será errada, exceto por acidente". E se perguntava, cético, se "os seres humanos são uma espécie de mutação letal". Stephen Jay Gould, cientista muito respeitado, observava que "é inútil pensar que as tendências do passado profetizarão os padrões futuros". É preciso "inventar o futuro", advertia ele. E com esse pensamento concordava Arthur C. Clarke, inventor de tantos futuros nos livros e no cinema, transformados pelas novas tecnologias. Mesmo ele, entretanto, achava que a internet "pode significar o fim do Estado único e o desenvolvimento de tribos que possuem somente uma lealdade mínima a seus país de origem". Mas "ninguém pode prever o futuro", apenas "esboçar possíveis futuros", dizia.

Um dos diagnósticos mais interessantes foi o do economista e pensador John Kenneth Galbraith, talvez no auge de sua fama naquele momento. Para ele, "somente os que erram são lembrados". E talvez tenha contribuído para o relativo ostracismo de seu pensamento, agora, haver ele entendido, há oito anos, antes da hora, que "os Estados Unidos estão passando por uma especulação extrema do mercado de ações, com mais fundos mútuos do que seria inteligente administrar". E, a seu ver, um dos problemas estaria em que, nas crises, costuma-se "punir os trabalhadores", e não os responsáveis, alguns banqueiros. "Nos anos à frente", dizia ele, "deve haver um procedimento pelo qual uma ONU fortalecida suspenda a soberania de países cujos governos estejam destruindo seus povos." Parece pouco provável que se enverede por aí. Não só porque nem Hércules daria conta de tantos governos calamitosos no mundo, como porque, até aqui, nem mesmo as convenções da ONU conseguem avançar na prática (vide mudanças climáticas, diversidade biológica, etc.), diante de tantos interesses divergentes e da impossibilidade de conseguir o indispensável consenso. Mas Galbraith também advertia que "o capitalismo ainda se presta à instabilidade que deriva de erros inconseqüentes (...) e que pode acontecer se houver um fim para a bolha de Wall Street, nos Estados Unidos".

Revendo tantos diagnósticos, verifica-se que, de fato, a profecia é tarefa quase impossível, como os dias de hoje estão mais uma vez provando com a perplexidade geral. Melhor, então, atermo-nos ao possível. E os caminhos apontados pelo professor Sachs para o Brasil podem ser um bom roteiro.


Washington Novaes é jornalista
E-mail: wlrnovaes@uol.com.br

Artigo de Boaventura sobre a crise no mercado financeiro

Leia, abaixo, trechos de um artigo de autoria do sociólogo Boaventura de Sousa Santos. Publicado na edição de hoje do jornal Folha de São Paulo, o texto trata da atual crise que assola o mercado financeiro.

O impensável aconteceu
BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS


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Esta não é a crise final do capitalismo e, mesmo se fosse, talvez a esquerda não soubesse o que fazer dela
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A PALAVRA não aparece na mídia dos EUA, mas é disso que se trata: nacionalização.
Perante as falências ocorridas, anunciadas ou iminentes de importantes bancos de investimento, das duas maiores sociedades hipotecárias do país e da maior seguradora do mundo, o governo federal norte-americano decidiu assumir o controle direto de uma parte importante do sistema financeiro.

A medida não é inédita. O governo interveio em outras crises profundas: 1792 (no mandato do primeiro presidente do país), 1907 (o papel central na resolução da crise coube ao grande banco de então, J.P. Morgan, hoje, Morgan Stanley, também em risco), 1929 (a Grande Depressão: em 1933, mil norte-americanos por dia perdiam suas casas para os bancos) e 1985 (crise das associações de poupança e empréstimo). O que é novo na intervenção em curso é sua magnitude e o fato de ela ocorrer ao fim de 30 anos de evangelização neoliberal conduzida com mão-de-ferro em nível global pelos EUA e pelas instituições financeiras por eles controladas, FMI e Banco Mundial: mercados livres e, porque livres, eficientes; privatizações; desregulamentação; Estado fora da economia, porque inerentemente corrupto e ineficiente; eliminação de restrições à acumulação de riqueza e à correspondente produção de miséria social.
(...)

À luz disso, o impensável aconteceu: o Estado deixou de ser o problema para voltar a ser a solução; cada país tem o direito de fazer prevalecer o que entende ser o interesse nacional contra os ditames da globalização; o mercado não é, por si, racional e eficiente, apenas sabe racionalizar a sua irracionalidade e ineficiência enquanto estas não atingem o nível de autodestruição.

Esta não é a crise final do capitalismo e, mesmo se fosse, talvez a esquerda não soubesse o que fazer dela, tão generalizada foi a sua conversão ao evangelho neoliberal. Muito continuará como dantes: o espírito individualista, egoísta e anti-social que anima o capitalismo; o fato de que a fatura das crises é sempre paga por quem nada contribuiu para elas, a esmagadora maioria dos cidadãos.
Mas muito mais mudará. Primeiro, o declínio dos EUA como potência mundial atinge novo patamar. O país acaba de ser vítima das armas de destruição financeira maciça com que agrediu tantos países nas últimas décadas e a decisão "soberana" de se defender foi afinal induzida pela pressão dos seus credores estrangeiros (sobretudo chineses) que ameaçaram com uma fuga que seria devastadora para o atual "american way of life".

Segundo, FMI e Banco Mundial deixaram de ter autoridade para impor suas receitas, pois sempre usaram como bitola uma economia que se revela fantasma. Daqui em diante, a primazia do interesse nacional pode ditar, por exemplo, taxas de juro subsidiadas para apoiar indústrias em perigo (como as que o Congresso dos EUA acaba de aprovar para o setor automotivo).
(...)
Terceiro, as políticas de privatização da segurança social ficam desacreditadas: é eticamente monstruoso acumular lucros fabulosos com o dinheiro de milhões de trabalhadores humildes e abandonar estes à sua sorte quando a especulação dá errado.
Quarto, o Estado que regressa como solução é o mesmo que foi moral e institucionalmente destruído pelo neoliberalismo, o qual tudo fez para que sua profecia se cumprisse: transformar o Estado num antro de corrupção. Isso significa que, se o Estado não for profundamente reformado e democratizado, em breve será, agora, sim, um problema sem solução.
Quinto, as mudanças na globalização hegemônica vão provocar mudanças na globalização dos movimentos sociais e vão certamente refletir-se no Fórum Social Mundial: a nova centralidade das lutas nacionais e regionais; as relações com Estados e partidos progressistas e as lutas pela refundação democrática do Estado; as contradições entre classes nacionais e transnacionais e as políticas de alianças.

BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, 67, sociólogo português, é professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal). É autor, entre outros livros, de "Para uma Revolução Democrática da Justiça" (Cortez, 2007).

Assinante UOL lê o artigo completo aqui.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Mais um texto de Gláucio de Ary Dillon Soares

Gostou do texto anterior do Professor Gláucio? Aquele que eu postei mais abaixo? Bueno, então coloco mais um aí abaixo. O blog do Professor é o conjuntura criminal.

Pequenas incivilidades e grandes medos

Gláucio Ary Dillon Soares.



A sensação de insegurança e o medo do crime deveriam acompanhar a violência e a criminalidade: onde há mais crime e mais violência, há mais medo e mais insegurança. Porém, a associação entre taxas reais de crime e de violência, por um lado, e medo do crime e a sensação de insegurança, por outro, é menos íntima do que a intuição sugere. Há vários fatores, além da taxa real de crime, que influenciam a sensação de insegurança. Um deles é um conjunto de situações que foram chamadas de pequenas incivilidades.


Nova York foi o palco de um dos programas mais divulgados de combate ao crime, o Tolerância Zero. Com êxito estrondoso, o número de homicídios foi drasticamente reduzido, de 2.245, em 1990, a 606, em 1998. Os crimes no metrô foram reduzidos em 80% e outros crimes, como estupro, assalto e furto ou roubo de veículos também tiveram redução. Um crítico do programa publicou dados que confirmam esse sucesso: os homicídios declinaram 72% entre 1990 e 1998 e os crimes violentos, no total, declinaram 51%. Esses números, aliados ao seu rápido uso como propaganda política da direita, favorável a medidas duras, geraram uma divulgação, às vezes muito distorcida, do seu conteúdo e das noções teóricas que alicerçaram o Tolerância Zero. Os fundamentos teóricos do programa foram lançados num célebre artigo por Wilson e Kelling, publicado em 1982. Do ponto de vista da elaboração teórica, as broken windows estão mais para um conjunto de noções do que para uma teoria elaborada. Uma delas se baseia na teoria involutiva do crime: o crime começa pequeno, cresce, e termina grande. A teoria das broken windows é, sobretudo, uma teoria do astral de um local. Não é uma teoria de pessoas, é uma teoria do astral das comunidades. O desleixo físico e social enviaria sinais a adolescentes, pré-adolescentes e jovens adultos, estimulando-os a novos atos incivis. Esses pequenos (e não tão pequenos) delinqüentes acabariam intimidando a cidadania mais frágil, como idosos, mães, mulheres, numa escalada que chegaria até a afugentar a própria polícia. Inclui a tese das incivilidades. A hipótese subjacente ao patrulhamento a pé é que ele evitaria a espiral do crime, impedindo os pequenos crimes e incivilidades, por um lado, e estabelecendo relações com a população, por outro. Os principais debates foram, no nível teórico, se essa é ou não uma teoria; em caso positivo, se ela é ou não defensável e se um programa de segurança pública baseado nela reduziria ou não o crime e a violência. Para o leitor menos informado, os dados acima não deixariam lugar a dúvida. Porém, houve uma redução geral da violência e da criminalidade nos Estados Unidos durante o mesmo período e é difícil saber quanto da redução do crime em Nova York se deveu a essa redução mais geral.


Não obstante, a pergunta que queremos responder hoje é outra: as pequenas incivilidades e esse baixo astral influenciam o medo e o sentimento de insegurança? A resposta é positiva: as pequenas incivilidades formam uma escala que se correlaciona com a insegurança: tanto durante o dia quanto durante a noite (as pessoas se sentem muito mais inseguras à noite), as correlações são estatisticamente significativas (0,23 e 0,24, respectivamente). A percentagem dos que se sentem muito seguros cresce desde 10% a 12%, onde há mais crimes menores, a 42%, onde há menos crimes menores. Outras condições que baixam o astral e aumentam a insegurança se referem aos aspectos físicos: terrenos baldios, áreas abandonadas pelo poder público, lixo nas ruas, carros também abandonados e depenados baixam o astral e aumentam o medo. Assim, comportamentos considerados como pequenas incivilidades causam ampla insegurança e medo que, em alguns casos, são tão profundos que muitos cidadãos viram prisioneiros em suas próprias casas.


CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, sexta-feira, 8 de agosto de 2008 • pág. 23

Ainda sobre a crise

Reproduzo, aí abaixo, matéria publicada no Magazine Terra (acesse aqui o site, caso queira ir direto).


É o fim do capitalismo nos Estados Unidos

Pablo Calvi
De Nova Iorque


O pacote de resgate que o governo dos Estados Unidos está preparando, o qual deve disponibilizar entre US$ 750 bilhões e US$ 1 trilhão, já gera dúvidas quanto ao curto prazo, bem como inquietações de cunho mais filosófico. O dinheiro que será injetado no mercado pelo Tesouro americano estará comprometido não apenas com a salvação de entidades financeiras, mas também com a compra de pequenos créditos hipotecários não pagos ou de alto risco - os ditos "papéis podres".

Uma das primeiras e mais importantes teses sobre esta crise foi formulada na semana passada pelo prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz ao assinalar que a intervenção do estado em semelhante escala viola todas as regras do capitalismo.

Segundo explica o professor da Universidade de Columbia, Wall Street, entre a euforia e o otimismo, entrou desde quinta-feira passada num estado de tremenda confusão. Para o intelectual, a "nacionalização" da seguradora AIG - por US$ 85 bilhões - não apenas desrespeita todos os princípios da economia de livre mercado, como altera as mais básicas regras do jogo de Wall Street. Além disso, a intervenção começou a enviar sinais confusos a um mercado em crise, pois o dinheiro do Tesouro foi parar justamente nas mãos daqueles que tomaram as piores decisões econômicas. Basta pensar, por exemplo, numa corrida em que os premiados não são os que primeiros que cruzam a linha de chegada, mas aqueles que ficaram pelo caminho.

Claro, os que seriam os perdedores naturais desta investida capitalista, Merril Lynch, AIG, Fannie Mae, Freddie Mac, terminaram, no final das contas, como os vencedores num esquema de mercado distorcido pela mão do Estado. As ações da AIG, por exemplo, que entre segunda-feira e terça-feira da semana passada cairam 94%, fecharam a semana com ganhos recorde após a primeira intervenção do governo.

A esta altura, como salienta o brilhante economista Paul Krugman em sua coluna no New York Times, "ninguém acredita que o Estado seja um problema, pelo contrário, o vêem como solução". Até mesmo Paul Volker, ex-presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) assegura num editorial publicado pelo Wall Street Journal que a única solução para a crise é a criação de um ente estatal que se incumba das massivas perdas do setor financeiro. Porém, claro, com a crise e a intervenção estatal em Wall Street, o governo ultra-conservador de Geroge W. Bush e muitos dos defensores mais ferrenhos do capitalismo ortodoxo tiveram que começar a pôr fogo em suas bibliotecas.

"Perseguindo o próprio interesse, o capitalista geralmente promove também os interesses da sociedade de forma muito mais efetiva que se de fato tentasse oferecer à sociedade algum tipo de benefício", escreve Adam Smith em sua célebre obra, "A Riqueza das Nações" (1776). Segundo o primeiro e mais citado dos teóricos do capitalismo, as sociedades e os mercados operam melhor quanto mais egoístas são as intenções de seus agentes econômicos. O egoísmo coletivo, que Smith compara a uma "mão invisível", é para o filósofo inglês o agente de controle mais efetivo que age não apenas nos mercados, mas também nas economias em todos seus múltiplos níveis. Claro que a realidade é muitas vezes mais rica que a teoria.

Quinta-feira passada, numa sucinta apresentação perante a imprensa, o presidente Bush disse que o Estado se via na obrigação de intervir excepcionalmente num mercado em plena crise. "Foi a cobiça de Wall Street que nos levou a este extremo", justificava, sem meias palavras, o candidato republicano John McCain num encontro partidário em Michigan. "O que entrou em crise com a o desabamento de Wall Street foi a filosofia política deste governo e de muitos outros anteriores", declarou, na Flórida, o candidato democrata Barack Obama.

Passaram muito ao largo da coluna de Krugman as recomendações do magnata bancário Andrew Mellon ao trigésimo primeiro presidente dos Estados Unidos, Herbert Hoover: "Se desfaça dos funcionários públicos, se desfaça do estoque, das terras e das propriedades do Estado". Aquelas sugestões desembocaram na crise financeira dos anos 30 e foram a causa de um novo pacto social, o New Deal de Franklin Delano Roosevelt. A pergunta é: quão distante do capitalismo ortodoxo nos deixará o novo pacote econômico? Ou, imaginando as palavras de um investidor aterrorizado: terminou para sempre a era do capitalismo selvagem dos Estados Unidos?

Uma imagem da crise


Um furacão avança sobre as bolsas de valores de todo o mundo. E o Estado é chamado para salvar os defensores do livre mercado. Então, a gente começa a tremer: ai, ai, vão mexer novamente "no meu, no seu, no nosso suado dinheirinho". Então, relaxemos todos com uma das imagens da crise.

Uma boa entrevista com Walter Maierovitch

Jurista dedicado à análise do crime organizado, Walter Maierovitch é ex-secretário nacional anti-drogas. É colunista da revista Carta Capital e da Rádio CBN. Suas posições são, no mínimo, provocativas. Por isso, vale a pena ler uma entrevista com ele realizada pelo pessoal do Magazine Terra. Acesse aqui.

A violência contra os idosos

Publico, abaixo, texto de autoria do Professor Gláucio Ary Dillon Soares (IUPERJ), estudioso da violência e da criminalidade. Trata-se de um crítico contundente dos lugares-comuns nas análises tradicionais sobre segurança pública e violência no Brasil. É sensível também a outras temáticas. Neste texto, ele aponta, com muita sensibilidade, o drama social dos idosos no Brasil. Vale a pena conferir!

A caça aos idosos

Há muitos anos, caminhava pela Rua Bartolomeu Mitre, Rio de Janeiro, quando vi e ouvi dois adolescentes maiores doutrinando outros dois adolescentes menores. Aconselhavam assaltar somente idosos. Lembro-me, até hoje, do que ouvi: "Dá um tranco, o velho cai e tu rouba e sai correndo". Minha mãe faleceu o ano passado aos 97, mas passou muitos anos praticamente presa no apartamento, do qual só saía para ir ao médico ou para jogar cartas com as amigas em frente de casa. Influência da televisão, dos jornais? Não. Duas vezes, já idosa, minha mãe foi assaltada com um revólver encostado à cabeça.


Metade dos jovens evita sair à noite ou chegar muito tarde em casa devido à violência. Entre as pessoas maduras, são 60% ou 70%. É pior entre os idosos: 80% evitam sair à noite. Os velhos vivem com medo. Coisas simples, como andar pelas ruas do próprio bairro, durante o dia, deixam inseguros nada menos do que 46% dos idosos, quase o dobro dos jovens. É impensável sair à noite ou ir a um bairro desconhecido.

Os velhos são visados por criminosos organizados. Vivi outro episódio em relação à aposentadoria deixada pelo meu pai, que era marítimo, para a minha mãe. Ela recebeu um telefonema em nome do Sindicato dos Marítimos no qual a pessoa dizia que ela tinha um saldo a receber. Boa notícia! Porém, requeria trabalho de advogados que cobrariam R$ 3 mil pelo serviço; ou, como disse quem falava do outro lado da linha: "Tem um custo, não trabalhamos de graça". A surdez da minha mãe a salvou de ser mais uma vítima. Ela não entendia os detalhes e fui chamado para continuar a conversa. Desconfio de ofertas telefônicas. Perguntei se ele era advogado e me respondeu que sim, era "adêvogado". Em seguida, pedi o número de matrícula na OAB. Pediu licença, demorou um pouco, desligou o telefone e não voltou mais a chamar.

As limitações dos idosos favorecem a impunidade. Não sabemos quantos idosos são ludibriados ou assaltados diariamente no Brasil. São presas fáceis, que resistem pouco e não sabem a quem recorrer. Na Pesquisa de Vitimização do ISP (RJ), menos de 1% dos idosos tinham usado o disque-denúncia. Em todas as faixas etárias são poucos os que usam esse recurso, mas a percentagem dos que usam é 10 vezes mais alta entre os adultos jovens e maduros. A utilização dos juizados especiais criminais também é mínima entre os idosos. Outras perguntas indicam que os idosos não usam os parcos recursos legais à sua disposição. Ficam perdidos na malha burocrática. Os idosos têm várias capacidades reduzidas, que conformam o início da pirâmide de inação, de falta de resposta, que possibilita que esse tipo de golpe seja dado repetidas vezes sem que os criminosos sejam incomodados. Indaguei e averigüei; não foi fácil. Descobri que poucas vítimas buscaram o sindicato antes de serem ludibriadas. Quantas foram vencidas pelo desconhecimento, pelo cansaço e pela inércia que atormentam muitos idosos e não denunciaram o crime?

Porém, havendo milhares de vítimas, algumas fizeram perguntas e houve reclamações.

Quando consegui localizar na burocracia do sindicato o número da pessoa encarregada, minhas suspeitas se confirmaram: havia muitas reclamações, mas o imobilismo também existe nas instituições, que pouco ou nada fazem para impedir o golpe ou punir os golpistas. A pirâmide terminava ali. Algumas idosas reclamaram, mas o assunto morreu ali. Pior: era evidente que os golpistas tiveram acesso à lista de viúvas e seus telefones. A segurança do próprio sindicato era inexistente. Quantas velhinhas viúvas de marítimos pediram dinheiro emprestado, rasparam suas economias, etc. para entregar R$ 3 mil aos canalhas?

Muitos idosos têm a capacidade mental afetada, audição muito reduzida, visão prejudicada e muito mais. Não estão em condições de se defender de criminosos organizados que contam com a cumplicidade passiva das instituições. Esse episódio confirmou que o mundo moderno foi construído sem levar em conta os idosos. Há documentos com importantes informações em letras mínimas, inclusive os cartões de crédito. Há empresas de prestação de serviços públicos que são notórias pela sua tentativa de impedir que os usuários mudem a provedora. Há transferências de ramal ou de número telefônico (ligue para o departamento x; não é aqui, ligue para o departamento y etc.), numa tentativa planejada de impedir a mudança. O fim do serviço é uma batalha de vários dias — para os dispostos a guerrear. Quantos idosos podem fazê-lo? A net exige uma senha de 12 números para iniciar qualquer comunicação burocrática. Em outras áreas, as constantes mudanças de senhas, feitas em nome da segurança, confundem os idosos, cuja memória de curto prazo é deficiente. Porém, se as senhas não forem alteradas, o sistema não funciona. O estado burocrático massacra os idosos. No Brasil, o número de documentos exigidos para qualquer transação (CPF, RG etc.) é obsceno, aceitável apenas por uma população subjugada pelo arbítrio do setor público. Confundem os idosos.

Os velhos são caçados pelos criminosos, mas também são prejudicados por um estado burocrático que não pensa neles.


Publicado no CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, quinta-feira, 28 de agosto de 2008.

Quer ler mais textos do Professor Gláucio? Acesse aqui o seu blog.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Eles que amavam tanto a revolução




Os jovens rapazes da foto acima, tirada em algum momento da primeira metade dos anos oitenta, sonhavam em assaltar os céus. Queriam nada menos do que uma revolução "democrática, operária e popular". Eram militantes do movimento estudantil da UFRN e do PT. Hoje, um é deputado e os outros dois são professores universitários. Continuam, cada um a seu jeito, intervindo no mundo. Não querem mais assaltar o céu, amam as reformas. Mas não ficaram menores. Cresceram, como pessoas e como políticos, com as suas opções. E é isso o que, afinal, conta, não?

A crise e a ação do Estado na análise de Alon

Alon Feuerwercker é um dos melhores jornalistas deste país. Suas análises são equilibradas e, não raramente, corajosas e originais. E o melhor: ele não paga taxa nem aos modismos politicamente corretos e nem ao oba-oba da nova direita. Vale a pena, por exemplo, ler o que ele escreveu sobre ação do Governo norte-americando para tentar debelar a crise no mercado financeiro. Acesse aqui.

Os tucanos no seu labirinto

Reproduzo, abaixo, artigo de autoria de Luiz Weis publicado hoje no Estadão.

Os tucanos no seu labirinto
Luiz Weis


A crise no PSDB é maior do que o rancoroso conflito que se abateu sobre o partido no seu berço paulistano, com o confronto de ambições entre o ex-governador Geraldo Alckmin e o atual, José Serra. O problema da legenda é a erosão do seu patrimônio político - o que não deixa de ser um paradoxo, quando se considera que a agremiação é a única a exibir não um, mas dois candidatos feitos e viáveis ao Palácio do Planalto: além de Serra, líder nas pesquisas, o mineiro Aécio Neves.

O mal dos tucanos chama-se Lula. Mais precisamente, a decisão que ele encabeçou - primeiro na campanha presidencial de 2002, depois no governo - de deslocar o PT para o território que o PSDB reivindicava para si: o do centro-esquerda modernizador e reformista. Tendo a mudança dado no que deu, é desimportante arrolar o que petistas e tucanos, e as administrações de uns e outros, possam ter de diferente, se não de antagônico.

Não só porque em política o que parece é, mas porque, objetivamente também, do segundo governo Fernando Henrique para cá, a continuidade tem prevalecido de longe sobre a ruptura. Tampouco serve de algo o coro dos ressentidos, para quem Lula se limitou a colher o que o antecessor plantou - como se mesmo isso não exigisse competência - e que o resto foi a sorte sideral do petista. O fato é que o PSDB ficou praticamente afônico. Pior: quando ensaia recuperar a voz, não o ouvem.

No labirinto, os tucanos já pensaram até em encomendar uma pesquisa para saber o que o povo acha que eles deviam fazer para "reatar os fios entre o partido e a sociedade", como escreveu Fernando Henrique na Carta aos eleitores do PSDB, de setembro de 2006. O reatamento, de toda forma, teria de ser precedido por uma reunificação interna em torno da atualização da identidade tucana e dos seus meios de ação política - o que, visto hoje a partir de São Paulo, é uma ofuscante ironia.

Mas os partidos, salvo nas franjas do sistema, não são centros de debates, muito menos, na atualidade, oficinas de ideologias. Podem até debater e ideologizar, mas sempre na perspectiva da conquista ou da conservação do poder a cada novo ciclo eleitoral. Nas democracias de massa, são as eleições que moldam os partidos, porque estabelecem a hierarquia das suas lideranças, e as idéias têm de ser boas de voto para ser assumidas pelos candidatos - políticos profissionais cujo destino depende das urnas.

É claro que, em meio a toda a sua enrascada, tucanos se elegem (e continuarão a se eleger) governadores e prefeitos em Estados e cidades-chaves. Menos, porém, até onde a vista alcança, por sua filiação e trajetória no PSDB do que pelos atributos pessoais e administrativos, conforme a maioria do eleitorado os perceba. A marca tucana passou a ter para muitos eleitores uma carga negativa - sinônimo de inimigo do presidente.

Não foi por outra razão que no horário gratuito Alckmin ressalvou que "Lula tudo bem" no mesmo fôlego com que criticava Marta Suplicy e o PT - o que o presidente não deixou barato ao participar de um comício da ex-prefeita. Já não bastasse, portanto, a dificuldade de ser oposição a um governante a quem acusam de ter-se apropriado de suas bandeiras, como a estabilidade econômica e a redistribuição de renda, os tucanos ainda têm contra si a imensa popularidade deste governo.

Em abril do ano passado, quando as sondagens davam o presidente com 49% de aprovação, parlamentares do PSDB já se diziam "aniquilados". Segundo o noticiário, um deles suspirou: "Dá até desânimo de fazer oposição." E agora, que a Lulolatria bate um recorde depois de outro? Na semana passada, eram 64% os brasileiros que aprovavam a sua gestão e 8% os que a julgam ruim ou péssima, na mais recente pesquisa do Datafolha.

Anteontem, o Instituto Sensus revelou que a aprovação ao governo é a maior já registrada na série histórica dos seus levantamentos para a Confederação Nacional do Transporte (CNT), iniciados em 1998. São 68,8% os que o aplaudem - um contingente dez vezes superior ao dos seus detratores. Isso significa que, em menos de meio ano, a avaliação positiva da administração lulista deu um salto da ordem de dez pontos porcentuais.

Se sólidos dois terços da população consideram o governo ótimo ou bom, o céu parece ser o limite para o crescimento do prestígio pessoal de Lula, na vizinhança dos 80%. Ele está a caminho de repetir a marca máxima do seu primeiro ano no Planalto (83,6%). É um resultado não apenas sem precedentes desde que se faz esse tipo de pesquisa no País, mas excepcional em todo o mundo democrático. Apoio dessa grandeza só o presidente Bush alcançou, numa nação traumatizada pelo 11 de Setembro, ao declarar a sua guerra ao terror.

Parece haver algo no Brasil de hoje além daquilo que os americanos chamam feel-good factor - no caso, a satisfação com os ganhos objetivos na frente econômica (emprego, renda e capacidade de consumo em alta) e com os efeitos da inclusão social proporcionados pelo Bolsa-Família, engendrando um clima de expectativas otimistas que o proclamado advento da fabulosa era do pré-sal obviamente só exacerba.

Mesmo dando o devido desconto ao fato de Lula ser um presidente em permanente campanha, o que lhe proporciona uma visibilidade que outros chefes de governo só têm a invejar - já se disse que ele é o pauteiro da mídia nacional -, não resta dúvida de que o fascínio pela singularidade de sua figura transborda da ampla parcela da população que naturalmente o vê como um dos seus que não perdeu o senso de suas origens e lealdades.

A últimas barreiras à consagração de Lula começam a ceder. Pela primeira vez, ele conseguiu o apoio da maioria (57%) dos brasileiros do Sudeste, das regiões metropolitanas, com formação superior e renda familiar mensal de dez salários mínimos para cima. Em suma, junto aos setores mais cosmopolitas, abonados, escolarizados - e tucanos - da sociedade. E vá o PSDB dizer que eles estão enganados.

Luiz Weis é jornalista

terça-feira, 23 de setembro de 2008

A miséria da política na blogosfera potiguar

Leia o trecho abaixo, publicado em um blog dedicado à vida política do Rio Grande do Norte. Comento depois.

Fábio Faria faz campanha pelo interior com o pé inchado (http://www.thaisagalvao.com.br)

E o deputado Fábio Faria está de pé inchado.
Não por causa das andanças pelo interior.
Foi quando saía da casa da prefeita Socorro, em Venha Ver, que ele torceu o pé.
E de pé inchado, o deputado percorreu mais 4 municípios no domingo, e mais 3 ontem à noite.
Sem tempo nem para calçar uma bota de gesso
.

Comentário:

Mon Dieu! É o completo esvaziamento da res publica. A vitória da tirania da intimidade. Ou, como diria um piadista, é a vida pública entrando na privada. Mas a blogueira tem toda a razão em noticiar o pé inchado do deputado. Nesse personagem, acredito, a política está circunscrita ao corpo. Para compensar a ausência de proposições e de uma atuação que possa merecer qualquer qualificativo, desafortunadamente, resta à jornalista noticiar as suas topadas.

Moral: a mediocridade da vida política do RN é sempre menor do que aquela produzida pelo nosso dito jornalismo político.

As eleições municipais no Brasil: a análise do jornalismo econômico inglês

Não deixa de ser interessante saber como os outros nos vêem. Por isso mesmo, coloco aí abaixo uma análise das eleições municipais de outubro publicada por site inglês dedicado ao jornalismo econômico.

Political alliances in Brazil
Published: 23 September, 2008
The campaign for Brazil’s October 5th 2008 municipal elections has dominated the political scene in recent months. Some 5,560 municipalities will vote for mayors and local assemblies, and, although local issues have gotten the most attention in the campaign, the outcome of the contests will have wider implications for the 2010 presidential election. In many cases the network of political alliances built now will be replicated nationally in two years’ time.

The most important municipal race is in São Paulo, Brazil’s largest city and financial capital, where a former mayor, Marta Suplicy (2001-04), from the ruling Partido dos Trabalhadores (PT), took an early lead in the opinion polls.

Ms Suplicy left the city hall with record levels of unpopularity less than four years ago. She has since staged a remarkable political comeback, benefiting from the huge popularity of the president, Luiz Inácio Lula da Silva, whereas the opposition has failed to present a united front. The Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), Brazil’s main opposition party, is split between its own candidate, Geraldo Alckmin, a former governor of São Paulo state, and the incumbent mayor, Gilberto Kassab, from the right-wing Democratas. Mr Kassab has the support of the current PSDB governor of São Paulo and presidential hopeful, José Serra.

According to recent polls, Ms Suplicy is leading with around 40% of voting intentions. Mr Alckmin, who was in second place, has lost some ground to Mr Kassab and they are in a virtual tie now with around 20% of voting intentions each. An electoral triumph in São Paulo would further strengthen the ruling PT. It would also boost Ms Suplicy’s profile within the party, increasing her chances of being chosen the presidential candidate for 2010 (which would, nonetheless, force her to resign the mayorship).

Alliancein Belo Horizonte

In Belo Horizonte, capital of Minas Gerais (another important Brazilian state), the PT and the PSDB have joined forces behind a left-wing candidate belonging to a third party, the Partido Socialista Brasileiro (PSB), Márcio Lacerda. Mr Lacerda is supported by both the incumbent PT mayor, José Pimentel, and the current PSDB state governor, Aécio Neves, who is another presidential hopeful.

After a slow start in the opinion polls, Mr Lacerda’s fortunes have rapidly improved as the electoral campaign has intensified and he is now leading the polls with around 40% of voters’ intentions. The PT-PSDB alliance in Belo Horizonte, which has caused some discomfort among some local PT officials, has been widely seen as an astute tactical move by Mr Neves, which, if successful, can boost his chances of gaining his party’s presidential nomination for 2010.

Fast forward to 2010

So far the PT has failed to come up with a strong possible successor to Lula, who is constitutionally barred from seeking a third consecutive term. There is no clear contender despite the various factors that would work in favour of keeping the PT in the presidential office. These include, besides Lula’s own popularity, the solid performance of Brazil’s economy and the government’s popular income-redistribution programmes.

Among the potential PT candidates is Lula’s chief of staff, Dilma Rousseff, whom the president has implied might be his preferred successor. An influential figure within the administration, Ms Rousseff co-ordinates the cabinet and is in charge of executing the many infrastructure projects in the flagship Programa de Aceleração do Crescimento (PAC, growth-acceleration programme). She is taking an active part in the local electoral campaign in order to boost her political profile.

The Economist Intelligence Unit currently expects the ruling PT to increase its share of mayorships on October 5th, on the back of Lula’s record popularity. (Where needed, a second-round vote will be held on October 26th.) A good performance for the PT will increase the incentive for the Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), Brazil’s largest party, to remain in the government’s camp and seek an alliance with it for 2010.

Intimidade e mercado



Viviana Zelizer (acesse aqui o seu curriculum em inglês), é um dos principais nomes da Nova Sociologia Econômica. O seu seminal trabalho sobre o mercado de crianças nos EUA é uma referência incontornável para os que buscam investigar os "múltiplos mercados" nas sociedades contemporâneas. É uma cientista social que incorpora fortemente a perspectiva da sociologia da prática de Pierre Bourdieu. Nos últimos anos, dentre outras temáticas, tem se dedicado a pensar a relação entre intimidade e vida econômica. Coloco aqui o link para uma página na qual você poderá baixar alguns textos de seus textos.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Responsabilidade socioambiental: a perspectiva da NSE

Ricardo Abramovay, professor titular da FEA/USP, escreve regularmente no jornal Valor Econômico. Leia, abaixo, artigo de sua autoria publicado na edição do último final de semana intitulado "A dimensão estratégica da responsabilidade socioambiental". Abramovay tem tabalhado na perspectiva analítica da Nova Sociologia Econômica.

A responsabilidade socioambiental do setor privado envolve um paradoxo básico, em torno de cuja explicação a literatura científica se polariza e os atores sociais se dividem. Para uns trata-se de contradição nos termos, ilusão que ignora a essência mesmo do que é o sistema capitalista.

A expressão emblemática deste ponto de vista está na célebre afirmação do prêmio Nobel de Economia, Milton Friedman, segundo o qual qualquer companhia voltada a controlar a poluição além do exigido por lei, para contribuir com a melhoria do meio ambiente, estaria praticando socialismo puro e simples ("pure and unadulterated socialism").

Mais recentemente (e a partir de argumentos diferentes dos de Friedman), Robert Reich, ex-ministro do Trabalho de Bill Clinton, em Supercapitalism, denuncia a noção de responsabilidade social corporativa como uma espécie de cortina de fumaça que obscurece o papel imprescindível do Estado na organização social.

Nefasto desvio das finalidades para as quais a empresa existe ou ilusão perniciosa de que o setor privado pode conduzir transformações sociais significativas, em ambos os casos a conclusão é a mesma: a busca do lucro (no respeito à lei, é claro) resume a essência do que fazem os componentes de uma economia descentralizada.

As unidades individuais operam a partir dos sinais que recebem do mercado e cabe ao Estado corrigir e impor às firmas o ônus das externalidades, isto é, dos efeitos socialmente indesejados de seus atos.

Este ponto de vista padece de dois problemas básicos. Por um lado, ele ignora que o setor privado e as associações empresariais vão muito além do cumprimento da legislação no que se refere aos impactos socioambientais de suas ações.

Não havia qualquer exigência legal para a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais e a Associação Nacional de Exportadores de Cereais decidissem, em junho de 2006, não mais comprar soja vinda de áreas recentemente desmatadas do bioma amazônico.

Da mesma forma, não foi para obedecer à lei que a indústria farmacêutica criou um "índice de acesso aos medicamentos" (http://www.atmindex.org), de cuja elaboração participaram universidades, movimentos sociais, governos e organizações não-governamentais, e cujo ponto de partida está na constatação de que as chamadas doenças negligenciadas não têm recebido nem de longe atenção suficiente do setor privado.

Ora, dirá o leitor, nos dois casos, as empresas só tomam estas iniciativas por interesse, para ganhar mais, por razões, na verdade, egoístas, e não por uma preocupação socioambiental legítima. Aqui reside o segundo problema ligado ao ponto de vista que julga ilusória ou nefasta a própria idéia de responsabilidade socioambiental do setor privado. É claro que o setor privado age por interesse. A questão consiste em saber de que maneira se formam e se exprimem estes interesses.

A principal crítica que se pode fazer aos que rejeitam, em princípio, o conceito de responsabilidade socioambiental do setor privado é que tratam os interesses empresariais como se fossem imunes à pressão social. Tudo se passa como se os mercados, de fato, fossem mecanismos de equilíbrio, neutros, impessoais e situados, por assim dizer, acima da vida social.

Não são apenas as empresas que estão no meio ambiente, sob a forma de emissões, destruição da biodiversidade, poluição e comprometimento tão freqüente do patrimônio social e natural em que intervêm. O meio ambiente (isto é os ecossistemas dos quais as sociedades humanas são parte integrante e indissolúvel) também está nas empresas. Sua presença aí é cada vez mais importante e nela se encontra um dos caminhos de mudança no mundo contemporâneo.

Michael Porter e Mark Kramer, em artigo de 2006 premiado pela Harvard Business Review ("Strategy and Society - The Link between Competitive Advantage and Corporate Social Responsibility"), insistem na dimensão estratégica da responsabilidade corporativa. Muitas companhias, relatam Porter e Kramer, só acordaram para a importância do tema sob pressão e isso lhes trouxe (como no célebre caso da Nike, acusada de fazer uso de trabalho infantil ou das empresas petrolíferas diante de seus sucessivos acidentes) imensos prejuízos.

Com freqüência, a resposta a estas pressões foi episódica, cosmética e, sobretudo, sem horizonte estratégico. O grande desafio para a empresa é medir as conseqüências de suas ações não só em seu entorno imediato, mas numa perspectiva de longo prazo, em que sejam criadas capacidades para antecipar resultados.

Para isso, é fundamental reconhecer a dependência mútua entre corporações e sociedade. Porter e Kramer falam em valores partilhados (shared values), que abram caminho para reduzir os conflitos potenciais que a firma enfrenta.

As escolhas das empresas não envolvem apenas seleção de tecnologias, preços e procedimentos produtivos. Referem-se também à maneira como vão relacionar-se com as dimensões socioambientais do que fazem, ou, em outras palavras, à qualidade de sua inserção social.

A publicação pelo Global Report Initiative de um documento sobre a biodiversidade (http://www.globalreporting.org/home) é um passo marcante neste sentido. Destinado a tomadores de decisão no interior das organizações, o documento mostra a importância dos ecossistemas para a vida humana e sugere procedimentos concretos para proteger e regenerar os ambientes em que atuam.

São imensas as oportunidades de ganho empresarial que uma atitude não predatória oferece. Mas isso exige, com freqüência, mudanças tanto na visão que a empresa tem de seus recursos, como, sobretudo, de suas relações com os stakeholders.

Estes stakeholders vão desde comunidades locais e grupos preocupados como a biodiversidade até investidores temerosos dos riscos que a destruição dos ecossistemas poderia trazer à própria legitimidade (licença para operar) da companhia. Socioambiental não é um setor à parte, uma equipe de bombeiros convocada quando a temperatura sobe, mas sim o componente estratégico decisivo do qual depende a integridade de qualquer organização contemporânea.
(Valor Econômico, 19/9)

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

O charme da disputa eleitoral em Porto Alegre



Há 20 anos, em 1988, morava em Porto Alegre. POA foi a minha idéia feliz de cidade. Respirava-se política, então. E eu me envolvi de corpo e alma nas eleições municipais. Acompanhava de perto e assistia a todos os grandes comícios. Era uma festa bonita. Olívio Dutra era o meu candidato. Ganhou as eleições e não decepcionou. Fez uma boa administração.

De longe, vejo que a disputa, duas décadas depois, parece ter resgatado um pouco daquele charme que tinha a vida política na capital gaúcha na segunda metade da chamada “década perdida”. Luciana Genro (PSOL), Maria do Rosário (PT) e Manuela D’Ávila (PCdoB) disputam o lugar de oponente, no segundo turno, do prefeito José Fogaça (PMDB), até agora na dianteira, segundo as pesquisas eleitorais. Olhando de longe, e estando em Natal (RN), dá uma inveja danada de quem vai votar em Porto Alegre. Não sei como está a disputa e nem o nível do debate político, mas que é cheia de charme (perdoem-me o machismo), ah, isso é.

Debate sobre a crise boliviana na UFRN

Na próxima quarta-feira, dia 24 de setembro, a partir das 16 horas, no Auditório de Ciências Sociais (Consequinho), no CCHLA, teremos um debate sobre a crise boliviana. O debatedor será o Gabriel Vitullo, professor de Ciência Política do Departamento de Ciências Sociais da UFRN. A atividade é uma promoção do PET de Ciências Sociais.

DIRETO DA BOLÍVIA

Leia, no UOl, matéria sobre a situação em Santa Cruz de La Sierra. É mais uma face da crise boliviana. Acesse aqui.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Saramago também tem blog




Se todo mundo está na rede, por que não o Saramago? Agora, pode conferir aqui, ele está. E vale a pena navegar com ele.

Mais sobre a Bolívia




Evitar a repetição, na Bolívia de hoje, do Golpe de 1973, contra Salvador Allende, eis o desafio dos que defendem a democracia na América Latina. Esse o tom de matéria publicada hoje no jornal argentino Página 12. Leia aqui.

Marcos Nobre escreve sobre a crise boliviana

Marcos Nobre (veja aqui o curriculum lattes dele) é um acadêmico que escreve para o grande público sem deixar cair o nível. É colunista do jornal Folha de São Paulo. Como tenho tentado acompanhar a crise boliviana, coloco, abaixo, partes de seu artigo de hoje que trata dessa questão.
MARCOS NOBRE

Deixem a Bolívia em paz

NÃO HÁ NADA mais humilhante para um país do que não ser levado a sério. É o que está acontecendo com a Bolívia.
A Argentina passou recentemente por mais de quatro meses de crise grave, com seguidos episódios de bloqueios de estradas, desabastecimento e confrontos físicos inclusive. E ninguém pediu reunião internacional de emergência nem resolveu enviar tropas. A presidente Cristina Kirchner aceitou a derrota no Congresso e recuou. Como faz qualquer governo democrático.
A crise boliviana é certamente mais grave do que foi a argentina.
Mas o que chama a atenção é que ninguém ouve o que o governo boliviano tem a dizer. E o presidente Evo Morales não se cansa de dizer que não quer e que não precisa de ajuda.
(...)
A reunião de emergência da recém-criada União de Nações Sul-Americanas (Unasul) foi um equívoco. A começar pelo local em que foi realizada. Por melhores que sejam as intenções da presidente do Chile (e da Unasul), Michelle Bachelet, seu país não é o lugar mais apropriado para uma discussão sobre a estabilidade interna da Bolívia, que tem com o Chile, desde o final do século 19, um contencioso territorial importante, não obstante as boas relações diplomáticas que mantêm os dois países na atualidade.
Foi um mau começo para a Unasul, principalmente porque foi puro paternalismo: cuidar do irmãozinho que não sabe se cuidar sozinho. Mais que isso, deu palanque para as estrepolias de Hugo Chávez. Se algo pode e deve ser feito pela Unasul é justamente convencer o presidente venezuelano a respeitar a Bolívia.
Antes da reunião da Unasul, as forças de oposição a Morales já haviam sinalizado claramente a sua intenção de não provocar uma escalada nos conflitos, principalmente depois do choque provocado pelas mortes. É também assim que se deve entender a declaração de Morales de que as mortes foram provocadas por pistoleiros brasileiros e peruanos: não atribuí-las aos opositores mostra claramente o seu desejo de manter um clima favorável
para as negociações.
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segunda-feira, 15 de setembro de 2008

A crise boliviana e a inação do Brasil.



Quem pena em ocupar um papel de liderança continental não pode assumir a posição de avestruz que a diplomacia brasileira tem demonstrado em relação à crise boliviana. Para ler alguém que expressa uma posição similar a essa, leia artigo postado hojo no blog do Alon. Lei-a aqui.

domingo, 14 de setembro de 2008

As faces do confronto na Bolívia



Os índios acossados nas periferias de cidades dominados por "autonomistas", essa uma das faces mais vívidas do confronto que se desenrola na Bolívia. Não dá para ficar silente e fingir que não é conosco. O silêncio, nessa hora, se assemelha com cumplicidade. A posição brasileira tem que ser um pouco mais firme!

Sobre a Bolívia

A situação está prá lá de complicada na Bolívia. Claro que estamos todos apreensivos com o confronto entre a oposição e o Presidente Evo Morales. Sim, é preciso apostar em uma saída negociada, como que o Presidente Lula. Mas, com sinceridade, é díficil, muito díficil, acreditar que esse será o caminho a ser seguido. Para corroborar o que digo, transcrevo, abaixo, reportagem de hoje do jornal argentino Página 12, no meu entender o melhor diário do nosso país vizinho. Nela, como você pode conferir, podemos perceber o abismo que se avizinha na já tão sofrida Bolívia. Nada menos que um confronto étnico de conseqüências amedrontadoras. Não pude - não tive tempo! - de fazer a tradução.

Lamento boliviano

Por Santiago O’Donnell

Dio pena ver por televisión esta semana a jóvenes clasemedieros bolivianos armados con palos, piedras, pistolas y escopetas tomando aeropuertos, canales de televisión y todo tipo de instituciones públicas, destruyendo mercados populares y apaleando a campesinos, en decenas de acciones de choque repartidas entre Santa Cruz, Beni, Pando y Chuquisaca, coordinadas y previamente concertadas por los gobernadores, con un diplomático estadounidense actuando como facilitador, acciones que culminaron con la masacre de quince líderes indígenas ametrallados a la vera de un camino en Pando, asesinados por un escuadrón de la muerte que respondería al gobernador, Leonel Fernández, hoy buscado por genocidio.

Bolivia te rompe el corazón. Tanto odio, tanta destrucción, tanta impotencia escenificada en una especie de pueblada burguesa en contra de los indígenas y los campesinos para mantener viejos privilegios, ante la pasividad del gobierno, de su policía y de las fuerzas armadas. El presidente Evo Morales, recientemente ratificado por dos tercios del voto, debe tragar saliva ante cada nueva embestida para evitar dar la orden que lleve al baño de sangre.

Bolivia está al borde de la guerra civil. Aunque el gobierno y los líderes de la oposición acordaron sentarse a negociar esta tarde, las rebeliones son muy difíciles de controlar una vez que se desatan, y su propia inercia las lleva a radicalizarse. No hay salida política posible cuando se desconoce la ley, las autoridades legítimamente elegidas y las reglas de juego de la democracia. Cuando las disputas se dirimen a través del uso de fuerza, ganan los que tienen más fierros.

En Bolivia los fierros pesados son de las fuerzas armadas. Por algo sus cuarteles y destacamentos son prácticamente las únicas instituciones federales que las patotas autonomistas no han atacado. Los militares en actividad han dado muestras de lealtad al gobierno de Morales. Se trata de una cuestión cultural. El 90 por ciento de los soldados bolivianos son indígenas. El servicio militar es obligatorio, pero muchos blancos consiguen libretas médicas. “El indígena que no hace cuartel (colimba) es mal visto en su comunidad, como que no se hizo hombre. Evo es el primer presidente que hizo cuartel desde la dictadura y eso los militares lo respetan”, cuenta uno de sus asesores.

Cuando asumió en el 2006, Morales pasó por alto una promoción de generales, presuntamente involucrados en una compra irregular de misiles, para nombrar a su cúpula militar. Desde entonces no ha habido intrigas ni complots dentro de la fuerza y la cúpula se ha mantenido intacta, a pesarde los esfuerzos de algunos militares retirados vinculados a la oligarquía cruceña.

Los autonomistas dicen que no van a devolver los edificios federales que tomaron, sino que los van a reconvertir en entes provinciales, y así van a empezar a aplicar los estatutos autonómicos que votaron el año pasado.

Pero no es lo mismo tomar el edificio de la dirección impositiva que capturar los ingresos que esa oficina percibía antes de la toma, por la sencilla razón de que el gobierno redireccionó a los grandes contribuyentes para que paguen sus impuestos y tributos directamente en La Paz. Así como los estatutos fueron declarados ilegales de antemano por la Corte Electoral y desconocidos por la comunidad internacional, lo mismo pasa con las instituciones que surgen de su aplicación.

Sin fuentes de ingresos y con las rutas cortadas, la rebelión de los ricos no puede durar mucho porque los empresarios pierden plata. Por dar un ejemplo, la feria de Santa Cruz, la más grande del país, debía arrancar en dos semanas. El año pasado reunió a 3000 empresarios de 40 países. Ahora quién sabe si se hace, ni quién va a participar, ni cómo van a llegar con las rutas cortadas y los aeropuertos tomados.

Lo más triste es que todo este caos se desató porque el gobierno impuso un recorte promedio del seis por ciento en sus transferencias a las prefecturas para pagarle una modesta jubilación a los más pobres, la llamada Renta Dignidad. Y no es que las prefecturas venían sufriendo la codicia del gobierno central, sino todo lo contrario: además de contar con uno de los sistemas fiscales más federales del mundo, la estatización de los hidrocarburos que decretó el gobierno que hoy combaten había triplicado sus ingresos en menos de tres años.

El problema principal que tienen los autonomistas es la creciente popularidad de Evo Morales. El presidente que llegó al gobierno con poco más de la mitad de los votos había prometido una reforma redistributiva pero necesitaba algún tipo de acuerdo con la oposición para sumar los dos tercios en la Asamblea Legislativa que iba a modificar la Constitución. Pero en el referéndum revocatorio del mes pasado Morales sumó más del 67 por ciento de los votos. Si repite la performance en el referéndum constitucional de principios del año que viene, entonces su Constitución habrá sido refrendada por mayoría absoluta, reelección incluida, sin necesidad de hacer concesiones.

Este es el escenario que desespera a los autonomistas. Su única esperanza es que Morales muerda el anzuelo y desate una represión feroz que los ponga en el lugar de víctimas, para así justificar su insurrección. Pero hasta ahora Morales ha hecho prevalecer su paciencia aymara, su muñeca de gremialista y su visión de estadista, prefiriendo mostrarse débil antes que entrar en la espiral de violencia.

Pero en un punto Morales es prisionero de su propio éxito. Cuanto más avanza con sus reformas, más crece su popularidad. Cuanto más crece su popularidad, más se aísla la oposición autonomista. Cuanto más se aísla la oposición, más arriesga. Perdida por perdida, sale a quemar las naves. El objetivo ya no es imponer el programa propio sino incendiar el proyecto del gobierno en un acto de destrucción mutua. Para lograrlo, los autonomistas no dudan en recurrir a lo más bajo de la política: el racismo, la xenofobia, el macartismo, la demagogia, el nacionalismo barato, los insultos, las patotas, los palos, las palizas, los saqueos, las masacres.

Entonces el pueblo agredido quiere reaccionar y el jefe de Estado intenta contenerlo. Pero no es fácil esperar que actúe la Justicia, que funcionen las instituciones, que se calmen las aguas para recuperar lo robado y rehacer lo destruido. No es fácil sentarse a ver cómo las llamas del odio se devoran rutas, oficinas, estaciones, mercados, vidas humanas y la esperanza de un futuro mejor. Te rompe el corazón.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

O atraso na nossa produção de conhecimento

Notícia preocupante, publicada no Estadão de hoje.



País fica atrás em inovação, diz Bird
Estudo do Banco Mundial aponta que universidade é distante da indústria e que Brasil só adapta tecnologias

Simone Iwasso e Maria Rehder

O Brasil está ficando para trás na comparação com outros países em desenvolvimento quando se trata de produzir conhecimento novo e de convertê-lo em resultados práticos.

Leia a íntegra da entrevista com o pesquisador do Banco Mundial

A conclusão é de um estudo inédito do Banco Mundial (Bird), que será divulgado hoje em seminário promovido pela Fundação Lemann. Ele aponta os fatores da deficiência brasileira na área: ensino básico precário, que resulta em profissionais pouco qualificados, universidades distantes do setor produtivo e voltadas mais para conhecimento teórico do que prático e tradição de importar e adaptar tecnologias, em vez de criá-las.

“O Brasil está publicando pesquisas em um ritmo bastante aceitável, tendo hoje 2% dos artigos científicos de revistas e jornais internacionais. Mas o número de patentes é baixo, 0,18% das patentes internacionais são brasileiras”, explica Alberto Rodriguez, um dos principais autores, que está no País esta semana para lançar o estudo.

“Há a necessidade de que a pesquisa feita na universidade e nos laboratórios seja mais voltada para aplicações práticas e menos para a teoria. E há excessiva falta de investimento em pesquisa e desenvolvimento por parte do setor privado, que precisa se envolver mais.”

Segundo ele, enquanto outros países em desenvolvimento, como China, Índia e Coréia, estão se transformando em produtores de conhecimento graças a investimentos na formação de pesquisadores em áreas tecnológicas - e, com isso, alavancando suas economias -, o Brasil segue dependente de seus bens naturais, crescendo em um ritmo menor. “Apenas 19% dos estudantes de ensino superior no Brasil estão nas áreas de ciências e engenharias. No Chile são 33% e, na China, 53%”, afirma o relatório.

De acordo com levantamento feito pelo Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) da Unesp com base em dados do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), as universidades hoje representam 0,78% do total de depositantes de patentes no País - que conta com cerca de 50 mil pesquisadores.

A assessora da pró-reitoria de pesquisa da Unesp, Tânia Regina de Luca, reconhece a necessidade de as universidades investirem em inovação para a sua incorporação pelo setor produtivo, além da transformação do conhecimento científico em conhecimento técnico e gerencial. “Não podemos negar que isso contribui para o crescimento econômico do País”, avalia. “Temos de manter relações próximas com as indústrias, mas não podemos deixar de lado a autonomia das universidades, a nossa preocupação é com o conhecimento pelo conhecimento, com a pesquisa livre, e às vezes a empresa está mais preocupada com a gestão do conhecimento para gerar lucro.”

Para Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), um dos motivos que explicam o descompasso entre indústria e academia é a falta de doutores trabalhando em pesquisa nas empresas. “A universidade muitas vezes não tem com quem dialogar na empresa porque ela não faz pesquisa e há poucos doutores”, avalia Cruz.

“Concordo com o relatório quando ele aponta que precisamos ter algumas universidades de excelência, com padrão de pesquisa internacional, e isso está na contramão da nossa política educacional, que não valoriza a excelência e prega a homogeneização”, afirma.

Eleições

Leia, abaixo, artigo de autoria da socióloga Maria Rita Loureiro, publicado no Estadão de hoje.


Muito longe da lógica democrática

Maria Rita Loureiro*

Eleições livres, justas e idôneas são condição fundamental da democracia. No Brasil de hoje, a Justiça Eleitoral e as urnas eletrônicas têm permitido avanços consideráveis nesses requisitos. Todavia a forma como se organizam as campanhas eleitorais não tem caminhado na mesma direção: elas não estão contribuindo para o desenvolvimento de nossa democracia, por duas razões principais, interligadas.

Primeiro, porque as campanhas se baseiam na lógica da publicidade comercial, o que as torna muito caras. Os horários “gratuitos” (aliás, bem pagos às redes de TV e rádio, por meio de isenções fiscais) são utilizados para apresentar o nome, a imagem (às vezes grotesca) de candidatos ao Legislativo e alguns chavões veiculados rápida e superficialmente no prazo exíguo atribuído a cada um. A parte principal é destinada à divulgação de propaganda de candidatos a cargos majoritários. Esta se baseia em filmagens de obras e realizações (se for candidato à reeleição) ou de situações graves nos serviços públicos existentes (se de oposição). Utiliza também entrevistas com populares que elogiam uns candidatos, criticam outros, sem falar nos demais expedientes publicitários de divulgação: banners, distribuição “santinhos”, etc. A contratação de profissionais especializados em marketing, os equipamentos e o material de apoio para produzir tudo isso custam muito dinheiro aos partidos e aos candidatos.

Mesmo não havendo dados sobre quanto se gasta em publicidade (o TSE apresenta números relativos a receitas e despesas de partidos e candidatos em vários pleitos eleitorais, mas pouquíssima discriminação deles), as informações de responsáveis por gastos dentro dos partidos estimam algo em torno de 70% a 80% do total. Aliás, a necessidade de gerar caixa para financiar campanhas caras é o que parece estar por trás das denúncias de irregularidades envolvendo partidos, candidatos e grupos econômicos no País. Os recursos dos financiamentos públicos e de pessoas, doados oficialmente, não têm sido suficientes para sustentar tais despesas.

Em segundo lugar, além de muito caros (podendo gerar, por isso mesmo, o apelo a práticas de corrupção), os programas eleitorais têm conteúdo de baixa qualidade democrática. Orientadas pela lógica da publicidade comercial, as campanhas eleitorais se tornam campanhas de venda de um “produto” (candidato/programa) ao cliente/eleitor. Canalizam suas energias para convencer o eleitor/cliente da superioridade e maior credibilidade de um “produto” (candidato) ante o concorrente. Do mesmo modo que no mundo do comércio a “propaganda é a alma do negócio”, no processo eleitoral ganha quem tiver mais recursos para contratar melhores profissionais e melhores pacotes publicitários.

Ora, nestes termos, estamos muito distantes da lógica democrática. A igualdade política entre eleitores, candidatos e partidos é deformada pelo peso do poder econômico e pela habilidade de profissionais mais qualificados (e mais bem pagos) de persuadir. Ademais, a função primordial de uma campanha eleitoral fica completamente esvaziada, pois joga fora o momento privilegiado da democracia em que o debate público organizado pelos partidos pode ser ativado e no qual os cidadãos podem formar juízos a respeito de seus problemas coletivos e dos diferentes projetos para sua superação.

Infelizmente, os debates entre os candidatos majoritários tampouco contemplam os requisitos para o aperfeiçoamento da qualidade da democracia. Na forma como são organizados, submetidos às restrições rigorosas de tempo estabelecidas pelos donos das empresas de comunicação (“três minutos para a resposta, um minuto para a réplica, meio minuto para a tréplica”, além das inúmeras interrupções para “os nossos comerciais”), eles não oferecem condições mínimas para o debate mais aprofundado entre partidos, candidatos e cidadãos e, por isso, não contribuem para a formação de juízos políticos. Acabam-se transformando em mera maratona na qual vencem não as propostas mais consistentes e representativas, mas os mais hábeis atores midiáticos.

A redução das campanhas a atos orientados pela lógica mercantil tem que ver ainda com a identificação da imagem dos concorrentes com a de administradores competentes que entregam (deliver) o que foi comprado pelo eleitor/cliente. Não é ingênua a apresentação dos candidatos a prefeito, governador e até presidente em cenas nas quais aparecem fiscalizando obras, sempre com capacete. Ora, se o Estado deve ser servidor e mesmo provedor de bens públicos demandados pela população, os governantes precisam ser mais do que isso. Para se qualificar como representantes eles precisam ser líderes capazes de formular, articular e pôr em prática, por intermédio de seus partidos, projetos mais amplos para a sociedade. Infelizmente, nossos programas eleitorais estão longe de tal caminho.

Diante deste quadro, é crucial que a próxima reforma política e novas regras eleitorais contemplem a necessidade de recuperar o teor democrático das campanhas, destituindo-as de seu caráter meramente publicitário e afirmando-as essencialmente como fórum de debate público. Isso implica gerar tempo maior nos meios de comunicação (afinal, todos são concessões públicas) para programas de debates (e não de propaganda) entre cidadãos, partidos e candidatos, inclusive para o Legislativo (locus do poder soberano, é bom relembrar). Certamente essas mudanças terão impactos não só no barateamento dos custos das campanhas, na redução dos recursos necessários para seu financiamento (e, claro, na redução dos incentivos à corrupção), mas igualmente na qualidade da vida democrática do País.


* Maria Rita Loureiro, socióloga, é professora-titular da FGV-SP e da FEA-USP

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Eleições e apatia: não é só aqui...

Em Natal, segundo dados fornecidos pelas últimas pesquisas eleitorais, 80% dos eleitores declaram não saber em quem votar para vereador nas próximas eleições. Na ciência política existe, e não é de agora, uma séria discussão sobre a "apatia eleitoral" no mundo democrático. Não vou retomar essa discussão. Apenas chamo a atenção para o fato de que esse não é um fato exclusivo de países periféricos, dominados por mandatários e representantes envolvidos em esquemas de corrupção. Veja, a esse respeito, artigo de hoje do jornal israelense Haaretz. Intitulado "Who needs it?", o artigo faz uma análise interessante a respeito do crescimento de tal apatia em Israel. Leia aqui o artigo (em inglês).

A cientista política Lourdes Sola entra na discussão do pré-sal

Se você é uma das duas ou três pessoas que me honram visitando este blog, sabe que eu tenho procurado inserir posts com visões variadas sobre a discussão a respeito do que fazer com o petróleo do pré-sal. Hoje, sigo na mesma trilha. Coloco, abaixo, texto de autoria da cientista política Lourdes Sola, publicado no Estadão, sobre o assunto.

Nacionalismo energético e o legado de Lula

Lourdes Sola*


Quando analisados em perspectiva global, os movimentos erráticos do governo no sentido de introduzir um novo marco regulatório para exploração do petróleo e do gás na área do pré-sal representam uma versão bastante soft do nacionalismo energético em curso no mundo. Este é um dos vários sintomas de uma mudança de maré desde o fim da guerra fria. É um componente da ofensiva militar da Rússia de Putin-Medvedev sobre a Geórgia, da política do Irã de Ahmadinejad, da Bolívia de Morales e da Venezuela de Chávez. Num registro defensivo, a dependência energética entrou no radar dos candidatos à presidência dos Estados Unidos. O discurso de Barack Obama na convenção democrata aponta para uma dupla aposta: no desenvolvimento tecnológico orientado para a produção de energia limpa e na maior autonomia em relação aos países árabes. A candidata a vice pelos republicanos, Sarah Palin, oferece uma versão populista-chauvinista de nacionalismo energético. Montada nas reservas de petróleo do Alasca, defende a "independência do petróleo estrangeiro" e uma arrancada tecnológica. A Europa Ocidental aposta na tecnologia, porque mais vulnerável ao impacto desestabilizador da política externa da Rússia.

Nesse quadro, a retórica nacionalista e as cerimônias animadas por meio das quais a exploração das jazidas do pré-sal tem sido introduzida para a opinião pública brasileira representam uma versão suave de nacionalismo. Em sua forma extrema e canhestra, incluiu uma investida hostil à Petrobrás - símbolo da soberania nacional para a classe política e para os militares. O mix clássico na história brasileira, entre nacionalismo e populismo, foi convocado e, depois, suavizado. A investida contras as multinacionais associadas à Petrobrás e a defesa de uma estatal foram vazadas numa retórica familiar: o petróleo é da União e, portanto, "do povo", cujos interesses gerais estão representados pelo presidente e por este governo.

Numa segunda aproximação, salta aos olhos a diversidade dos casos específicos de nacionalismo. Isso requer uma sintonia mais fina, sem o que ficará também diluída a diferença específica do nacionalismo energético à moda da casa. Para isso é necessário indagar o seguinte: no mundo de hoje, qual a diferença específica entre políticas públicas orientadas pelo interesse nacional e o tipo de nacionalismo retratado aqui?

Maximizar as vantagens comparativas derivadas do acesso aos recursos energéticos é um princípio intrínseco à lógica que se guia pelo interesse nacional, entendido como interesse público. Em democracia, a formulação de políticas públicas com base nessa lógica pressupõe uma estratégia política e econômica coerente e também acordada entre os interesses afetados e representados. Mas também pressupõe um projeto nacional para além de um projeto de poder por parte do governo. Já o nacionalismo em pauta aqui se singulariza por duas características distintivas.

Uma delas é o tipo de uso político que fazem os governos do acesso a recursos energéticos sob controle de seus respectivos Estados. É um instrumento de mobilização das energias políticas domésticas com vista a promover a legitimidade de um governo específico. Que se apresenta como o portador dos interesses públicos em nome do Estado. A eficácia política dessa manobra consiste exatamente em obscurecer a distinção necessária entre interesses deste governo, do Estado e o interesse público.

A segunda característica é que a eficácia política do impulso nacionalista tem hoje um limite estrutural, a globalização. A densidade e a profundidade das interações econômico-financeiras, demográficas e ecológicas limita a capacidade de controle dos Estados nacionais. À luz desses processos, torna-se explícita a função predominantemente ideológica do nacionalismo, energético ou não. Essa limitação explica, em grande parte, o caráter errático dos movimentos do governo, tão logo se viu confrontado com as conseqüências do aumento da incerteza regulatória e com a queda das ações da Petrobrás e associadas. É essa constrição que conferiu à versão brasileira de nacionalismo energético um caráter tipicamente populista e extemporâneo.

As duas características, juntas, explicam a dificuldade de definir um formato coerente, que atenda aos cálculos políticos deste governo e ao interesse nacional - cuja definição obriga a levar em conta a forma de integração do País ao sistema global e o peso sem precedentes do setor privado.

À luz disso, cabe refletir sobre um par de temas. A forma como o governo apresentou à opinião pública e à classe política a questão do pré-sal pode ter conseqüências contraproducentes do ponto de vista da governabilidade. A disputa pela partilha das benesses foi lançada com anterioridade à definição acordada sobre o marco regulatório. Suscita conflitos de interesses, tensões e alinhamentos políticos que podem adquirir uma dinâmica própria. Para administrá-los e compatibilizá-los será necessário aprofundar a estratégia dominante, pela qual o governo contorna e surfa os conflitos. Por um lado, crescimento acelerado. Por outro, a incorporação dos interesses sociais contraditórios pelo Estado, o que significa ampliar ainda mais as dimensões do Estado a um custo crescente para o contribuinte.

Trata-se de uma mudança de paradigma e exige reflexão, pois incide sobre a natureza do legado do governo Lula. Ao qual se somam a expansão do funcionalismo público, cujos custos escalonados se estendem até 2012; a incerteza regulatória; e as pressões no balanço de pagamentos, indissociáveis das vicissitudes do cenário internacional.


* Lourdes Sola, Ph.D. em Ciência Política por Oxford, livre-docente e professora da USP, consultora política da MB Associados, é presidente da Associação Internacional
de Ciência Política (Ipsa)